Odense, na Dinamarca, já foi uma importante cidade industrial. Na virada do século, com as mudanças nos ciclos de fabricação dos produtos, a localidade foi perdendo função e teve que reiventar-se. A chave para isso foi a bicicleta.
Uma de suas principais vias, a rua Thomas Thriges foi aberta na década de 1960 como uma solução para os crescentes congestionamento de carros: É uma via expressa, com quatro pistas em cada mão, como uma grande fita escura cortando a cidade. Em junho de 2014 essa fita foi "cortada" pela primeira vez, quando uma parte da via foi fechada para os veículos e aberta a pedestres e ciclistas. Agora, uma maquete exposta no centro da cidade mostra como a avenida será transformada no novo coração de Odense, uma área reservada para bicicletas e pedestres, e ocupada com lojas, cafés e casas.
A Thomas Thriges é a peça central de um projeto extremamente ambicioso e inicialmente controverso avaliado em cerca de R$ 17,5 bilhões para recuperar a habitabilidade da cidade de quase 200 mil habitantes, terceira da Dinamarca. A ação está sendo coordenada pelo prefeito Anker Boye: "Os investidores estão vindo porque sabem que as pessoas querem viver em Odense e terão uma boa vida aqui", diz Boye, um ex-pintor de paredes que se tornou político profissional.
A coalizão de centro-esquerda do prefeito afirma orgulhosamente ter criado o ambiente mais ideal para negócios na Dinamarca com baixos impostos e a abolição de taxas diversas. Mas, em paralelo a isto, é uma cidade onde 50% de todas as viagens centrais são feitas por bicicleta, e onde os carros particulares são mantidos cada vez mais longe do centro.
Depois de décadas de trabalho para construir infraestrutura e incorporar uma cultura de ciclismo, a cidade ja conta com 560 km de ciclovias e 123 pontes exclusivas para ciclistas.
Bikes, dos 2 aos 80 anos
O ciclismo está nos programas escolares desde os dois anos de idade das crianças, mas também segue atraindo as pessoas idosas. Troels Andersen, chefe de projetos ciclísticos da cidade, diz que "é muito raro que as pessoas idosas parem de pedalar, em função da qualidade das vias e de toda a infraestrutura de segurança oferecida aos moradores".
Ciclistas idosos em bicicletário na cidade de Odense (Foto: Thomas D Mørkeberg)
E continua: "Quando não podem mais andar de bicicleta por causa da idade, elas empurram suas bikes, apoiando-se sobre elas, como se fosse um andador. Elas não gostam de usar um andador normal, que passa a imagem de uma pessoa velha e frágil".
Os estudantes estrangeiros que chegam para estudar recebem uma bicicleta junto com seu quarto na universidade. O resultado é claro no horário de saída das escolas de Odense. Enquanto muitas crianças pedalam ao lado de seus pais, outras andam sozinhas ou com irmãos de mesma idade. A política oficial da cidade define que as rotas para as escolas deve ser suficientemente seguras para crianças de seis anos ou mais pedalarem sozinhas.
Klaus Bondam, que dirige o Cyklistforbundet (União dos Ciclistas Dinamarqueses) baseado em Copenhague, admite que Odense tem uma forte vantagem sobre a capital: "Em Copenhague temos um ambiente de ciclismo em toda a cidade, mas ninguém se sente seguro de mandar uma criança pedalar sozinha. Odense está fazendo isso muito bem."
Há alguns anos, a cidade adotou um novo lema - Brincar é viver - apropriado para um lugar com mais de 120 parques e 250 playgrounds. A cidade começou essa transformação entre 1999 e 2002, com um programa conhecido como Esquema 20, 20, 20: reforçar o uso da bicicleta em 20%, reduzir em 20% os acidentes envolvendo bikes, tudo com um investimentode 20 milhões de coroas (cerca de R$ 12 milhões).
Com essa fatia de seu orçamento Odense passou muitos anos construindo a sua infraestrutura cicloviária e a cultura da bicicleta, mas Andersen salienta que muitas cidades da Europa e de todo o mundo poderiam seguir o mesmo caminho, em menor tempo, com custos relativamente baixos; "Podemos ter centenas de cidades como Odense por toda a Europa", comenta Anker Boye.
Recompactar a cidade
Os carros ainda estão lá em Odense, mas logo estarão ocultos em vias e estacionamentos subterrâneos cobertos por parques e espaços compartilhados entre pedestres, ciclistas e transportes coletivos elétricos.
O prefeito afirma que que as cidades precisam entender que a era do automóvel já passou. "Nos anos 1960 as pessoas acreditavam na ideia de comprar uma grande casa nos subúrbios e ter um carro para circular. Por causa disso, Odense se tornou uma cidade grande, espalhada. Agora nós temos que trabalhar para concentrar as atividades dentro da antiga área industrial".
Curiosamente, a cidade trocou a indústria naval por uma atividade futurista - um centro internacional de desenvolvimento e testes de drones - e susbstituiu os automóveis por bicicletas e bondes, tecnologias que não mudaram muito desde o século 19.
* Tradução e edição: Marcos de Sousa
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