Muito à vontade a bordo da sua incrementada cadeira de rodas motorizada, o criador e diretor do Mobilize Ricky Ribeiro conta como foi realizar o sonho de passear uma tarde toda, um domingo de sol pela Avenida Paulista aberta, ao lado de uma comitiva de amigos. Diagnosticado com Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), Ricky é exemplo de força de vontade, e prova de que a cidade é de todos, desde que se vá à luta. Confira o relato:
“Pouco tempo depois que a cadeira de rodas motorizada chegou, minha namorada Cristy me perguntou onde eu gostaria de ir em meu primeiro passeio mais longe, fora do condomínio. De cara, sem titubear, respondi que seria a Avenida Paulista num domingo. Afinal, a Paulista aberta à população, livre dos carros, foi uma luta minha e do Mobilize, além de outras organizações. Lembro que na primeira vez que conversamos sobre isso, parecia um sonho muito distante. Na época, o coletivo Minha Sampa encampou fortemente a ideia, assim como a Leticia do SampaPé, blogueira do Mobilize. Nós também fizemos algumas matérias abordando a proposta, inspirada nas iniciativas bem-sucedidas de outras cidades brasileiras, como Rio de Janeiro e Brasília, e em ações recentemente implantadas na cidade de Nova York.
A primeira vez que a Paulista foi aberta às pessoas, em junho de 2015, aconteceu junto com a inauguração da ciclovia na avenida. Eu consegui acompanhar à distância por transmissão online feita por um amigo. Desde então estava louco de vontade de conhecer. Então, quando chegou a cadeira motorizada, comecei a sonhar com aquele dia, prevendo que agora seria possível realizar meu desejo. No entanto, no primeiro passeio com a van adaptada, achei melhor ir a algum lugar mais perto de casa para sentir como seria minha adaptação. Fomos ao Parque Municipal de Barueri e ao cinema. Depois, surgiu a oportunidade de assistir a um jogo na Arena Corinthians. Agora, em minha terceira saída, a Paulista foi o destino.
No dia, meu pai acordou bem cedo e fez questão de me acompanhar. E a presença dele trouxe tranquilidade, por ser médico, dominar como ninguém o controle da cadeira Permobil e ficar atento a muitos detalhes. Além dele, foram comigo na van Cristy, a pequena Nicole, Leiliane, Maxi, Marcelo e o motorista Paulo Roberto. Chegamos no Conjunto Nacional às 14 horas, local e horário que havia combinado com amigos e parentes. Aos poucos muitos outros conhecidos foram chegando e nos encontrando em frente ao parklet da Rua Padre João Manoel. Até minha vó veio, com a cuidadora. Os amigos foram se agrupando e, afinal, saímos em 28 pessoas pela avenida mais famosa da cidade. Mais adiante, em questão de meia hora fui abordado por três pessoas diferentes, um primo distante que não via há quinze anos, uma amiga de uma amiga, e uma mulher que tinha um parente com ELA.
Com o pai no comando da cadeira motorizada, Ricky percorre a Av. Paulista. Foto: Cristy
Eu me lembrei de Barcelona, quando costumava sair com grandes turmas caminhando pela cidade e sempre encontrava conhecidos ao longo do percurso. As semelhanças com a capital da Catalunha não paravam por aí. Foi emocionante vivenciar, em São Paulo, pessoas de todos os tipos e classes ocupando os espaços públicos e convivendo em uma atmosfera fantástica e muito agradável. Os artistas de rua eram uma atração à parte, com músicos variados, desde trio pernambucano de forró até índios peruanos tocando música andina, passando por samba, MPB e rock. Para completar, o dia estava lindo, sem uma única nuvem no céu.
Avenida acessível
Sem carros, a Paulista virou o paraíso da mobilidade ativa. Milhares de pessoas a pé, de bicicleta, skate, patins, e até cadeira de rodas, assim como eu. De fato, a acessibilidade é um ponto alto da avenida, com seu piso regular, calçadas largas, bem conservadas e com rampas para cadeira de rodas. Uma pena o resto da cidade não ser assim. Fiz questão de ir com minha cadeira motorizada na ciclovia que se tornou um símbolo de São Paulo, e fiquei feliz da vida ao ver minha sobrinha Nicole explorar tudo quanto é lugar com sua pequena bicicleta.
Ricky fez questão de tirar foto na ciclovia que sempre foi defendida pelo Mobilize. Foto: Cristy
Andamos lentamente, curtindo o momento por mais de três horas, até o final da avenida, e fizemos uma longa parada na Casa das Rosas. Ainda deu tempo de passarmos na Japan House antes de ligarmos para o motorista nos encontrar com a van adaptada. Antes de voltar para casa ainda passamos em frente à Festa de Nossa Senhora Achiropita, no Bixiga, mas não descemos, pois a bateria do meu ventilador mecânico Trilogy estava no fim e precisava seguir recarregando na tomada do veículo. Já tínhamos passado uma tarde perfeita e voltamos satisfeitos para casa. A festa fica para o ano seguinte. Estou pronto para a próxima aventura.”
Leia também:
Ricky Ribeiro falará sobre a integração da bicicleta com outros modos
A partir do dia 18 avenida Paulista será aberta às pessoas todos os domingos
30 documentários sobre mobilidade urbana
Ricky Ribeiro (nosso chefe) volta ao batente