Bem antes de Nova York implantar ciclovias e ruas para pedestres, Sam Schwartz - o homem que cunhou o termo "engarrafamento" - estava no centro de uma amarga luta para criar uma zona vermelha livre de carros no centro de Manhattan. Schwartz foi um dos poucos funcionários não implicados numa série de escândalos de corrupção que envolveram a gestão de Nova York da década de 1970. Sua grande chance veio em 1979, quando assumiu o desenvolvimento de planos de transporte de contingência, e produziu o "Programa de Prevenção de Engarrafamentos". Foi nesse período que ele recebeu o apelido "Gridlock Sam".
Antes de começar sua luta contra o excesso de carros, ele recebeu uma atribuição aparentemente bem maçante: enfrentar o tempo frio para cronometrar o tráfego de automóveis. Sam Schwartz realizou a tarefa com dedicação e conseguiu levantar dados para elaborar a proposta da "Zona Vermelha", área livre de carros particulares entre 10h e 16h, todos os dias, entre segunda e sexta-feira. "Foi um momento muito emocionante porque estávamos propondo a proibição do uso do carro pela primeira vez na história", conta ele, em entrevista ao jornal londrino The Guardian.
Sam Schwartz (esq.) e o prefeito Ed Koch | Arquivo Sam Schwartz
Naqueles dias, o carro era considerado a tecnologia do futuro e era tão dominante em Nova York e em todas as cidades da América do Norte e do mundo. Por conta disso, toda a infraestrutura de transporte de massa, como a rede de trams (bondes) e metrôs foi abandonada e se deteriorou.
Mas na década de 1960, com as primeiras revoltas contra as free-ways e o início do movimento ambientalista, o pêndulo começou, muito lentamente, a balançar de outra forma. Em 1971, quando Schwartz se juntou ao departamento de trânsito de Nova York cheio de idéias "loucas", como ciclovias e praças públicas, o plano da "Zona Vermelha" parecia oportuno e prefeitura chegou a fabricar placas de trânsiro com a mensagem "No Cars".
No último minuto, porém, o prefeito John Lindsay - que inicialmente haviam defendido o plano - voltou atrás e abandonou a ideia, lembra Schwartz . "Era apenas o começo e nós teríamos ido mais longe do que o Bloomberg (prefeito de Nova York que promoveu as mudanças na década de 2010)", diz Schwartz.
Pedágio urbano
O pedágio urbano, por exemplo, que é visto como uma ideia nova, já foi tentado várias vezes em Nova York. O conceito foi concebido por William Vickery, um professor da Universidade de Columbia que mais tarde ganhou o Prêmio Nobel, lembra o ex-engenheiro da prefeitura.
Brooklyn Bridge: quando os trilhos do bonde foram retirados (nos anos 1950), o número de pessoas que a cruzavam caiu de 400 mil para 170 mil/dia | Imagem: Getty Images
As principais pontes de Nova York tinham originalmente portões para a cobrança de pedágio. Em 1911, no entanto, a cidade eliminou essas taxas nas pontes Queensboro, Brooklyn, Manhattan e Williamsburg. Logo as autoridades perceberam que havia sido um erro e também descobriram que é muito mais fácil dar às pessoas algo de graça do que convencê-los a começar a pagar por essa coisa novamente. Assim, sucessivas tentativas de cobrança foram repelidas.
Em 1973, porém, as estrelas pareciam alinhadas. E a cidade conseguiu implantar a cobrança em todas as pontes, com apoio do governador do estado de New York. "Ele assinou o plano de incluir pedágios em todas as pontes e, em seguida, também as autoridades federais aprovaram a ideia dos pedágios como parte do Clean Air Act", lembra Schwartz.
Além oposição popular nos bairros do Queens e Brooklyn (além das pontes), poderosos grupos de interesse de Manhattan - incluindo os proprietários de estacionamentos e seus trabalhadores - e a indústria hoteleira - se opuseram aos pedágios. Schwartz aponta a ironia de que estes grupos praticam uma forma de tarifação do congestionamento: "No centro de Manhattan, o preço para estacionar é mais alto. Eles praticam uma forma de taxa de congestionamento, mas não querem que a cidade possa fazê-lo".
Criminalidade em espaços públicos
A grande redução do crime durante a gestão do prefeito Rudolph Giuliani é frequentemente esquecida quando as pessoas discutem o uso atual dos espaços públicos em Nova York. "O crime era galopante, não era como é hoje...Se não tivéssemos a queda na criminalidade, as pessoas não teriam aceitado as mudanças, especialmente a pedestrianização de Times Square", afirma Schwartz. Como exemplo, ele aponta para a reação à recente proliferação das chamadas desnudas, mulheres de topless que posam para fotografias. "As pessoas reagiram e começaram a pedir: vamos abrir novamente [ao tráfego automóvel]; o temor da desordem nos espaços públicos ainda permanece".
Ciclovias
Schwartz também tentou implantar ciclovias em 1979, inicialmente criando faixas protegidas por cones de sinalização. Mais tarde, tentou construir uma estrutura permanente, mas a reação contrária foi muito forte.
"Para me proteger dos ativistas furiosos tive que me disfarçar e raspar a barba".
A experiência durou somente dois meses, mas matou a ideia por mais de vinte anos, lembra o veterano. Duas décadas mais tarde, as ciclovias protegidas finalmente tiveram seu dia. Em seu recente livro "Street Smart", Schwartz admite um certo ciúme da comissária de transportes do prefeito Bloomberg, Janette Sadik-Khan. "Ela estava fazendo coisas que eu tinha apenas sonhado ou tive que abortar: a criação de praças de pedestres, ciclovias fisicamente separadas e faixas exclusivas de ônibus."