O quarto e último texto da série mostra as transformações no ‘Terrível Trevo Norte’ (TTN), que passou por grande obra de ampliação do espaço para os motoristas.
Texto e fotos: Uirá Lourenço
Maio/2020
Venho acompanhando com tristeza as ações de ‘mobilidade’ ao longo dos anos em Brasília. Tive que pôr entre aspas, pois em geral a atuação do governo se resume a ampliar o espaço voltado aos carros. Ou seja, mais do mesmo: pistas, túneis e viadutos para dar vazão à crescente frota automotiva. Em 2008 era 1 milhão de veículos motorizados registrados no Distrito Federal, que superou a marca de 2 milhões em 2023.
Tenho bom acervo de imagens (fotos e vídeos) que faço ao passar de bicicleta por diferentes locais da cidade e, na série de textos, venho explorando as fotos e as imagens disponíveis no street view (google) para evidenciar as transformações na cidade. Termino o trabalho pelo final do Eixão Norte, que passou por grande obra devastadora, ao longo de diferentes governos até ser concluída.
Eis as imagens de diferentes anos da via DF-007, que passa sobre o lago Paranoá.
Street View, Agosto/2011
Street View, Maio/2019
Street View, Agosto/2022
Como se pode ver, a antes verdejante região da ponte do Bragueto se tornou cinzenta e altamente impermeável. Em 2011, área verde em ambos os lados. Em 2019, obras em andamento. Em 2022, obra concluída. O número de faixas para o fluxo motorizado sobre a ponte passou de 8 para 16. Apesar da ampliação das pistas, ‘esqueceram’ de priorizar o transporte coletivo: não há sequer uma faixa exclusiva para os ônibus.
É bom lembrar o custo da obra do Trevo de Triagem Norte (TTN), mais conhecido como Terrível Trevo Norte. Foram R$ 94,4 milhões, segundo o Governo do Distrito Federal. A ampliação da ponte do Bragueto fez parte de um projeto maior que incluiu a ampliação das pistas da Saída Norte (custo inicial de R$ 207 milhões), depois rebatizada como Complexo Viário Governador Roriz. Curiosamente, o prometido BRT Norte (sistema rápido de ônibus) foi esquecido, nunca saiu do papel, assim como o prometido Terminal da Asa Norte (TAN), que integraria as linhas de ônibus e o futuro VLT (Veículo Leve sobre Trilhos).
Final da Asa Norte, ponte do Bragueto. Fonte da imagem aérea (abaixo): Agência Brasília.
Talvez muitas pessoas – incluindo as autoridades do Governo do Distrito Federal (GDF) –considerem um grande avanço as novas pistas e os grandes viadutos. No entanto, o ciclo vicioso do automóvel traz inúmeros impactos negativos: mais poluição e barulho; mais estresse, congestionamento e sedentarismo; desestímulo aos modos ativos e coletivos de transporte; aumento da demanda por espaços de circulação e estacionamento.
DETALHES REVELADORES
A análise das imagens ao longo dos anos revela aspectos da mobilidade e curiosidades, que destaco abaixo.
– Pontos de ônibus e Travessia
Os pontos de embarque e desembarque dos usuários de ônibus continuam bem precários, com o mesmo modelo ‘caixote de concreto’, sem informações sobre linhas e horários (apesar de a frota de ônibus ser dotada de gps).
Quem desce do ônibus e precisa atravessar a via continua se arriscando entre os carros em alta velocidade (o limite é de 80 km/h). O risco e a distância aumentaram, afinal agora há mais pistas para cruzar. Com certa frequência há atropelamentos e mortes no local, reportagens já foram feitas para mostrar o risco. E o governo continua ignorando a necessidade de reduzir/readequar o limite de velocidade e prover travessia segura.
Vale lembrar que o caminho por baixo (por onde a placa do governo orienta as pessoas a seguirem) é inacessível, íngreme e escuro.
Travessia perigosa e caminho inacessível.
Próximo do Setor Hospitalar Norte há outro ponto conhecido de travessia arriscada. Sem qualquer infraestrutura (semáforo, faixa de travessia ou passarela), muitas pessoas atravessam o final do Eixão Norte entre os carros em alta velocidade.
– Ciclovia
De positivo observa-se que agora existe uma ciclovia na ponte do Bragueto. Mas os problemas de travessia para acessá-la e de falta de conexão entre outros caminhos dificultam bastante e, por isso, o fluxo de ciclistas é tão baixo. Nas poucas vezes que passo por lá, noto que o movimento de pessoas a pé e de bicicleta é inferior ao que observava antes da ampliação viária.
– Bem-vindo a Brasília
Foto: Julho/2015
Existia uma placa simpática que dava as boas-vindas nas proximidades da ponte. Com as obras de ampliação, pelo visto não sobrou espaço para nada mais além de pistas. A região era muito mais verde e agradável, com menos barulho dos motores.
COMENTÁRIOS FINAIS
As imagens ao longo dos anos nos fazem refletir sobre os rumos tomados na capital federal. Além dos aspectos de (i)mobilidade, devem-se destacar o período de extremo calor, a seca severa e as enchentes na estação chuvosa. Mais asfalto, mais pistas agravam o desconforto térmico e o escoamento das águas de chuva.
Pelas imagens pode-se inferir que se formou uma grande ilha de calor às margens do lago Paranoá. A impressão se confirma ao percorrer a pé ou de bicicleta o ambiente árido. Já passei por volta do meio-dia, num dia seco e ensolarado. O trajeto não é nada agradável e, curiosamente, não havia qualquer outra pessoa sem carro no mar de pistas.
Considerando a discussão sobre mudanças climáticas e o esforço de se construir cidades resilientes e sustentáveis, menos dependentes do automóvel, fica difícil defender o modelo rodoviarista de prioridade máxima (ou absoluta) aos carros. O GDF costuma exaltar os motoristas beneficiados a cada viaduto ou túnel construído: mais de 137 mil motoristas no Túnel de Taguatinga e 50 mil motoristas no viaduto do Jardim Botânico, entregue no dia 8/11/2024.
Fonte: Agência Brasília.
É preciso reverter esse modelo rodoviarista caro, atrasado e poluente. Mais pistas e viadutos induzem maior uso do carro e criam um círculo vicioso que demanda cada vez mais espaço para o automóvel (pistas e estacionamentos). Os planejadores e as autoridades precisam se convencer que a solução para os congestionamentos passa por investir no transporte coletivo – com ônibus, metrô, VLT e trem regional – integrado à mobilidade sustentável (a pé e por bicicleta, patinete e monociclo). É necessário desestimular o uso do carro, um desafio que precisa ser levado a sério na Cidade do Automóvel.
_________________________________
Os textos da série sobre a transformação/devastação nas vias estão no blog. Eis os links diretos:
Texto 1: https://brasiliaparapessoas.org/2024/11/12/como-transformar-destruir-uma-cidade-viaduto-do-sudoeste/
Texto 2: https://brasiliaparapessoas.org/2024/11/20/como-transformar-destruir-uma-cidade-epar/
Texto 3: https://brasiliaparapessoas.org/2024/12/18/como-transformar-destruir-uma-cidade-setor-policial/
Mais fotos do final do Eixão Norte, incluindo anúncios do GDF e imagens de antes da obra (link).
VÍDEOS
Gravei vídeos ao longo dos anos na região do Terrível Trevo Norte. Um dos vídeos mostra o fluxo motorizado na Saída Norte (Complexo Viário Governador Roriz).