Os congestionamentos assumiram proporções catastróficas nas grandes cidades. Em SP, eles representam um dos mais antigos e graves problemas que afetam diretamente o meio ambiente, a qualidade de vida, a saúde física e mental da população e a produtividade da força de trabalho.
O regime de funcionamento dos motores em baixa velocidade e no anda-para das cidades multiplica em algumas vezes os níveis de emissão dos diversos poluentes automotivos e dobra o tempo de exposição da população e dos próprios condutores de veículos aos altos níveis de contaminação, especialmente o material particulado fino cancerígeno (MP) e o ozônio (O3).
O consumo global de combustível da frota circulante - diretamente proporcional às emissões de dióxido de carbono (CO2) - aumenta em cerca de 50%. Assim, além da contaminação, do desperdício de recursos energéticos e dos danos à poupança familiar, o clima planetário é mais uma vítima dos congestionamentos.
Entretanto, algumas medidas podem e devem ser adotadas pelos gestores da mobilidade urbana, no sentido de reduzir a quantidade de deslocamentos motorizados, em especial, o uso desnecessário do transporte individual.
Planejamento nas corporações
O pacote de "redução de congestionamentos" da agenda prioritária dos gestores de cidades pode incluir: o planejamento urbano racional focado no ser humano, que descentraliza e diversifica as atividades, aproximando a população de seus destinos rotineiros de trabalho, educação, comércio e lazer; melhoria da cobertura e qualidade do transporte de massa e coletivo; reforma e ampliação de calçadas; construção e integração de ciclovias; pedágio urbano eletrônico, que monitora e precifica de modo inteligente o acesso dos automóveis a áreas congestionadas e transfere os recursos obtidos para financiamento direto da melhoria da mobilidade urbana. Essas são algumas entre as medidas criativas que vêm ganhando ampla notoriedade, como os programas de Gestão da Demanda de Viagens (GDV) - ou programas de Otimização da Mobilidade Corporativa.
No Brasil, cerca de metade dos deslocamentos motorizados diários têm como motivo o trabalho formal. O planejamento nas corporações - e sua execução - costumam ser mais eficazes do que em outros setores, pois deles depende a sobrevivência do negócio. O engajamento das empresas no esforço comunitário para redução dos deslocamentos motorizados tem gerado bons frutos, conforme algumas experiências realizadas recentemente em diversas cidades, incluindo São Paulo.
A GDV abarca todas as ações, centralmente incentivadas e coordenadas na organização - ou num conjunto de empresas vizinhas - com o objetivo de eliminar um certo número viagens desnecessárias dos colaboradores em seus automóveis.
Campanhas internas de educação e orientação e a disseminação de material didático específico sobre mobilidade urbana sustentável e cidadã, bem como alguns incentivos criativos - sugeridos (ou não) pelos próprios colaboradores - estimulam o compromisso dos aderentes dos Programas de GDV de modificar seu comportamento de viagem, ou até mesmo de reduzir a necessidade de deslocamento, no caso de atividades passíveis de serem realizadas por teletrabalho.
Um conjunto abrangente de táticas de GDV - implementadas pelo Setor Produtivo de modo disseminado por meio de uma política pública indutora específica - teria impacto proporcional sobre o sistema de transporte público, com reflexos positivos na redução dos congestionamentos. Algumas dessas táticas são descritas a seguir:
Gestão do estacionamento interno: em certos casos, os funcionários, ou a própria organização, pagam o estacionamento nas instalações prediais da empresa. Assim, os empregados têm um incentivo financeiro ao não utilizarem o estacionamento. Pode-se também oferecer descontos ou gratuidade para os colaboradores que praticam o transporte solidário (veículos com mais de dois ocupantes);
Horário flexível: adoção de flexibilidade no horário de trabalho diário, a fim de evitar os períodos de congestionamento;
Horário de trabalho alternativo: cronograma alternativo de trabalho para todos os funcionários, fazendo com que todo o efetivo da empresa evite os horários de pico (como se a empresa fizesse um "horário de verão” próprio);
Semana de trabalho reduzida: redução do cronograma de trabalho padrão "de cinco dias por semana" - oportunidade de trabalhar quatro dias de dez horas por semana ou outros arranjos compensatórios;
Teletrabalho: em caso de atividades passíveis de serem realizadas em casa, adoção do teletrabalho, quando e se conveniente para as partes;
Caronas corporativas: aproximar, incentivar, divulgar e promover caronas para empregados, cujas residências em áreas próximas foram mapeadas pelo coordenador de mobilidade do Programa de GDV;
Ciclismo: incentivar o uso seguro da bicicleta como transporte de e para o trabalho. Implica auditoria prévia dos percursos pelo coordenador de mobilidade do Programa de GDV e a instalação de vestiários e bicicletários;
Andar a pé: estimular o deslocamento seguro a pé fornecendo passarelas cobertas, calçadas e segurança nos itinerários mais próximos que levam à empresa;
Estacionamento externo subsidiado: a empresa subsidia o estacionamento nas estações de integração, nos pontos de ônibus/metrô/trem, rodoviárias e biciletários, a fim de facilitar aos empregados a integração com outros modos de transporte menos poluentes (segundo suas emissões/passageiro transportado);
Ônibus e vans fretados: facilitar, organizar ou fornecer linhas exclusivas de transporte coletivo aos empregados;
Transporte público subsidiado: o empregador reembolsa o transporte em parte ou na íntegra, como um benefício para o empregado (por exemplo, não descontar os 6% do Vale Transporte);
Garantia de transporte para residência: subsídio de viagens ocasionais emergenciais para os empregados que, atendendo ao programa de GDV, utilizam modos alternativos de transporte. Essa ação ameniza resistências à adesão aos programas de GDV.
Um projeto pioneiro de GDV conduzido pelo Banco Mundial realizado em 2014 com um conjunto de empresas na região da Avenida Luís Carlos Berrini, em São Paulo, mostrou que é possível uma redução de até 40% do número de viagens corporativas individuais motorizadas. Sabe-se, entretanto, que a média típica de viagens individuais motorizadas nos Programas de GDV em atividade no mundo está em cerca de 10% a 15%, como, por exemplo, na referência de Cairns (Cairns et al, 2004; Cairns et al, 2008), 11%.
Para vir a obter esses resultados, o poder público também poderia oferecer incentivos aos grandes empregadores ou centros empresariais instalados no município, para que adotem Programas de GDV. Essas ações regulatórias podem abranger de modo compulsório as empresas públicas e autarquias.
Além de promover uma cultura de deslocamentos mais sustentáveis e colaborar para a melhoria da mobilidade urbana na comunidade onde está inserida, a empresa teria sua imagem associada ao cuidado com o meio ambiente, tão valorizado nos dias de hoje.
E pela simplicidade e ausência de custos dessas medidas, não há motivo aparente para que os gestores de cidades, planejamento, transportes, mobilidade e meio ambiente, abram mão de dispor de um pacote mínimo de medidas de otimização da mobilidade urbana; não faz sentido permanecer impassível contemplando essa absurda catástrofe.
*Sobre os autores:
Alexandre Cardoso é oficial da reserva do Exército Brasileiro e trabalha na Itaipu Binacional. É especializado em Gerência Executiva de Transporte e Mobilização (Brasil) e em Logistics and Transport for the Executive Manager (EUA).
Olimpio Alvares é diretor da L'Avis Eco-Service, especialista em transporte sustentável, inspeção técnica e emissões veiculares; é membro fundador da Comissão de Meio Ambiente da Associação Nacional de Transportes Públicos - ANTP, Diretor de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Associação Brasileira de Teletrabalho e Teleatividades - Sobratt e ex-gerente da área de controle de emissões de veículos em uso da Cetesb.
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