Serviços express de entrega de pratos têm dado o que falar na França. Em menos de um ano, eles se multiplicaram em todo o país e se proliferam pela Europa. Com a promessa de ser rápido (menos de 30 minutos) e ecológico (as entregas são feitas em bicicleta), o mercado também é atraente para jovens trabalhadores, dispostos a transformar quilômetros percorridos em duas rodas em rendimentos atraentes. A novidade também acirra o debate sobre a precarização do trabalho na França.
Pelas ruas de Paris, eles são inúmeros e não passam despercebidos. Nos horários de almoço e jantar, a paisagem urbana é transformada por um desfile de bicicletas e rapazes jovens com grandes mochilas quadradas nas costas. Pelas cores do uniforme, os parisienses já até identificam de qual empresa o entregador faz parte.
Ou melhor, empreendedores, como eles preferem ser chamados. Porque a maioria dos sistemas de entrega de pratos exige que o entregador abra sua própria empresa. O novo mercado gera certa polêmica na França, em que start ups que oferecem esse tipo de serviço são acusadas de aderir à “uberização do mercado de trabalho”.
Na França, as mais populares são a britânica Deliveroo, a alemã Foodora, a francesa Allo Resto, a belga Take a Teasy, entre várias outras: a lista é longa. Cada uma tem sua especialidade e diferencial, como a Tok Tok Tok, que estende o serviço de entrega de pratos a outros produtos, entre bebidas, material high-tech, brinquedos e livros.
O conceito básico das empresas de entrega de pratos é simples. O cliente escolhe no site ou no aplicativo da empresa o restaurante e o prato, em uma base de filiados que varia de centenas a milhares de estabelecimentos. Por € 2,5 (R$ 9,2) recebe a encomenda em cerca de 30 minutos.
Melhores restaurantes da cidade “para levar”
Segundo o diretor de marketing da Deliveroo França, Romain Libeau, o serviço foi criado com o objetivo de variar a oferta das entregas, antes principalmente restrita a pizzas e a sushis. “A principal meta da Deliveroo é encontrar os melhores restaurantes da cidade e colocar seus pratos à disposição para entrega a domicílio”, diz.
A proposta tem ido de vento em popa, sempre a duas rodas. Libeau explica que Deliveroo funciona em 12 cidades da França e trabalha com o total de três mil restaurantes. Criada no Reino Unido, em abril de 2013, a empresa também expandiu seus serviços para a Irlanda, Alemanha, Holanda, Bélgica, Espanha, Itália, Hong Kong, Singapura, Austrália e Emirados Árabes. Segundo o diretor de marketing, a sociedade não exclui a possibilidade de abrir uma sede no Brasil, “onde há cidades que poderiam abrigar perfeitamente a empresa”.
“É um mercado que está em pleno crescimento, muito dinâmico e que tem funcionado extremamente bem”, comemora o diretor-geral da Foodora França, Boris Mittermüller. O diferencial da empresa, explica, é ter restaurantes reconhecidos por sua qualidade exclusivos em sua plataforma, como o célebre Les Bols de Jean, chefiado por Jean Imbert, vencedor do reality show de culinária Top Chef França.
Segundo Mittermüller, Foodora também é a detentora do maior número de restaurantes em Paris, “mais de mil estabelecimentos e mais do que qualquer concorrente na capital francesa”. “É um modelo que traz vantagens a todos: para os clientes, restaurantes, entregadores e investidores”, ressalta.
Dinheiro rápido e fácil
Em vista do número de entregadores dessas start-ups pelas ruas da capital francesa, ou “bikers”, como também são conhecidos, a oferta de trabalho parece, de fato, interessante para quem quer fazer dinheiro rapidamente no tempo livre. É o caso do universitário Adame, de 21 anos, estudante de Administração e Relações Internacionais.
À RFI, ele explicou que o que mais o atraiu no trabalho foi a remuneração e a flexibilidade dos horários de trabalho. Durante o dia, ele estuda e, à noite, aproveita para fazer as entregas e faturar.
Para trabalhar como “biker” do Deliveroo, o método é simples. “Basta ter uma bicicleta e um smartphone”, explica. A única condição, diz, é abrir um registro de empresa. Como a maioria das empresas de entrega de pratos, a Deliveroo não contrata diretamente seus colaboradores. O que, para Adame, tem muitas vantagens: “Somos bem pagos, os horários de trabalho são flexíveis, trabalhamos quando queremos, não temos chefe: sou meu próprio chefe”.
Entusiasmado, ele explica o que tanto o atrai na função: “eu adoro andar de bicicleta, e passear por Paris a duas rodas é muito legal. Por conta desse trabalho, acabo conhecendo muitas pessoas e lugares”. De férias da universidade e com mais tempo livre para se dedicar ao trabalho, ele faz uma média por dia de 60 quilômetros em duas rodas. E sublinha: “o salário é bom”.
Adame ressalta que é pago por hora, por entrega e a cada duas semanas. Nos últimos 15 dias, o universitário trabalhou 80 horas e recebeu o salário líquido de € 1.370 (cerca de R$ 5.044). Além disso, enfatiza, recebe bônus que variam entre € 30 e € 50 (R$ 110,5 e R$ 184) se trabalha nos fins de semana e em dias de chuva.
Uberização do mercado de trabalho
O jovem parece não ter problema com a tão evocada “uberização do trabalho” na França. Para ele, “biker” é um trabalho como qualquer outro, “que pode ou não prosperar”. “Como a empresa tem funcionado bem, acredito que meu trabalho continuará dando certo também”, prevê.
Como constata Libeau, em apenas um ano de funcionamento de Deliveroo na França, 1 milhão de entregas foram realizadas. “Os pedidos têm um aumento de 20% a cada duas semanas”, o que garante o sucesso da empresa.
Diante das críticas sobre a falta de engajamento com os “bikers”, Libeau garante que “os colaboradores estão satisfeitos em trabalhar, os clientes e os restaurantes estão felizes com o serviço”. “Diante dessa situação, não vejo porque questionar o que fazemos”, conclui.
Já Mittermüller contesta a comparação com o Uber. “Os motoristas do Uber trabalham em tempo integral. Já a Foodora conta com estudantes ou jovens que trabalham em diversos locais ou que desenvolvem outras atividades e que farão as entregas de acordo com suas disponibilidades”, explica.
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