Maior parte da antiga linha férrea é hoje um caminho verde na cidade. Foto: Antoine Beauvillain/Flickr-CC
Espaço é um elemento valioso em qualquer cidade grande. No entanto, Paris tem hoje uma faixa de 32 km de terreno não construído que se estende por alguns dos bairros mais populares da capital francesa. O valor desse espaço é tão valioso que o governo abriu uma consulta envolvendo os cidadãos para decidir o que será feito com ele.
Paris, uma metrópole densamente povoada, com uso do ambiente público há anos já determinado, pode estar prestes a se reinventar ao conservar um espaço para a cidade “respirar”. A chamada Petite Ceinture (“Pequeno Cinturão”) é uma ferrovia construída no século 19 em torno do que então era a fronteira de Paris. A maior parte da linha férrea foi desativada em 1934, ao ver sua utilidade ofuscada pelo sistema de metrô, porém o trânsito de mercadorias permaneceu até 1990.
Regras atuais determinam que acréscimos à linha só podem ser temporários no caso da mesma voltar a ser utilizada no futuro para transporte. No entanto, a maior parte da linha nada mais é do que um caminho verde cortando a cidade. Espaço que pode ser determinante para a futura saúde da capital e uma chance única de devolver um espaço para as pessoas.
A oportunidade é semelhante à da famosa High Line de Nova York. A ex-linha férrea elevada a mais de 10 metros do solo também foi usada por 40 anos para transporte de carga, mas caiu em desuso após o surgimento de outras formas de transporte. Sua destruição foi impedida em 1999 por dois moradores que criaram a associação Amigos do High Line – responsável por arrecadar 44 milhões de dólares para a reforma. Em 2002, o Prefeito Michael Bloomberg prometeu a revitalização do espaço, com o projeto de transformá-lo em um parque suspenso.
Após muitas discussões públicas, arrecadação de verbas e concursos públicos para escolher o projeto do empreendimento a ser executado, o primeiro trecho foi inaugurado em 2009, ciclo que terminou apenas em 2014. Ao mesmo tempo em que hoje a High Line encanta aos olhos e permite um lugar privilegiado de passeio para nova-iorquinos e turistas, o parque também deu início a um processo de gentrificação. O sucesso do projeto catalisou uma valorização sem precedentes do entorno, fator que expulsou muitos moradores originais do bairro que não podiam mais arcar com os custos habitacionais.
O processo que se desenrola em Paris pode parecer semelhante. Recentemente, foi lançada uma consulta pública para que a população possa opinar no que deve ser transformada a Petite Ceinture. A consulta está apenas no início e será, aos poucos, liberada para a sociedade civil. No entanto, a cidade já reabriu uma antiga estação da linha, a Eastern Paris’s Villa de Bel-Air, como espaço para discussão e debates sobre o futuro do local. Até 2017, outras nove estações serão abertas para centros de participação. As estações não apenas abrigarão discussões, mas também workshops de arte e de escrita onde a população será incentivada a desenvolver ideias criativas para implementar na linha de trem.
Foto: Palmryre Roigt/Flickr-CC
Na realidade, a linha já vem em um processo – tímido, mas que já gera muitos debates – de revitalização há anos. Em 1998, um residente vizinho da ferrovia, Denis Loubaton, fundou a associação Jardins du Ruisseau, que fez a limpeza da antiga estação Ornano da Petite Ceinture. Atualmente, o local acomoda o La Recyclerie, um bar e restaurante com grandes janelas com vista para os antigos trilhos e um enorme terraço verde na plataforma da estação. O estabelecimento também oferece workshops de sustentabilidade e reciclagem. Para as demais estações é esperada a construções de cinemas, aquários, entre outras possibilidades de entretenimento.
Além de envolver a população no desenvolvimento do projeto, o que pode impedir a Petite Ceinture de transformar-se em mais um caso de gentrificação, como na High Line, é justamente o posicionamento da administração de Paris. A prefeita Anne Hidalgo já lançou um plano radical para deter o processo de “enobrecimento” dos bairros centrais de Paris ao anunciar uma lista de 257 endereços em que a prefeitura terá o direito de decidir o preço dos imóveis. O plano obriga por lei que, quando os imóveis forem colocados à venda, os proprietários os ofereçam primeiro ao governo metropolitano. Dessa forma, a propriedade será vendida pelo preço de mercado, decidido pelo governo. O local não poderá ser vendido a um terceiro sem antes ser oferecido à prefeitura.
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