'A bicicleta é tão importante quanto o carro ou o ônibus', diz diretora do departamento de transporte de Portland (EUA)

Para Leah Treat, a sociedade tem que entender que uma bicicleta a mais é um carro a menos, o que significa menos congestionamento e menos poluição

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Fonte: Época Negócios  |  Autor: Nayara Fraga  |  Postado em: 14 de setembro de 2015

Portland é

Portland, "a capital das bikes" nos EUA

créditos: Wikimedia Commons


Portland, a capital do estado norte-americano de Oregon, é conhecida como "a capital das bikes". Segundo o instituto de pesquisa do governo dos Estados Unidos (o U.S. Census Bureau), 6,1% das pessoas que saem de casa para ir ao trabalho na cidade o fazem de bicicleta. É o maior índice entre todas as capitais do país. Há, aliás, mais gente usando a magrela para chegar ao trabalho em Portland do que os próprios pés -- 5,7% vão caminhando.

 

Mas nem sempre foi assim. Em 2000, a porcentagem de pessoas que iam ao trabalho de bicicleta na capital do Oregon era de 1,8%. A explicação para o avanço das pedaladas está, entre outros fatores, no investimento em ciclovias, na conscientização promovida pelo governo e por comunidades e na educação de jovens ciclistas.



"Andar de bicicleta faz parte da cultura de Portland", diz Leah Treat, diretora do departamento de transporte de Portland, que sempre vai ao trabalho de bicicleta. Ela esteve no Brasil para participar de um painel sobre mobilidade urbana no Congresso Internacional Cidades e Transportes, no Rio. "A bicicleta é tão importante quanto o carro, o ônibus ou o caminhão. E a infraestrutura que a cidade oferece torna possível você ir para qualquer lugar de bicicleta."



Em maio, a cidade de Portland, que tem cerca de 600 mil habitantes, deu início a um programa chamado Visão Zero, inspirado na Suécia, cuja filosofia é a de que nenhuma morte é tolerada no trânsito (nem de pedestre, nem de motorista, nem de ciclista). Por isso, um dos pontos de atenção do projeto é a segurança de quem pedala, assunto essencial na agenda de Leah. Um dos filhos dela, aliás, já foi atropelado por um carro enquanto pedalava em Portland. Teve ferimentos leves, mas o susto foi grande.

 

Em um bate-papo com a revista Época, Leah falou da importância das bikes no dia a dia de Portland e dos benefícios que esse meio de transporte traz para comércios locais -- sim, quem anda de bicicleta lá gasta mais nos mercadinhos de bairro do que quem anda de carro.



Qual a importância das bicicletas para Portland?
Andar de bicicleta faz parte da cultura de Portland. Ela é tão importante quanto carro, ônibus ou caminhão. As vias da cidade foram construídas com esse pensamento ao longo dos últimos anos. Temos o maior programa de rota segura para as escolas dos Estados Unidos, que encoraja famílias e filhos a irem a pé ou de bicicleta para a escola (o Safe Routes to School existe desde 2005). Estamos em todas as escolas de nível infantil e acabamos de expandir o programa para as escolas de ensino fundamental. Nós vamos às escolas ensinar as normas que garantem a segurança das vias. Isso funciona bem porque você captura a consciência de crianças. Você ensina hábitos que elas vão carregar para a vida toda. É muito mais fácil atrair uma pessoa para o mundo da bicicleta quando ela está mais jovem do que velha, naturalmente. E ainda há benefícios adicionais: crianças ativas e saudáveis têm desempenho melhor nos estudos, como sabemos.


Mesmo com toda a infraestrutura de Portland, ainda há acidentes. O seu filho foi atropelado por um carro quando andava de bicicleta. Como evitar os acidentes?
Temos em mente que devemos proteger tanto os nossos ciclistas quanto os pedestres e os carros. Dentro do programa Visão Zero, estamos tentando identificar pontos em que as ciclovias merecem algum tipo de proteção e, de outro lado, estamos analisando os locais onde ocorrem acidentes, com bicicletas, carros e pedestres. E esses dados estão nos ajudando a tomar decisões com relação a onde investir dinheiro e a que atitudes devemos tomar para manter a segurança de todos. Sim, meu filho sofreu um acidente. O carro possivelmente não o viu. Ele ficou traumatizado. Não queria voltar a pedalar. Mas em Portland há "bike camps", locais onde eles ensinam a pessoa a andar de bicicleta e onde passam uma conscientização quanto ao trânsito. Ele já voltou a ir de bicicleta para a escola, aula de futebol, casa de amigos e provavelmente está mais cuidadoso.

A cidade de São Paulo recentemente construiu ciclovias, mas há grande resistência por parte de alguns grupos. Isso acontece nos Estados Unidos também?
Sim, a mesma tensão existe em várias cidades americanas. É que, quando você diz que vai focar em pedestres e ciclistas, as pessoas que dirigem carros têm medo porque acham que estão perdendo algo. Elas não se reconhecem nessa equação. Para entenderem que se trata do oposto, é preciso conversar com a sociedade e mostrar os benefícios que ela pode ter ao adotar outros tipos de transporte na cidade.

Mas como passar essa mensagem à sociedade?
Quanto mais pessoas tirarmos dos carros, menos congestionadas as ruas e avenidas vão ficar. Uma pessoa andando de bicicleta é um carro a menos na rua. E ainda tem a vantagem de diminuir a poluição ao tirarmos esse carro do trânsito. Ao apresentar a proposta de tirar as pessoas de seus carros e incentivá-las a pedalar, portanto, é preciso fornecer a elas um meio seguro para o transporte, ou seja, ciclovias. Aí, quando você constrói a ciclovia em lugares originalmente construídos para carros, os motoristas pensam que a cidade está diminuindo o espaço para os veículos e que o congestionamento vai aumentar. Existem várias pesquisas que mostram que o maior causador de congestionamento nas cidades, no entanto, são as batidas de carro. Quando temos mais segurança nas vias, o trânsito flui como deveria, os motoristas diminuem a velocidade e todos, na verdade, chegam aos seus destinos mais rapidamente, o que contraria o senso comum, ironicamente, não é?

Comércios em vias que substuíram vagas para carros por ciclovias podem se beneficiar de alguma forma?
Nos Estados Unidos, há muitos estudos que mostram que os ciclistas não só ajudam a reduzir o congestionamento e a pegada de carbono como ajudam o comércio local. As pessoas que se locomovem de bicicleta fazem compras menores nos estabelecimentos pelos quais passam, mas elas tendem a ir com mais frequência a esses locais e, no fim das contas, acabam gastando mais do que o motorista que vai de carro. As bicicletas são um componente crítico da economia local. Se você quer apoiar os negócios locais e manter os moradores em suas respectivas regiões, para que façam compras lá mesmo, pense nas bicicletas. Quando você passa de bicicleta por uma loja, a chance de você reparar no que aquela loja vende é maior do que se você estivesse passando de carro a 60 quilômetros por hora.

O programa sueco Visão Zero, recentemente implantado em Portland, tem a filosofia de tolerância zero para qualquer morte no trânsito, seja de pedestre, de motorista ou de ciclista. Mas algo que funcionou na Suécia pode funcionar nos Estados Unidos? E na América Latina?
Se você olha para as taxas de acidentes na Suécia ano após ano, ao longo das últimas duas décadas, você nota que elas têm tido uma queda significativa. Nós esperamos conseguir o mesmo progresso. Não vai acontecer da noite para o dia. Exige muito tempo e um esforço de diversas partes. Nós estamos começando agora. Acredito que qualquer país pode implantar isso. Mas exige compromisso. Exige colaboração entre as partes. Se você consegue promover a conexão dessas partes de forma que elas possam tomar decisões em prol do mesmo objetivo, que foi acordado previamente entre todos, o projeto pode ser concretizado. E é preciso estar de olho nas estatísticas. Em Portland, a taxa de mortes de acidentes de trânsito é duas vezes maior que a taxa de homicídios. Os custos com os acidentes, em 2013, foram de US$ 150 milhões para a cidade. O Visão Zero é para mudar essa estatística. Alguns podem falar: "Mas por que você busca o zero (o número 0 na taxa de acidentes) se você sabe que nunca vai chegar lá?". Assim como todas as grandes corporações estabelecem metas ambiciosas para alcançar o lucro, os governos também têm de estabelecer metas ambiciosas. Se não aspiramos ao zero, vamos aspirar a quê? Vamos aceitar que quantas pessoas morram no trânsito? Nenhuma. Essa é a resposta.

 

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