Brasilia Para Pessoas

30
outubro
Publicado por Brasília no dia 30 de outubro de 2023

Texto e fotos: Uirá Lourenço

No domingo fiz um caminho fora da rotina. Fui até o parque da Água Mineral para percorrer uma trilha com amigos no rolê inaugural da Bee Bike (iniciativa que pretende levar brasilienses e turistas para vivenciar trilhas na cidade). No trajeto da Asa Norte até o parque constato o potencial desperdiçado.

O relevo plano e a distância curta favorecem o uso da bicicleta, mas o ambiente é hostil para pedestres e ciclistas. A ciclovia da W5 Norte termina de repente. No Setor Terminal Norte o jeito é seguir pelo barro e aguentar o sacolejo. Melhor do que disputar espaço com os carros.

Um pouco adiante fica o bairro Noroeste. Parece que há pistas sobrando (sem uso) para os motoristas. Aos sem-carro a situação piora ao seguir no sentido da EPIA (Estrada Parque Indústria e Abastecimento). Os únicos ciclistas que vi (dois) tinham o mesmo perfil: homem de porte atlético. E é recomendado físico de atleta para encarar o ambiente hostil e árido.

Ciclistas na região entre o final da Asa Norte e o Noroeste.

Fico imaginando se há moradores do Noroeste que saem a pé ou de bicicleta para frequentar a Água Mineral. A distância é perfeitamente caminhável e pedalável (cerca de 800 metros da quadra 311 até a entrada do parque). Tão perto, tão longe! Falta infraestrutura mínima – calçada e ciclovia – e sobra espaço – pistas e canteiros. A despeito da necessidade de infraestrutura para quem se desloca sem carro, o que se vê são mais obras voltadas para os motoristas. Os canteiros entre o Noroeste e a EPIA já foram devastados e mais pistas devem surgir em breve.

Canteiro rasgado próximo à EPIA: mais pistas em breve.

Enquanto pedalo na beira da pista, um motorista buzina de forma agressiva. Estaria ele incomodado ao me ver num veículo tão singelo e silencioso?! Chego à EPIA e surge mais um desafio: a travessia. Com carros e caminhões em alta velocidade (limite de 80 km/h) todo cuidado é pouco. Avisto uma passarela amarela meio longe e lembro que ainda deve estar em obras (após mais de 6 décadas da fundação da cidade, enfim um local de travessia por ali!). Espero uma brecha entre os velozes e furiosos e disparo com a bike.

Depois de fazer a trilha no parque e me refrescar na piscina, encarei o caminho de volta. Resolvi mudar o trajeto, segui pela EPIA. No início da tarde o calor estava grande. A ciclovia e as árvores fizeram muita falta. Estava bem equipado com um chapeuzão e camisa de manga longa com proteção contra o sol. Não encontrei outros ciclistas, apenas uma mulher andando na beira da pista.

Ambiente hostil e árido aos sem-carro.

Atravessei a EPIA com cuidado e acessei a via que passa pelo Setor Militar Urbano. Novamente zero de infraestrutura para seres desprovidos de motor. Felizmente o fluxo de carros estava pequeno por ser domingo.

Na parte que margeia o Noroeste observo como o espaço viário é bem favorável ao carro. Com os prédios novos ao fundo, o singelo ponto de ônibus se destaca. Os futuros moradores do ‘bairro ecológico’ usarão o sistema de transporte?

Bairro Noroeste (próximo ao autódromo): ponto de ônibus singelo e amplo sistema viário.

Continuo a jornada e agora passo pelo autódromo, em obras. As paredes externas estão sendo pintadas. A prometida ciclovia entre a W5 e o Eixo Monumental, que passaria próximo ao autódromo e chegaria até o Palácio do Buriti, continua no papel.

Enfim alcanço a ciclovia arborizada da W5 Norte. Com o sol ainda forte, o alívio foi grande de pedalar em caminho sombreado. Com tanto espaço livre e com tantos recursos gastos em túneis e viadutos, a capital federal desperdiça o potencial de avançar em mobilidade. Pedalar ainda será por um bom tempo um ato de coragem e resistência contra o rodoviarismo sufocante. 



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Uirá Uirá Lourenço
Morador de Brasília, servidor público, ambientalista e admirador da natureza, Uirá é um batalhador incansável pela melhoria das condições de mobilidade na capital federal. Usa a bicicleta no dia a dia há mais de 25 anos e, por opção, não tem carro. A família toda pedala, caminha e usa transporte coletivo. Tem como paixão e hobby a análise da mobilidade urbana, com foco nos modos saudáveis e coletivos de transporte. Com duas câmeras e o olhar sempre atento, registra a mobilidade em Brasília e nas cidades por onde passa, no Brasil e em outros países. O acervo de imagens (fotos e vídeos), os artigos e estudos produzidos são divulgados e compartilhados com gestores públicos e técnicos, na busca de um modelo mais humano e saudável de cidade. É voluntário da rede Bike Anjo, colaborador do Mobilize e membro da Rede Urbanidade.
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