“O mais irônico é que trabalho na estação e não tenho ônibus”. Carla Sampaio, agente de estação. Foto: Moisés Silva
Na última quarta-feira, Carla Cristina Sampaio de Oliveira perdeu o emprego. Ela, que passou os últimos 16 meses trabalhando das 19h às 7h, em esquema de 12 horas trabalhadas por 36 horas de folga, não conseguiu se encaixar no novo sistema de turnos diários da empresa. Para trabalhar de manhã, ela teria que chegar às 5h, mas o ônibus que passa em seu bairro só começa a rodar às 5h15. No turno da tarde/noite, a saída seria à meia-noite, mas ônibus só circula até as 23h30. Um detalhe irônico: ela trabalha numa estação do Move, o BRT de Belo Horizonte.
A história de Carla é uma das que ajudam a compor o quadro de perdas causadas pela precariedade da mobilidade urbana no Brasil. Estudo da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) aponta que, todo ano, os congestionamentos, as vias malplanejadas e a precariedade do transporte público tiram da economia brasileira R$ 111 bilhões, chamados pelos pesquisadores de “produção sacrificada”. O valor equivale a 4,4% do Produto Interno Bruto (PIB). Em Belo Horizonte e região metropolitana, a perda anual é de R$ 5,5 bilhões, ou 4% do PIB.
"A perda da produtividade é enorme, mas pode ter certeza de que o prejuízo é muito maior. Não é só o tempo que as pessoas ficam dentro do transporte, mas um forte impacto no bem-estar. Não só produzem menos, como cometem mais erros. É muito ruim para o país”, explica Cláudio Frischtak, sócio da Inter.B Consultoria e autor do livro “Mobilidade Urbana: Desafios e Perspectivas para as Cidades Brasileiras”, em parceria com Armando Castelar Pinheiro.
Para Carla Cristina, a deficiência no transporte público significa preocupação. Além do salário de R$ 1.100 que recebeu pela última vez neste mês, ela conta apenas com R$ 233 mensais do Bolsa Família para sustentar os dois filhos, de 12 e 2 anos. “Fiquei sem chão quando me mandaram embora. Não é fácil, só penso nos meus filhos. Com essa crise, não é hora de ficar desempregada”, lamenta ela, que está procurando emprego de “qualquer coisa”.
Ônibus da galera
Carla não está sozinha no grupo dos que não têm transporte público para ir ou voltar do trabalho. De acordo com o IBGE, 13,4 milhões de pessoas fazem pelo menos uma parte do expediente entre 22h e 5h no país. Quem trabalha na madrugada e não tem transporte próprio raramente pode contar com os veículos públicos.
Dezoito desses trabalhadores noturnos estão no restaurante Celeiro de Minas, na região do Barreiro, dos quais apenas cinco têm transporte próprio. Os outros se viram com caronas, longas esperas nos pontos de ônibus ou jornadas a pé.
O garçom Thiago Florentino de Almeida já passou por tudo isso. Trabalhando no local há 11 anos, ele comprou um carro há cinco anos. Antes, voltava para casa a pé, para evitar ficar parado no ponto de ônibus por muito tempo na madrugada, já que o expediente termina depois da 1h. “Era um bom pedaço de chão. Eu andava rápido, sem nem olhar para trás porque, de madrugada, não dá para vacilar”, conta.
Depois que comprou o carro, ele passou a ajudar os colegas. “Sou o ônibus da galera”, brinca. Thiago já chegou a ter quatro caroneiros fixos, mas hoje leva todos os dias apenas o também garçom Cristiano de Almeida. “Tenho a sorte de ter o colega que me leva”, diz ele, que nos fins de semana deixa o trabalho por volta de 1h, quando o ônibus que o levaria para casa já parou de circular há muito tempo. O último passa próximo ao restaurante por volta das 23h45.
Além de Cristiano, Thiago leva outros colegas. “Não recuso, mesmo que saia um pouco da minha rota. Quando chove, o número de caronas aumenta”, conta. Todos os “passageiros” do “ônibus do Thiago” contribuem com a gasolina que ele gasta.
Ranking
O Rio de Janeiro é onde a produção sacrificada representa a maior parte do PIB, 5,9%, enquanto São Paulo tem o maior prejuízo em valor absoluto, R$ 44,8 bilhões por ano.
HORÁRIOS
Transporte público é raro depois de 0h
Belo Horizonte tem 282 linhas de ônibus, das quais 93 param de circular nos dias úteis entre meia-noite e 5h. Aos sábados, o número de linhas paradas nesse horário sobe para 103. A BHTrans, que gerencia o transporte na capital, informa que o número de passageiros da madrugada representa apenas 1% do total.
Entre as linhas que circulam na madrugada, as viagens são muito espaçadas. De acordo com a BHTrans, entre meia-noite e 4h, o regulamento do transporte coletivo não prevê intervalo mínimo entre as viagens. Na prática, usuários esperam mais de uma hora e meia. Entre 4h e 5h, o intervalo mínimo regulamentado varia de 20 minutos a 30 minutos, conforme o tipo de linha.
Ir de metrô também não é uma alternativa para quem tem que chegar muito cedo ou sair muito tarde do trabalho. Entre as 19 estações, três abrem as bilheterias às 5h15. As outras começam a funcionar às 5h40. Todas elas encerram o funcionamento às 23h. (APP e QA)
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