Hora do rush poderia ser distribuída de forma que passaria a não existir. Foto: jeshoots.com/wikicommons
Não há dúvidas de que os grandes centros urbanos precisam de ideias novas e, principalmente, corajosas para enfrentar os desafios de um crescimento tão acelerado. Mas e se um futuro melhor para as cidades estiver atrelado a algumas mudanças de horários?
Em tempos em que muito se fala em veículos elétricos, sem motoristas, viagens compartilhadas e sob demanda, seis times de estudantes da Parsons School of Design de Nova York aceitaram o desafio proposto pela Companhia Ford Motor de imaginar novas formas de promover mobilidade sem, no entanto, colocar mais automóveis nas ruas. O projeto Mobility Speculations propôs aos alunos que “sonhassem mais além” e se perguntassem: “Mobilidade é mais do que transporte?”.
“Tentamos fazer com que nossos estudantes identificassem alguns elementos-chave que existem no mundo e que nos impedem de evoluir, coisas que podem ser vistas como obstáculos, e fazer com que eles pensassem o que aconteceria se essas barreiras não existissem”, afirmou Elliot Montgomery, um dos professores da Mobility Speculations.
Uma das ideias destacadas por Montgomery diz respeito ao horário de pico das cidades. A Interzone é uma criação que propõe eliminar a hora do rush através da instituição de três diferentes zonas horárias em Nova York. A Interzone 2 (IZ2) seria o horário padrão da costa leste dos Estados Unidos (EST), a Interzone 1 seria duas horas antes da IZ2 e a Interzone 3 (IZ3), duas horas depois da IZ2.
O grande trunfo dessa proposta é que os horários de trabalho poderiam permanecer os mesmos para todos, mas automaticamente se escalonariam para mitigar o congestionamento. “Apesar de esforços como carros compartilhados e acréscimos no transporte público, a rotina dita que as pessoas se locomovam em horários similares durante o dia. Em vez de empregar as tradicionais medidas de mitigação de trânsito, esse projeto inverte a maneira que pensamos sobre planejamento”, afirma o estudo.
Nesse cenário, as pessoas poderiam escolher em qual zona viver, dependendo das escalas de trabalho ou das preferências pessoais. Para organizar a vida dos nova-iorquinos, a cidade criaria o chamado “Departamento do Tempo”, que gerenciaria a iniciativa, oferecendo consultas para ajudar as pessoas a escolher suas zonas e a lidar com possíveis dificuldades logísticas. A ideia parece difícil de ser colocada em prática, mas o professor destaca a importância de imaginar algo dessa magnitude: “Ao propor a ideia, nos desconectamos do tradicional modo de entendimento de como o mundo funciona, e uma nova forma de enxergar as possibilidades é introduzida”.
Horários flexíveis
Ainda que muitas pessoas estejam acostumadas a mudanças de fuso-horário, implementar o projeto das Interzones não soa como uma ideia realmente praticável. Ao fazer uma leitura mais atenta da proposta, no entanto, é possível perceber que o que ela sugere não é nada além de uma readequação na rotina de horários de trabalho – motivo principal para os congestionamentos dos horários de pico. Em países em desenvolvimento, 80% das viagens na “hora do rush” são realizadas com fins de trabalho e estudo.
Para reverter esse cenário, introduzir políticas de Gestão da Demanda de Viagens (GDV, do inglês Transport Demand Management, TDM) na cultura das instituições pode ser parte da solução para a eficiência do sistema de transporte das cidades. Uma das estratégias possíveis de GDV pode ser justamente a mudança de horários, a partir da flexibilização dos turnos de trabalho das empresas. Uma organização de grande porte, com muitos funcionários, ao adotar uma mudança desse tipo, pode impactar significativa e positivamente o trânsito da região onde estiver inserida. Além de beneficiar a cidade em que está sediada, a companhia pode também ganhar com esse tipo de medida. Uma pesquisa recente listou as empresas mais atraentes para se trabalhar no mundo – e os horários flexíveis foram um dos principais benefícios destacados.
Um estudo realizado pela companhia de comunicação móvel Vodafone comprovou essa premissa e foi além: descobriu que 75% das empresas que introduziram políticas de trabalho flexível e uso da tecnologia – que permite aos funcionários trabalhar remotamente – aumentaram seus lucros. Segundo a Vodafone, que entrevistou 8 mil profissionais em 10 países, foi “surpreendente” o número de entrevistados que afirmou ter melhorado o desempenho devido às horas flexíveis. No total, 83% afirmaram que a produtividade cresceu, 61% disseram que os lucros aumentaram e 53% responderam que as políticas tinham melhorado a reputação da organização.
Empresas podem fazer muito mais por seus funcionários. A publicação Passo a Passo para a Construção e um Plano de Mobilidade Corporativa, desenvolvida pelo WRI Brasil Cidades Sustentáveis, orienta empresas e organizações na implementação de ações de Gestão de Demanda de Viagens. Por meio de estratégias coordenadas e conjuntas entre funcionários e gestores, é possível aumentar a produtividade da empresa, melhorar a qualidade dos funcionários e, ainda, contribuir para a mobilidade nas cidades. Muito além de esperarmos por ideias extravagantes que resolvam todos os problemas ou contarmos com a evolução da tecnologia, as transformações podem começar com mudanças simples. A vida moderna pede por medidas também modernas, que venham ao encontro das necessidades contemporâneas tanto em relação aos deslocamentos e à mobilidade quanto à qualidade de vida. A geração que hoje chega ao mercado busca mais do que um trabalho: quer um ambiente que transforme ainda mais sua experiência de trabalhar, que contribua para que ela seja inclusiva, igualitária e, também, flexível.
Leia também:
Três cidades brasileiras dão exemplo de priorização aos pedestres
Dos bondes ao VLT, segurança depende de educação e respeito às regras
Sua cidade é caminhável? Teste aqui!