Nos últimos dias, parei para ver como anda a construção de novos caminhos de ciclovias entre as quadras residenciais da Asa Norte. Tratores vêm devastando canteiros para criar as ciclovias - foi o que vi, e que susto! Mas, à primeira vista, dar opção a quem usa bicicleta e a quem caminha (afinal, em razão da ausência e da má-conservação de calçadas, as ciclovias atendem também aos pedestres) parece ser uma ótima iniciativa. Ledo engano!
O equívoco nas obras se deve basicamente a dois fatores: existência de vias residenciais paralelas que já atendem a pedestres e ciclistas; projeto incompleto das ciclovias no DF, que não prevê continuidade nem obras complementares, a exemplo de iluminação.
Diversas vias residenciais – iluminadas, com baixo tráfego de carros e com redutores de velocidade – são utilizadas cotidianamente por pedestres e ciclistas da região. Em vez de novos caminhos, poderiam ser adotadas medidas baratas para garantir maior segurança a ciclistas e pedestres nas vias já existentes, a exemplo de coibir o estacionamento irregular na calçada e nos dois lados da via.
Os carros estacionados de forma irregular na Asa Norte (realidade em toda a capital federal) não apenas dificultam a circulação de pedestres e ciclistas, como também chegam a impedir a passagem de veículos dos bombeiros e do serviço de recolhimento de lixo.
O outro fator para o fracasso dos novos caminhos: tudo indica que as novas ciclovias sofrerão dos mesmos problemas das outras ciclovias já construídas. Faltará continuidade com outros caminhos, faltará iluminação e sobrarão bloqueios e invasões. Assim, os ciclistas e pedestres irão preferir circular pelas vias residenciais, iluminadas e com movimento de pessoas e carros, a passar por um caminho escuro e deserto.
Vale ainda frisar o problema de falta de conectividade entre ciclovias e calçadas, a falta de diálogo entre os espaços voltados às pessoas. Além da falta de manutenção das calçadas, muitas vezes as obras cicloviárias acabam destruindo o escasso espaço do pedestre. A conectividade de calçadas e ciclovias possibilitaria continuidade no caminho e compartilhamento saudável entre ciclistas e pedestres.
Novo governo e possíveis soluções para a mobilidade urbana
Passados quase 11 meses do “novo” governo, continua a descontinuidade na ciclovia da via W4/W5 Norte. E permanece a situação de desrespeito cotidiano contra ciclistas e pedestres. Calçadas, canteiros, rampas e ciclovia transformam-se em estacionamentos.
A secretaria de transportes mudou de nome. Agora se chama secretaria de mobilidade, mas o quadro de imobilidade se agrava. Os problemas no transporte coletivo continuam (com o agravante do aumento na tarifa) e a inacessibilidade se agrava, com o aumento das infrações motorizadas e a escassez na fiscalização.
As fotos abaixos, do meu trajeto diário, em 2014 e em 2015, demonstram que continua a vergonhosa imobilidade a quem opta por deixar o carro em casa e usar a bicicleta:
No início deste ano elaborei análise detalhada da ciclovia na Asa Norte (veja no Mobilize), na qual apontei os problemas no trajeto, com destaque para os pontos críticos, e apresentei possíveis soluções (incluindo medidas simples, como sinalização). Protocolei a análise, acompanhada de DVD com vários arquivos correlatos, em diversos órgãos do GDF, incluindo secretaria de mobilidade e Detran, e enviei síntese do estudo por e-mail aos órgãos gestores de mobilidade.
A busca por melhorias foi em vão. Não houve qualquer avanço na sinalização e tampouco investimento para garantir continuidade no trajeto. Estacionamentos no caminho e cruzamentos bloqueados geram insegurança e desconforto. O resultado das falhas na política de mobilidade é evidente: no trajeto diário de bicicleta o fluxo de ciclistas é irrisório, especialmente se levando em conta que ao longo da via W4/W5 Norte há vários colégios e faculdades, com grande potencial para o uso de bicicleta.
Inovação e visão moderna de mobilidade
As cidades modernas vêm ampliando espaços para as pessoas, vêm incentivando o uso de bicicleta e o simples caminhar, além de priorizar os modos coletivos de transporte. No DF faltam ações inovadoras na área de mobilidade. A integração entre áreas do governo é necessária no sentido de mudar o paradigma do automóvel.
Como exemplo, a integração nas áreas de segurança pública e de mobilidade viabilizaria o policiamento com bicicleta, algo disseminado em várias cidades do Brasil e de outros países.
A integração nas áreas de educação, cultura e mobilidade resultaria no programa “Pedaladas em grupo para a escola”, que envolveria alunos, pais e professores. Reunidos, seguiriam de bicicicleta para as escolas ao longo da via. No comboio servidores do Detran e da Polícia Militar dariam orientações práticas aos motoristas para respeitarem os locais de travessia e autuariam os que insistem em estacionar em locais proibidos.
Em vez de simplesmente manter projetos de governos anteriores – ampliações viárias e construção de mais túneis e viadutos – fica lançado o desafio ao atual governador: inovar e fazer da capital federal exemplo para outros centros urbanos. A escassez de recursos financeiros do GDF é mais uma justificativa para selecionar bem os projetos existentes (e adequá-los, se for necessário) e priorizar aqueles com resultados efetivos na mobilidade a pé e por bicicleta.
Uma das novas ciclovias em construção, na 510N, demonstra bem a necessidade de conhecer a realidade. As linhas de desejo marcadas no canteiro revelam claramente o caminho natural de pedestres e ciclistas. Mas as obras avançam na lateral do canteiro, a pista em construção faz uma curva. Há três dias, passei por lá e estava com meus filhos. É incrível como até crianças de 6 e 7 anos conseguem perceber as necessidades de quem caminha. Eles ficaram intrigados com a curva do traçado e anteciparam o que deve ocorrer: “as pessoas vão preferir andar pelo canteiro, vão pegar o atalho em vez de passar pela ciclovia”.
Ouvir e considerar a opinião de quem caminha e pedala no dia a dia seria um bom passo no planejamento da mobilidade urbana. Ações baratas com foco em sinalização, educação e fiscalização de trânsito podem surtir mais efeito do que pavimentar canteiros sem conhecer a real necessidade de pedestres e ciclistas.
Crianças preveem fracasso do caminho em obras: “as pessoas vão preferir o atalho”
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