Dos bondes ao VLT, segurança depende de educação e respeito às regras

Em artigo, Henrique Koifmann, de O Globo, aborda o recente acidente entre um VLT e um ônibus para lembrar alguns aspectos do funcionamento dos bondes. Modernos e antigos

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Fonte: O Globo  |  Autor: Henrique Koifmann  |  Postado em: 02 de agosto de 2016


"Veja, ilustre cidadão, o veículo modernão que passa silenciosamente no outro quarteirão. No entanto, ainda que seja difícil de crer, ele já rodou por aqui muito antes de você nascer; foi morto para agora renascer, por mais estranho que possa parecer."


Tá bom, tá bom, minha trovinha não chega aos pés da que anunciava o Rum Creosotado* dentro do bonde lotado que fazia a volta no Tabuleiro da Baiana (terminal que ficava onde hoje está o Edifício Avenida Central). Desculpem, não resisti à tentação de relembrar algo que, como a imensa maioria, só conheci de relatos, filmes e escritos. Mas o fato é que o bonde está muito ligado à história do Rio, desde quando, puxado por burros, começou a ligar os bairros na segunda metade do século XIX – a primeira linha foi inaugurada aqui em 1859, quando apenas a França contava com esse tipo de transporte, então moderníssimo. Dessa época, até o início de sua extinção nos anos 1950, era difícil pensar no Rio sem lembrar deles. As últimas linhas foram extintas em 1964 - com exceção das duas que sobreviveram no bairro de Santa Teresa.
 

Bonde no Rio de Janeiro, anos 1930Foto: bondesrio.com

 

Não vou me alongar com essa história aqui. Quem quiser saber mais sobre a saga dos bondes cariocas, recomendo que visite o incrível site www.bondesrio.com/. O motivo deste post é mais específico: a difícil convivência entre pedestres, bondes, carros e ônibus. Aliás, não por acaso, há poucos dias registramos o primeiro acidente entre um ônibus – que, pelo que apurei, furou um sinal fechado – e um VLT (na foto abaixo), exemplificando de forma prática e dramática o que abordo aqui.
 

Acidente com um VLT no Centro do Rio

Diferentemente dos pedestres, carros e ônibus (e bicicletas, caminhões, motos...), os bondes só podem circular presos sobre seus trilhos. Sei que isso soa mais óbvio que água molhada, mas esse pequeno detalhe é o que torna, ao mesmo tempo, esse tipo de veículo tão seguro e tão limitado em termos de trânsito. Para que ele seja viável (e seguro), é preciso que tenha total prioridade de circulação. Ou seja, em seus trilhos, ele deve ser o rei e senhor absoluto, tendo, por exemplo, preferência em cruzamentos, que devem estar sempre desempedidos para ele quando a sinalização assim o indicar.

 

VLT ou bonde em Gotemburgo, Suécia
 

Cruzamentos desempedidos? É, você tem toda razão, isso é algo que soa como um poema em grego arcaico para muitos motoristas cariocas, especialmente os de ônibus na hora do rush. E explica o que provavelmente aconteceu nesse primeiro acidente da semana passada. Falo um pouco sobre isso neste vídeo que o mestre Elcio Braga gravou comigo aqui para o (jornal) O Globo.

VLT em Strasburgo, França
 

Assim como os ônibus e os carros, os pedestres também precisam respeitar o espaço do bonde e, principalmente, aprender a conviver com ele – algo que, como comento no vídeo, na cidade francesa de Strasburgo parece ter sido bem assimilado, veja acima. Até porque, em caso de desrespeito, o prejuízo por ser tragicamente maior do que simples atrasos ou latarias danificadas. Na primeira metade do século passado, quando os carros sobre trilhos ligavam praticamente todos os bairros da cidade, acidentes faziam uma triste parte da rotina. Tanto gente que se descuidava com o caminho e entrava na frente das máquinas, quanto aqueles que corriam para subir nelas em movimento, saltar delas ou mesmo quem viajava nos estribos (pequenas plataformas externas em forma de degraus, nas laterais) corriam risco de vida e, muitas vezes, chegavam a perdê-la em um movimento mal feito.

Bonde "Mata-Paulista" trafegando pela contramão no túnel entre Botafogo e Copacabana

Por último, uma história tão curiosa quanto verdadeira sobre os bondes cariocas (veja na foto acima). No final dos anos 1940, quando os túneis que ligam Botafogo a Copacabana (Pasmado e Novo) foram alargados e inaugurados, a linha do bonde que ligava os dois bairros passou a funcionar na contramãodos carros, atravessando as galerias – a transposição dos trilhos só foi feita meses depois. Por conta dos inúmeros acidentes, muitos deles envolvendo forasteiros que não conheciam esse sistema "peculiar" de tráfego, o bonde naquele local ganhou o apelido de "mata-paulista". Naqueles tempos politicamente incorretos, perdia-se a amizade do vizinho, mas não a piada.

 

(*) Eis o anúncio original do Rhum Creosotado, veiculado nos bondes a partir de 1918.
O "reclame" é uma criação do publicitário e poeta Bastos Tigre.

 

Anúncio do Rhum Creosotado

"Veja, ilustre passageiro, o belo tipo faceiro que o senhor tem a seu lado.
E, no entanto, acredite, quase morreu de bronquite.
Salvou-o o Rhum Creosotado!"

 

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