MP exigirá de São Paulo o uso de combustível limpo na frota de ônibus

Termo de Ajustamento de Conduta a ser assinado pelo Ministério Público e prefeitura criará um cronograma para uso de biocombustível no transporte público paulistano

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Fonte: Época  |  Autor: Ana Carolina Amaral*  |  Postado em: 27 de julho de 2016

 

Ônibus da ecofrota de São Paulo. Foto: Prefeitura de SP 

 

Um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) deve ser celebrado entre a prefeitura, o Ministério Público e os produtores de combustível renovável para estabelecer um cronograma de adoção de energia limpa nos ônibus de São Paulo. 

 

Fruto de inquérito civil instalado em dezembro pelo promotor Marcos Lúcio Barreto, o termo “só não saiu ainda porque o inquérito está colhendo subsídios para saber qual a capacidade dos fornecedores de suprir essa demanda”, contou por telefone Barreto, que comanda o caso pela Promotoria de Justiça de Meio Ambiente da capital. Ele estima que dentro dos próximos três meses todos os atores dessa cadeia produtiva sejam chamados para celebrar o termo. 

 

Entre as dezenas de irregularidades apontadas pelo Tribunal de Contas do Município (TCM) e pelo Ministério Público no processo de licitação da nova concessão de ônibus, que acaba de ser liberada pelo TCM após oito meses de suspensão, está a omissão sobre a obrigatoriedade do uso de combustível renovável em toda a frota municipal. 

 

A meta é prevista pela Política Municipal de Mudança do Clima (Lei 14.933/09). Em seu Artigo 50, a lei estabelece que “os programas, contratos e autorizações municipais de transportes públicos devem considerar redução progressiva do uso de combustíveis fósseis, ficando adotada a meta progressiva de redução de, pelo menos, 10% a cada ano, a partir de 2009, e a utilização, em 2018, de combustível renovável não fóssil por todos os ônibus do sistema de transporte público do município”.

 

Além de não prever a meta na nova concessão, que estabelece contratos de 1.500 linhas municipais para os próximos 20 anos, a prefeitura está longe de seguir a redução progressiva de combustíveis fósseis prevista em sua Política de Mudanças do Clima.

 

Em nota, a SPTrans afirma que “estão em operação 395 ônibus abastecidos com A10 (mistura de 10% de cana-de-açúcar adicionado ao diesel), 201 trólebus e 60 ônibus movidos a etanol. Também vêm sendo testados dois veículos 100% a bateria e mais dois ônibus híbridos (energia elétrica e diesel).” 

 

“Ecofrota”

O universo de combustível limpo não chega a 4% de uma frota municipal composta de 14.800 ônibus. E essa participação já foi maior: outros 1.200 ônibus utilizavam uma mistura de 7% de biodiesel adicionado ao diesel comum, o chamado B7. No início do programa, em 2011, a mistura era com 20% de biodiesel (B20). Hoje ela chega a zero em parte dos ônibus que levam o adesivo “Ecofrota”, mas rodam com diesel comum.

 

Há duas semanas, o Conselho de Autorregulamentação Publicitária (Conar) recomendou que a prefeitura retirasse os adesivos das laterais dos ônibus, após uma denúncia encaminhada pelo vereador Gilberto Natalini (PV).

 

Condições para mudar a história

“Dificilmente conseguiremos até 2018”, afirma o promotor, referindo-se ao prazo estabelecido pela lei para que 100% da frota municipal rode com combustível limpo. Na balança, pesam dois fatores: o custo mais alto das energias renováveis e a capacidade de oferta dos fornecedores.

 

Segundo a Associação dos Produtores de Biodiesel (Aprobio), o volume do biodiesel disponível hoje já é superior ao consumo do sistema SPTrans. Conforme os dados da associação, 20% do que foi ofertado nos leilões públicos entre 2015 e 2016 não foi arrematado. Apesar da disponibilidade de biodiesel, o promotor Marcos Lúcio Barreto busca o melhor arranjo entre fontes para que, além do biodiesel, elas incluam o etanol e a energia elétrica. “Estrategicamente, não seria conveniente que a frota paulistana ficasse refém de uma única matriz energética”, alega o promotor.

 

Ainda que diversificada, uma matriz mais limpa terá considerável impacto no orçamento de transportes. Conforme dados da EMTU e ANTP, enquanto o uso do diesel custa cerca de R$ 29 mil por mês para cada veículo, o etanol vai a R$ 36 mil e o veículo elétrico chega a custar R$ 44 mil. Mesmo o biodiesel B100, que fica em R$ 32 mil, teria um impacto de 13,4% nas contas de combustível da SPTrans, segundo as contas da Aprobio. Nesse cálculo, a associação também admite que o uso do B100 pode elevar o consumo de combustível do motor.

 

“Por conta da substituição, o que vai ocorrer é uma elevação do custo da tarifa do transporte, que, para não onerar o usuário, será da prefeitura, por meio do aumento do subsídio ao transporte. Vamos ter de saber da Secretaria de Finanças e do município qual a possibilidade de a prefeitura arcar com esse valor”, define o promotor. O impacto nas finanças não viria à toa: ele pode evitar mortes. Isso porque, além de causarem as mudanças climáticas, os gases emitidos pela queima de combustíveis fósseis também são os vilões da saúde pública nas metrópoles. Suas partículas finas estão associadas com mortalidade precoce por doenças cardiovasculares, respiratórias e câncer de pulmão.

 

Evitar mortes

Em 2015, o professor da Faculdade de Medicina da USP Paulo Saldiva coordenou uma projeção das mortes que seriam evitadas em seis metrópoles brasileiras pela adoção parcial de biodiesel na mistura do diesel, entre 2015 e 2020. Apenas em São Paulo, hoje com 56.550 mortes anuais relacionadas à poluição, seria possível evitar 1.200 mortes com uso do biodiesel B7, obrigatório em todo o país desde 2014. Caso tivéssemos adotado o B20 no último ano, as mortes evitadas poderiam chegar a 7.319 em 2020. 

 

O número de internações também cairia: com 20% de biodiesel na mistura, em cinco anos teríamos menos 45.021 internações (incluindo hospitais públicos e privados). Ao evitar mortes e internações, o estudo afirma que São Paulo economizaria mais de R$ 1,5 bilhão no orçamento da Saúde. Enquanto a prefeitura adia uma lição de casa impopular, porque aumenta o custo do transporte público, o preço do combustível sujo é dividido entre todos que o respiram.

 

*Ana Carolina é jornalista, mestra em ciências holísticas pelo Schumacher College e secretária executiva da Rede Brasileira de Jornalismo Ambiental.

 

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