Recentemente se instalou uma polêmica em razão do início da demarcação de ciclofaixa em importante avenida de Águas Claras (bairro da região administrativa de Taguatinga-DF). Copenhague, Nova York, São Paulo e tantas outras cidades passaram pela mesma polaridade de opiniões ao executarem projetos com foco nos ciclistas. E no Distrito Federal, com frota invejável de mais de 1,6 milhão de veículos motorizados, não seria diferente.
Alguns estão acostumados ao carro e consideram a bicicleta um mero instrumento de lazer ou esporte, reservado a indivíduos de porte atlético. Outros usam bicicleta nos deslocamentos diários e acreditam na ampliação da cultura ciclística como alternativa ao estresse e ao caos decorrentes da mega-frota de carros em circulação.
Então, vamos aos fatos. Águas Claras, a exemplo de outros bairros, vem entrando em colapso. Nos horários de pico, veem-se longos congestionamentos, formados ainda nas garagens dos condomínios. As bicicletas em circulação e estacionadas de forma improvisada nas estações de metrô e próximas a supermercados e lojas revelam a importância da infraestrutura voltada aos ciclistas. O movimento de pedestres também é significativo e as crateras nas calçadas, mesmo nos arredores das estações de metrô e de pontos de ônibus, alertam para a necessidade de melhorias.
A política de incentivo ao transporte individual motorizado mostra-se totalmente equivocada, pois resulta em caos, estresse, poluição e acidentes. E, acredite, não cabem tantos carros nas vias e nos estacionamentos, por mais pistas e novas vagas que se construam.
Para reverter as ações voltadas ao rei automóvel, o Governo do Distrito Federal apresentou o projeto Mobilidade Ativa, apresentado e discutido com moradores e interessados. Além de ciclofaixa, ciclovia e calçada compartilhada, o limite de velocidade será reduzido, uma tendência mundial que contribui para a segurança de todos.
Ao responder às dúvidas sobre o projeto, por meio de nota técnica no final de 2015, o Detran-DF reafirmou a decisão de instalar a ciclofaixa e deixou bem claro o nobre propósito, que deveria guiar todos os órgãos gestores da mobilidade urbana: “necessidade de democratização dos espaços públicos de circulação” e “contribuição para a humanização das cidades”.
As frases no documento elaborado pelo órgão de trânsito são um verdadeiro marco na visão institucional. Após seguidas ampliações viárias e construção de túneis e viadutos, o projeto humanizador de Águas Claras reacende a esperança por novos tempos.
Na condição de ex-morador do bairro, que se deslocava diariamente para o Plano Piloto de bicicleta, pela EPTG totalmente congestionada (inclusive com carros “transbordando” para a faixa de ônibus e para o acostamento), posso afirmar que muito mais pessoas adotariam o estilo saudável se houvesse segurança e conforto para pedalar.
Sugestões ao governo
Para incentivar a mobilidade saudável e evitar a torcida contrária ao projeto, ficam algumas sugestões ao governo: investir na construção e reforma das calçadas (atualmente, destruídas e invadidas por carros); fiscalizar diariamente as infrações motorizadas; investir em campanhas educativas permanentes; impulsionar projetos inovadores, como caronas a pé e de bicicleta para a escola.
Um aspecto relevante: as ciclofaixas projetadas para fluxo em apenas um sentido possivelmente terão fluxo nos dois sentidos, o que levará à necessidade de futura adequação. E vale o alerta: deve-se aprender com os erros do passado e evitar os equívocos cometidos no Plano Piloto, onde foram construídas centenas de quilômetros de ciclovia, mas sobraram inúmeros problemas, como descontinuidade nos caminhos; escuridão; sinalização falha ou ausente; ausência de pontos de travessia e de preferência ao ciclista; ausência de medidas educativas e de fiscalização.
Além de ocupar pouquíssimo espaço para circular e estacionar, a bicicleta é saudável e não poluente. Considerando o nível de sedentarismo da população brasileira (mais da metade da população está acima do peso ideal) e a crise econômica, as pedaladas podem resultar em melhorias individuais e coletivas. Brasília precisa inovar, sair da mesmice rodoviarista que perdura algumas décadas e apostar em soluções modernas de mobilidade, incluindo a simples e ágil bicicleta. Integrado ao transporte coletivo, o bom camelinho – já exaltado em canções – pode alcançar distâncias ainda maiores e ajudar a saúde, a locomoção e o bolso de parte considerável dos brasilienses.
*Uirá Lourenço é servidor público, colaborador do Mobilize Brasil
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