A professora de inglês Christiane Benites, de 37 anos, passeava pelas ruas de saibro de Paquetá, com os filhos Ingrid,de 16, e Luiz Eduardo, de 3, em uma tarde de quarta-feira, deslumbrada com a tranquilidade da “pérola da Baía de Guanabara”, como a ilha é conhecida, quando a paz foi quebrada pelo ronco do motor de uma moto. O veículo passou a uma velocidade descrita como ‘razoável’. Cristiane ficou surpresa. Afinal de contas, a família, que reside há pouco mais de um mês por lá, escolheu o “paraíso carioca” para fugir do trânsito de Vitória da Conquista (BA), onde morava.
Números da associação de moradores da localidade apontam que na ilha existem, hoje, mais de 50 motos de pequeno e médio portes; cerca de 100 bicicletas elétricas, que chegam a alcançar 70 km por hora; e dezenas de ecotáxis (triciclos movidos a bateria, para transportar passageiros) ilegais.
“Dia desses fui atingido por uma ‘magrela’ dessas com motor. Por sorte só tive arranhões”, conta Adalberto Gouvea, de 95 anos, que mora há um ano na ilha. “Passei minha vida toda em Jacarepaguá e fui atropelado aqui”, lamentou.
O Decreto 322, de 1976, que regula o zoneamento do município, é claro em seu artigo 180: não é permitido o trânsito de veículos motorizados de qualquer espécie e qualquer fim, com exceção daqueles indispensáveis ao serviço público (ambulâncias, polícia e recolhimento de lixo) e de utilização transitória, destinados a transportar mercadorias, materiais de construção e mudanças. Quanto às bicicletas elétricas, em 2012 o prefeito Eduardo Paes baixou outro decreto, o 35.553, que as equipara à bicicleta comum, desde que o condutor obedeça o limite de velocidade de 20 km por hora e tenha, pelo menos, 16 anos de idade. Pelo Conselho Nacional de Trânsito (Contran), as elétricas só são equiparadas às comuns se não tiverem acelerador.
“Como gafanhotos, veículos sobre duas ou três rodas, conduzidos por menores, estão virando uma praga em Paquetá. Idosos e crianças correm risco constante de atropelamentos. A quantidade de caminhões de entrega, que não podem passar de cinco por dia, também aumentou, e, hoje, qualquer um arruma um triciclo e diz que é ecotaxista. Não há fiscalização”, denuncia Lucy Linhares, da Comissão de Transportes da associação.
Fiscalização é inexistente
No balneário, a convivência entre as engenhocas motorizadas e moradores está na contramão da harmonia. Donos de bicicletas elétricas e motos ignoram a lei. “Não tem placa proibindo a circulação”, desconversa um motociclista. “É pura implicância com a modernidade”, diz X., de 15 anos.
O produtor cultural José Lavrador tem opinião diferente. “Não entendem que Paquetá é um lugar peculiar, onde as pessoas ainda amam andar e bater papo no meio das ruas”, diz ele. Condutores ilegais contam com a ajuda de vândalos, que, por alguns trocados, somem com placas de trânsito. “Pedimos à CET-Rio para recolocá-las. Algumas, recuperamos”, diz o vice-diretor da Região Administrativa local, Eduardo Santos, admitindo que foram suspensos os cadastros para ecotáxis, pois já há 113 deles registrados, além de 17 charretes turísticas legalizadas e veículos de entregas permitidos.
O comando do 5º BPM (Centro), que faz a segurança ostensiva na ilha, limitou-se a informar que há policiamento a pé e a cavalo. A equipe do DIA flagrou, com vídeos e fotos, adolescentes, aparentemente menores de 16 anos, pilotando motonetas em frente à estação das barcas na ilha.
Em nota, a Secretaria Municipal de Transportes mencionou que “não regulamenta o uso de bicicletas elétricas”. “Valem as regras do Código de Trânsito Brasileiro, fiscalizado pelos órgãos responsáveis”, diz o texto. Também em nota, a Guarda Municipal detalhou que mantém 12 agentes na ilha e que “acionará a polícia para providências em relação à proibição de veículos não autorizados”.
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