Texto e Fotos: Uirá Lourenço
No dia 8 de novembro, o atual secretário de mobilidade do Distrito Federal, Fábio Ney Damasceno, apresentou as propostas do governo para enfrentar os problemas na mobilidade urbana.
Vale destacar que, apesar da relevância do tema, não houve qualquer divulgação no portal governamental da secretaria de mobilidade (Semob). Soube do evento por meio de mensagem compartilhada em grupo de e-mail que trata da mobilidade no DF. Apesar de a Semob constar como realizadora do evento, só havia informações na página do Sinduscon-DF (Sindicato da Indústria da Construção Civil), onde foi realizada a apresentação.
A palestra foi no estilo de tantas outras que tentam fazer crer em mudanças no modelo. Priorização do transporte coletivo e dos modos ativos, compromisso com a qualidade de vida, reforma de terminais, BRT, VLT e ampliação do metrô. Foi apresentada a distribuição modal no DF, comparada com outros centros urbanos (32% no DF, contra 46% no Rio de Janeiro), e como maior desafio o secretário apontou “aumentar a participação do transporte coletivo e não motorizado”.
Algo curioso é o argumento de ter que alargar e criar túneis para viabilizar melhorias no transporte público (em particular o BRT). Assim ocorreu no BRT Sul e na EPTG (“Linha Verde”), e está ocorrendo na região norte com o TTN. Amplia-se o espaço aos carros e, depois, se cria o corredor para ônibus. Em vez de reequilibrar o uso do espaço viário e transferir espaço ao transporte coletivo, amplia-se a capacidade aos carros e limita os ônibus a uma faixa.
Ou seja, em vez de fazer uma dieta adequada e restringir o consumo de energia, alarga-se o cinto e se agrava a enfermidade. O que se passa atualmente no norte do DF simboliza bem a contradição entre o que se diz e o que se faz. As obras em ritmo acelerado devastam boa parte da região, prejudicam os recursos hídricos em momento de escassez de água e não resolvem os graves problemas de imobilidade a quem depende do transporte coletivo e passa a pé e de bicicleta.
Na parte relativa à mobilidade saudável (ativa) chamou atenção o foco nos ciclistas. Entre as ações favoráveis aos pedestres, comentou-se de forma genérica sobre requalificação de calçadas, sem detalhes sobre locais, orçamento e cronograma de obras.
As ações aos ciclistas incluem a instalação de bicicletários em estações de metrô e terminais de ônibus, e a ampliação do sistema de bicicletas compartilhadas, que atualmente conta com 40 estações. A proposta é criar cinco estações de bicicletas na UnB, chegar a 100 estações no Plano Piloto e ampliar o sistema para outras administrações regionais.
O secretário Fábio Damasceno também comentou sobre o mapeamento das ciclovias para identificar gargalos e, então, poder criar uma rede cicloviária conectada. Segundo o secretário, o mapeamento está sendo contratado, por meio de financiamento do BID. Vale ressaltar a realização voluntária, e sem qualquer ônus ao governo, de levantamento detalhado da ciclovia da W4/W5 Norte.
A análise da ciclovia, detalhada e ilustrada, foi entregue ao GDF (ao governador, à Semob, ao Detran e ao DER-DF) em junho de 2015. O trabalho (veja a íntegra no portal Mobilize) foi totalmente ignorado e, passado mais de um ano, o trajeto de bicicleta pela Asa Norte continua desconfortável e inseguro.
O secretário mencionou o projeto “Mobilidade ativa no entorno das estações de metrô”, que beneficiaria pedestres e ciclistas. A proposta, elaborada pela Segeth (Secretaria de Gestão do Território e Habitação), consiste em medidas de humanização como redução de velocidade em vias locais (30 km/h) e faixas elevadas de travessia. Não foi apresentado cronograma de execução do projeto.
As promessas por dias melhores continuam: segurança a pedestres e ciclistas e melhorias no transporte coletivo. As apresentações realizadas pelos secretários, os anúncios e os vídeos governamentais também destacam as mudanças. Ciclovias, calçadas acessíveis, corredores de ônibus e VLTs.
Na trajetória de acompanhar as políticas locais de mobilidade há 10 anos, já ouvi muitas promessas e muitos programas ambiciosos. A bola da vez se chama Circula Brasília. As semelhanças entre o programa atual e o programa apresentado em 2010, pelo então secretário de transportes, são nítidas.
O secretário de mobilidade destaca a prioridade dos modos coletivos e saudáveis (“não motorizados”) de transporte (Novembro/2016) |
Há seis anos, o secretário de transportes, Alberto Fraga, apresentava promessas de melhorar a segurança e priorizar os modos coletivos e saudáveis de transporte ( Março/2010) |
Os anúncios governamentais ao longo dos anos, produzidos em diferentes governos, vendem a ideia de uma cidade exemplar, com respeito a pedestres e ciclistas e foco na segurança. Mas as fotos da realidade desmentem facilmente a propaganda governamental. A situação de imobilidade e inacessibilidade é crítica em todo o DF, tanto nas regiões administrativas mais distantes, quanto na região central.
Março/2015 |
Calçada destruída no local da foto publicada no anúncio |
Abril/2014 |
Cena comum: bloqueio de ciclovia |
Novembro/2011 |
Fracasso rodoviarista: caos após a ampliação da EPTG |
Vale destacar algumas das promessas do secretário para o transporte coletivo. Parece haver esforço no sentido de tornar realidade o bilhete único. O secretário não informou prazo, mas anunciou que se pretende ter o bilhete para integração à venda em estabelecimentos comerciais, e não apenas centralizado no DFTrans. E ainda comentou que está adiantado o processo de aquisição de ônibus com portas dos dois lados para circularem no corredor da EPTG. Outra promessa refere-se ao investimento em tecnologia, com um centro de controle operacional que permita o controle da frota de ônibus em tempo real e forneça informações aos usuários.
Para contornar o problema, há que se priorizar de forma absoluta o transporte coletivo. É dever do poder público priorizar os modos coletivos e saudáveis de transporte, segundo a Política Nacional de Mobilidade Urbana. Além de bilhete único e de investimento em tecnologia, um programa sério de mobilidade precisa criar incentivos à migração do transporte individual motorizado para o transporte coletivo.
Os recursos desperdiçados com ampliações viárias, túneis e viadutos deveriam ser utilizados em ações como ampliação das faixas exclusivas de ônibus e construção de caminhos seguros a pé e de bicicleta até os pontos e terminais de ônibus e metrô. E mais recursos financeiros ao transporte coletivo poderiam ser obtidos com o estacionamento rotativo pago, algo trivial em qualquer centro urbano e ainda inexistente na capital federal.
Cenas do transporte coletivo
Agonia na volta para casa: ponto lotado no Eixinho Norte |
Ponto de ônibus ocupado por carros: cena diária no Setor Comercial Sul |
Ônibus superlotados: cena comum de desconforto |
Na W3 Sul, total desconforto a quem usa ônibus |
Perguntas ao Secretário
No final do evento, houve tempo reservado para perguntas. Aproveitei para tecer comentários e deixar algumas questões.
Comentei sobre o grande incentivo à dependência automotiva por meio da conivência com o estacionamento irregular (inclusive sobre calçadas, canteiros e ciclovias) e pedi que o secretário comentasse sobre o estacionamento rotativo pago.
Questionei sobre redução do limite de velocidade nas vias do DF, incluindo o Eixão. E comentei sobre o grande foco em obras (infraestrutura) na apresentação do secretário e sobre a necessidade de tratar de ações relativas à educação e à fiscalização de trânsito. Perguntei-lhe sobre propostas nas áreas de educação e fiscalização.
Por fim, expressei minha indignação quanto às obras no norte do DF e perguntei se o secretário sinceramente achava que a obra mudaria o modelo de mobilidade e se ele imaginava que, com a obra concluída, os moradores do lago norte iriam sair de casa pedalando ou de ônibus para ir a supermercados e shoppings nas proximidades, no final da Asa Norte.
O secretário de mobilidade respondeu que foi criado grupo no governo para tratar do estacionamento rotativo e comentou que deve surgir uma proposta, apesar da resistência já esperada. Sobre a redução de velocidade não apresentou nenhuma proposta concreta. Informou que a Semob tem dialogado com outros órgãos e participou de evento recentemente na PM-DF. Ou seja, haveria um esforço da Secretaria para avançar nas áreas de educação e fiscalização de trânsito. Quanto às obras no norte do DF, disse que o traçado do projeto foi alterado para acomodar os ciclistas.
Cansaço no ativismo
Percebe-se a continuidade do modelo rodoviarista, com mudança na roupagem que busca convencer de que uma revolução na mobilidade está por vir. No caso do governo atual, surgiu um mapa ambicioso, com BRTs, terminais de ônibus e VLTs integrados e espalhados pelo DF.
Mas constatei uma mudança no evento: a baixa presença dos que acompanham com senso crítico as propostas governamentais. Em outros tempos, nos eventos sobre mobilidade urbana sempre aparecia um público cativo que reivindicava melhorias. Faixas com questionamentos e mesmo cruzes para simbolizar o massacre nas vias eram vistas.
Faixa de protesto em evento realizado no Museu da República (Março/2010) |
Faixas para ressaltar a mobilidade por bicicleta em evento para debater Brasília (Abril/2010) |
Desta vez, não apareceu qualquer faixa. E houve poucos comentários críticos ao final. Teria sido o ativismo na mobilidade vencido pelo cansaço? Após tanta falácia governamental, tantas promessas não cumpridas, teriam os ativistas de outrora jogado a toalha?
Depois de seguidos governos, com tantas siglas e denominações de “programas revolucionários” (Brasília Integrada, Pedala DF, Linha Verde e Circula Brasília), sem melhorias perceptíveis, como reparo de calçadas e programa de redução da velocidade, é compreensível o desânimo de quem acompanha o tema. Mas não se pode esquecer o ditado que afirma a semelhança entre o governo e a panela de pressão. Ambos só funcionam na base da pressão.
Em menos de dois anos do atual governo, já temos o terceiro secretário de mobilidade. E nenhuma melhoria concreta na mobilidade foi percebida. Pelo contrário, o número de mortes no trânsito voltou a crescer (em média, 32 pessoas são mortas por mês nas vias do DF); obras de novos túneis e viadutos foram retomadas; e não se realizam sequer melhorias simples e baratas, como reforma de calçadas e reforço na sinalização voltada a pedestres e ciclistas.