Uirá Lourenço, com colaboração especial de Rosana Baioco
Para iniciar o texto, fica a pergunta: o que fazer para melhorar o trânsito, para aliviar o estresse e o tempo perdido nos congestionamentos diários? Uma audiência pública realizada no final de junho se propôs a debater melhorias no trânsito do Sudoeste de Brasília.
Uma proposta antiga ressurge a cada novo governo: a construção de viaduto na EPIG (Estrada Parque Indústrias Gráficas) para escoar a grande frota motorizada do Sudoeste por dentro do Parque da Cidade. Mais algumas perguntas para refletir: será que os problemas de mobilidade se resolvem com mais túneis e viadutos? O que fazem as cidades que são referências em mobilidade?
Neste texto fazemos uma análise da (i)mobilidade na EPIG e nos bairros em volta. A Rosana, que já colaborou em texto sobre as benesses automotivas, participou da audiência pública e traz sua percepção sobre os rumos da mobilidade no Sudoeste e Octogonal.
– EPIG: prioridade ao fluxo automotivo
Apesar das leis avançadas, são grandes os desafios para caminhar, pedalar e pegar ônibus na EPIG. A Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei Federal n° 12.587/2012) prioriza os modos coletivos e ativos (não motorizados) de transporte. O Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei Federal n° 13.146/2015) assegura o direito à mobilidade da pessoa com deficiência e prevê a identificação e eliminação dos obstáculos ao acesso. O Plano Diretor de Transporte Urbano e Mobilidade do DF (Lei Distrital n° 4.566/2011) tem entre os objetivos reduzir a participação do transporte individual motorizado, priorizar o uso do transporte coletivo e estimular os meios de transporte não motorizados.
As calçadas, quando existem, estão em péssimo estado. Rampas de acesso e piso tátil são artigos de luxo. Com exceção das calçadas próximas à Câmara Legislativa (CLDF) e ao Tribunal de Justiça (TJDFT), o caminho é extremamente difícil para quem caminha. Os pontos de travessia são escassos e, em frente à Polícia Civil, o tempo de espera para os pedestres é de 11 minutos (vídeo mostra a longa espera)!
No fim de tarde os pontos de ônibus lotados indicam que algo não vai bem. Nos dias de chuva, as pessoas se espremem nos abrigos para não se encharcarem. A linha de ônibus executivo que fazia o trajeto entre o Sudoeste e a Esplanada dos Ministérios durou cerca de dois anos e foi extinta. Conforme documento do DFTrans em resposta à solicitação de informação, a linha executiva “foi desativada em 2015 por falta de demanda”.
A ciclovia ao longo da EPIG acaba de forma repentina e não se conecta com o Eixo Monumental nem com a EPTG (Estrada Parque Taguatinga). A continuidade da ciclovia poderia incentivar mais pessoas a usarem a bicicleta como meio de transporte.
Após saber da possível retomada do projeto de viaduto na EPIG, no governo Rollemberg, passei por toda a extensão da via para observar e registrar as condições de acessibilidade e mobilidade, que resultou num levantamento detalhado, com imagens. Em março de 2018, o trabalho (I)Mobilidade na EPIG foi enviado ao Governo do Distrito Federal na esperança de sensibilizar os gestores públicos. O levantamento foi publicado no portal Mobilize Brasil (clique para acessar) e possui, além do diagnóstico detalhado, sugestões com base na tendência moderna de cidades humanizadas. Entre as propostas, estão: criação de praças e pontos de convivência; reforma e conexão de calçadas; linhas de ônibus executivo e VLT; melhorias nos pontos de travessia.
Em abril deste ano, após percorrer novamente toda a EPIG, fiz nova solicitação de providências na ouvidoria do GDF (seção do blog reúne as solicitações de informações e providências), com fotos que revelam a triste realidade.
– Reflexões sobre mobilidade: Sudoeste e Octogonal
Em junho passado aconteceu audiência pública no Sudoeste para tratar do tema “Melhorias no trânsito”. Após considerações iniciais sobre estatísticas e “acidentes” de trânsito, assistimos a uma apresentação com propostas de modificações viárias para melhor “fluidez”, como a transformarão de vias de mão dupla em mão única, novo acesso ao Parque da Cidade através do Setor de Indústrias Gráficas (SIG) e restrição da fileira central de estacionamento nas comerciais.
O primeiro equívoco na abordagem do problema: o evento referiu-se somente ao tráfego de carros particulares. Pedestres, ciclistas e transporte coletivo não foram tratados como parte do contexto, como determina o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), que define o que é trânsito (art. 1, §1°) e o que é veículo, com longo rol de tipos de veículos (art. 96).
As propostas, todas no sentido de ordenar a circulação de carros particulares e até mesmo abertura de novas vias para “melhorar a circulação”, centradas no Sudoeste, sem sequer mencionar a Octogonal, não abordaram o epicentro da questão: o excesso de carros nas vias e o alto limite de velocidade. O que temos em nossa região: muitos carros; calçadas estreitas irregularmente ocupadas, ou inexistentes; excesso de velocidade, poucas faixas travessia de pedestres; estacionamento irregular.
O limite de velocidade máxima é de 60 km/h. Em uma região com muitas residências, comércio, escolas e pessoas circulando a pé, é um limite absurdamente alto. A Organização Mundial de Saúde (OMS), para mencionar apenas uma entidade, já concluiu que em vias urbanas a velocidade máxima deve ser de até 50 km/h e em vias residenciais deve ser de 30 km/h, limites esses já aplicados em cidades como Paris, Londres e outros grandes centros urbanos pelo mundo.
As calçadas do bairro, que tem um dos metros quadrados mais caros do DF, são estreitas, bloqueadas por lixeiras, postes de iluminação e placas de sinalização de propaganda “estrategicamente” posicionadas bem no meio do passeio. Muitas estão tomadas por rachaduras e mato.
As ciclovias, construídas sem qualquer consulta sobre o local adequado, foram mal planejadas e executadas e, dada a carência de calçadas, são compartilhadas também por pedestres. Outra característica é a descontinuidade, frequentemente sofrendo interrupções abruptas.
|
|
As paradas de ônibus da Primeira Avenida do Sudoeste são espremidas sobre calçados estreitas, sem rampas de acesso. Não há circulação de coletivos nas demais avenidas do Sudoeste, o que prejudica a mobilidade dos moradores das quadras mais distantes. Em relação à Octogonal, além da falta de acessibilidade, as poucas linhas têm frequência muito espaçada de viagens.
Os estacionamentos nas comerciais da Primeira Avenida (Sudoeste) estão sempre abarrotados de carros, impedindo não somente a visualização das fachadas dos pontos comerciais como a chegada de viaturas de socorro, em caso de emergência. As rampas estão frequentemente bloqueadas por motoristas, inclusive nas faixas de pedestres. Além disso, esses estacionamentos estão tomados por contêineres de lixo.
Ainda assim existe a crença de que o comércio seria prejudicado caso houvesse a redução do número de “vagas” na fileira central do estacionamento. Para atravessar essas áreas de estacionamento não há qualquer prioridade ou adequação para o pedestre/cliente.
Quando um bairro ou cidade conta com a circulação de pessoas a pé e em outros meios de transporte ativo, e quando as vias são acalmadas, a segurança urbana é favorecida pelos “olhos da rua”, conceito cunhado pela urbanista Jane Jacobs que segue uma lógica simples: quanto mais pessoas nas ruas, mais seguras elas se tornam. Os “olhos da rua” são as pessoas – a vigilância informal que exercem, voluntária ou involuntariamente, quando ocupam o ambiente urbano. Para que as pessoas transitem nas ruas e ocupem os espaços públicos, porém, o espaço urbano precisa ser convidativo e não um local de passagem sem atrativo, acessibilidade ou identidade.
Fica a reflexão: quando se prioriza a mobilidade ativa, caminhando ou pedalando:
– Avançar ou retroceder?
Cidades modernas, especialmente capitais europeias como Amsterdã e Paris, têm investido no transporte coletivo e em alternativas saudáveis ao automóvel. Baixo limite de velocidade, restrição aos carros na área central, ciclovias e transporte integrado com ônibus, metrô, VLT, bicicletas e patinetes fazem parte das medidas para incentivar a mobilidade e a saúde da população.
Jan Gehl, arquiteto dinamarquês com vasta experiência em cidades humanizadas, comenta sobre cidades saudáveis:
Um desejo de uma cidade saudável é intensificado se o caminhar ou o pedalar foram etapas naturais do padrão de atividades diárias.
Hoje, percebe-se um rápido crescimento dos problemas de saúde pública porque grandes segmentos da população, em vários lugares do mundo, tornaram-se sedentários, uma vez que os carros fazem todo o transporte porta a porta.
Um convite sincero para caminhar e pedalar, como fenômeno natural e integrado à rotina diária, deve ser um aspecto inegociável de uma política unificada de saúde.(Cidade Para Pessoas, p. 7)
Quando as autoridades vão pôr em prática as leis sobre mobilidade, com investimentos para tornar o transporte coletivo atrativo: ágil, confortável e com informações sobre linhas e horários? Calçadas acessíveis, travessias seguras e rede conectada de ciclovias trariam grandes benefícios.
A EPIG e os bairros Sudoeste e Octogonal poderiam servir de modelo e ter melhorias na mobilidade com medidas de humanização e incentivos ao transporte coletivo. Em vez de torrar milhões de reais em um viaduto para escoar a megafrota de carros, seria mais inteligente estruturar o sistema de transporte e promover melhorias aos pedestres e ciclistas. Por que não começar pela oferta de ônibus executivo aos moradores e por obras para dar continuidade à ciclovia?
Veja mais:
– Álbum: fotos da EPIG e dos bairros Sudoeste e Octogonal
– Vídeos: pedestres na EPIG
Missão Impossível: Travessia na EPIG [Parte 1]
Missão Impossível: Travessia na EPIG [Parte 2]
– Estudo: (I)Mobilidade na EPIG
Diagnóstico com imagens e propostas de humanização