Foi por um triz, mas os pedestres de Nova York venceram. Depois de meses de discussão, o prefeito Bill de Blasio decidiu manter a Times Square fechada para a passagem dos carros, como é feito desde 2009. Situação semelhante ocorre em São Paulo com o Minhocão, cuja parte de cima vem sendo usada como área de lazer nos finais de semana. Nos dois casos há complexos desafios a serem vencidos, mas a parte mais difícil, que é abrir espaço para as pessoas, já foi feita. E é esta a principal conquista a ser preservada.
Em Nova York, Blasio quis voltar atrás na medida implantada por seu antecessor Michael Bloomberg e suspender a interdição da Times Square para combater as peladas, ou desnudas, como são chamadas as moças que fazem topless com os seios pintados e posam para fotos em troca de gorjetas. O prefeito deixou claro o quanto a presença das moças lhe desagrada, mas se viu obrigado a considerar os benefícios de manter a Times Square para os pedestres. Com o movimento, comércio e serviços cresceram e a área se tornou uma das mais seguras da cidade. Houve queda nos acidentes de trânsito nas imediações e aumento do fluxo de turistas. São 360.000 visitantes por dia e 131 milhões por ano, o que faz do local uma das mais concorridas atrações turísticas do mundo. Blasio então reconsiderou a proposta inicial de banir todo mundo dali. Mas o que fazer com as peladas?
A solução foi criar uma unidade policial na Times Square para restringir a circulação das personas non gratas pela administração municipal, mantendo-as em áreas reservadas. Ironicamente, há décadas a Times Square deixou para trás seu passado violento, mas, para a prefeitura, a retomada da presença policial é a única maneira de garantir que as pessoas façam aquilo que considera ser bom uso do local. Se é esse o preço a ser pago pela exclusividade do pedestre, que seja. Bem mais caro para a cidade seria impedi-los de andar por ali.
Em São Paulo, o Minhocão pode seguir a mesma trajetória. O viaduto foi inaugurado em 1971 para ligar as zonas oeste e leste. Em vários trechos, fica a poucos metros de distância de centenas de apartamentos residenciais diariamente atormendados pelo barulho e poluição dos carros que passam por ali. Por causa disso, o tráfego foi gradualmente restringido. Primeiro, a partir das 21h30. Depois, aos domingos. Neste ano, também a partir das 15h dos sábados. Segundo Athos Comolatti, um dos fundadores do Parque Minhocão, o próximo passo é tentar antecipar o fechamento para as 20h.
Chamar o Minhocão de parque foi algo que começou como provocação e hoje se mostra realidade. A parte de cima vem evoluindo como área de lazer com gente pedalando, caminhando e passeando com suas famílias nos finais de semana. O problema é o que fazer com a parte de baixo. Assim como a Times Square tenta lidar com as peladas, o Minhocão terá de enfrentar essa área escura, deserta e onde é grande a sensação de insegurança.
Muita gente defende a derrubada do elevado, o que acabaria com esse problema e com a cisão que a estrutura criou entre os bairros. Mas isso significaria acabar também com o que ele trouxe de bom, um espaço público espontaneamente consolidado, algo muito mais precioso. Tanto a Times Square quanto o Minhocão revelam o imediatismo e a comodidade de resolver os conflitos com o sacrifício de quem está a pé. Por isso, abrir espaço aos pedestres é a vitória que, quando alcançada, deve ser preservada acima de tudo. O mais fundamental é aprender a ceder em benefício dos que mais beneficiam as cidades: os pedestres.
Demorou até Nova York descobrir como lidar com as peladas. Da mesma forma, o Minhocão precisará de tempo, esforço e jogo de cintura para solucionar os problemas trazidos por sua metade mais obscura.
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