A onda de ataques a ônibus – que já deixou um rastro de 23 veículos incendiados na Região Metropolitana de Belo Horizonte desde o início do ano e espalhou prejuízos entre empresas de transporte de passageiros – desta vez fez uma vítima bem mais humilde. Três criminosos cruzaram o caminho de Paulo Roberto Cupertino, de 72 anos, às 5h de ontem, na Avenida Tereza Cristina, na divisa entre Belo Horizonte e Contagem, e atearam fogo ao seu micro-ônibus (o veículo foi financiado por ele em 48 prestações mensais, de R$ 4,7 mil cada, das quais ainda restam cinco parcelas).
A Polícia Militar desconfia que a ação foi represália a uma perseguição que terminou com a morte de um suspeito de roubo de carro. Para o trabalhador, que nada tinha a ver com o episódio, restou o prejuízo do veículo, que não estava segurado, e a incerteza sobre como pagar as dívidas que sobraram, sem ter mais seu ganha-pão.
O prejuízo não é só dele. Passageiros da linha Suplementar 80 (Cidade Industrial – Jardim Vitória), duas regiões carentes, vão ficar com um coletivo a menos por no mínimo 150 dias, prazo que o Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Belo Horizonte (Setra/BH) estima para que um ônibus destruído seja substituído. Quem não depende da linha – uma das que são operadas por pessoas físicas e não por empresas, segundo o regulamento dos suplementares – também sente os efeitos, pois esse tipo de crime reforça a ousadia de marginais e aumenta a sensação de insegurança.
Um a cada 20 dias
O ataque de ontem foi o décimo segundo contabilizado neste ano na capital – média de um a cada 20 dias. Em 2014, quando oito coletivos foram incendiados na cidade, a média foi de um ataque a cada 45 dias. Considerados os números da região metropolitana, o intervalo dos crimes neste ano é ainda menor: um coletivo destruído por criminosos a cada 10 dias.
Além das investidas contra uma dúzia de ônibus de BH, cinco foram queimados em Santa Luzia, três em Sarzedo, um em Contagem, um em Ribeirão das Neves e outro em Vespasiano. O ataque ao ônibus de Paulo Roberto ocorreu oito dias depois da última ocorrência, em 26 de agosto, quando três homens causaram pânico na Avenida Tancredo Neves, no Bairro São José, Região da Pampulha, ao render um motorista e um cobrador da linha 5550 (Estação Pampulha/São José). Os criminosos ordenaram que os ocupantes descessem e atearam fogo.
Paulo Roberto passou por pesadelo parecido. Os três criminosos o abordaram assim que ele estacionou o suplementar no ponto final. Seria sua primeira viagem do dia. “Eu sairia às 5h05, mas, às 5h, os rapazes chegaram. Um empunhava um revólver e me mandou descer. Cada um segurava um galão com dois litros de combustível. Despejaram gasolina e o fogo começou”, conta.
A vítima estava sozinha no supletivo e não se feriu, mas seu telefone celular também foi consumido pelas labaredas. A ousadia do trio o chocou: “Não esconderam o rosto. Estavam de cara limpa. Até me mandaram puxar o carro para frente, para que o fogo não atingisse a rede elétrica”, contou. Paulo Roberto acredita que eles tenham menos de 18 anos de idade. A polícia fez uma varredura na região, mas não tem pistas dos criminosos. O condutor, que ficou desolado diante das chamas, não viu como o trio fugiu. Ficou mais preocupado em pedir ajuda e em acionar o Corpo de Bombeiros, que chegou em cerca de uma hora.
Paulo Roberto já foi carreteiro e, há 40 anos, decidiu ser condutor de coletivo na capital. Tempo suficiente para colecionar diversos casos de motoristas, cobradores e passageiros atacados por criminosos. Os relatos sempre o deixaram indignado. Mas agora a situação o revolta mais: “Infelizmente, a gente sai de casa sem saber se vai voltar”.
Motivação
Para a Polícia Militar, a ação pode ser uma represália à morte de Rodnei Júnior Estéfano Ventura, de 22. Às 22h30 de anteontem, ele e um adolescente renderam o motorista de um Fox branco, no Bairro Milionários, e fugiram com o carro. A PM localizou a dupla no Bairro Cabana e deu início à perseguição.
Os assaltantes fugiram em direção à Avenida Tereza Cristina, onde o motorista perdeu o controle do veículo. O Fox desceu um barranco de cerca de 10 metros antes de parar, bastante avariado, no leito do Ribeirão Arrudas. O corpo de Rodnei foi encontrado fora do automóvel. A PM acionou o Samu, mas os socorristas constataram que o rapaz teve morte instantânea. O adolescente sobreviveu e escapou do local antes da chegada dos militares, mas foi apreendido, na madrugada, ao procurar atendimento médico no Hospital JK, em Contagem.
Três perguntas ao motorista do micro-ônibus, Paulo Roberto Cupertino:
Como foi a abordagem dos criminosos?
Chegaram três rapazes. Um deles segurava um revólver, apontou para mim e me mandou descer do ônibus. Em seguida, eles despejaram gasolina e colocaram fogo. Cada um tinha um galão com dois litros de combustível.
O senhor continuará exercendo a profissão?
Vai depender de eu conseguir comprar outro ônibus. Esse não tinha seguro.
Como o senhor avalia a segurança em seu dia a dia?
Infelizmente, a gente sai de casa sem saber se vai voltar.
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