Menos de um mês após a redução dos limites de velocidade nas marginais, a prefeitura de São Paulo anunciou a extensão da medida à toda a cidade. O que faz sentido, já que há mais de 17.000 km de vias na capital além das duas. Na verdade, o limite já havia sido reduzido nas vias arteriais ainda na gestão Kassab, entre 2012 e 2013. E o resultado, segundo dados da CET, já havia sido positivo. Mais de 11% na redução do total de mortes por 100.000 habitantes, e uma impressionante redução de 32% na morte de ciclistas. Três anos depois, o prefeito dá um passo adiante e, assim como Nova York fez no ano passado, reduz ainda mais os limites. Se o tópico anterior ainda envolvia aumento de fluxo, este é claro. A solução tem apenas um objetivo: salvar vidas e restaurar a cidade.
Comparado com outros indicadores socio-econômicos, os números do trânsito brasileiro são alarmantes. De acordo com dados da Organização Mundial de Saúde, estamos empatados com países como Gabão e Serra Leoa, com 22,5 mortes a cada 100.000 habitantes, e atrás de países famosos pelo trânsito caótico como a Índia.
Quando olhamos as fatalidades por 100.000 veículos, nosso trânsito mata 5 vezes mais do que os Estados Unidos, o país mais motorizado do mundo. São Paulo, mais especificamente, tem um trânsito famoso por sua violência. Em 2013, segundo a CET, a cidade registrou 1.114 acidentes fatais, o que significa uma média de 3 por dia. Destes, mais da metade das vítimas foram pedestres e ciclistas.
A partir destes números, fica evidente que tal realidade precisa ser controlada. O problema é geral nas grandes cidades do mundo, que adotaram a redução dos limites de velocidade antes de nós paulistanos. No ano passado, a prefeitura de Nova York reduziu a velocidade máxima na cidade de 48 km/h (30 mph) para 40 km/h (25 mph). Londres, por ser mais densa, foi ainda mais longe e reduziu as vias para 32 km/h (20 mph). Os números, embora muitos tenham acusado, não têm nada de aleatórios. Eles advém de dezenas de pesquisas que calculam as chances de fatalidade a cada velocidade, como o gráfico abaixo mostra.
Enquanto a probabilidade de um pedestre atingido a 70 km/h morrer é de quase 100%, o risco cai para 40% quando se reduz a velocidade para 50 km/h. A 40 km/h, as chances de morte são menores do que 20%, e de apenas 5% quando os carros trafegam a 30 km/h. Por este motivo, mesmo pequenas reduções no limite de velocidade, como feito nas outras cidades, têm considerável impacto nas fatalidades.
Risco de fatalidade de pedestres de acordo com a velocidade de colisão
Fonte: Departamento de Transportes de Helsinki
As escolhas de 50 km/h para vias arteriais de 40 km/h para vias coletoras, do ponto de vista do planejamento de transportes e da medicina do tráfego, fazem sentido visto que têm diferentes níveis de segregação dos outros modais. Não se pode olhar apenas para o número de faixas para se quantificar o limite de velocidade, pois as vias não são de uso exclusivo dos automóveis. Há de se considerar também o fluxo de bicicletas, a existência de ciclofaixas, a concentração de pedestres e os serviços de ônibus.
Quanto maior a interação com outros modais, mais os carros precisam reduzir a velocidade e dar passagem aos meios prioritários, como dita o Código de Trânsito Brasileiro. Logo, em uma via numa região movimentada como a Avenida Paulista ou o Largo da Batata, a redução de velocidade pode salvar muitas vidas. E muito dinheiro dos cofres públicos gastos em acidentes de trânsito.
Por fim, cabe também colocar em pauta a instalação de mais radares de velocidade.
Motoristas, como esperado, argumentam que é apenas uma medida para encher os cofres públicos. Sendo este o caso ou não, a medida não é exclusividade paulistana, e é geralmente consensual nos departamentos de transporte ao redor do mundo. Ao se adotar uma medida que reduz os privilégios de um grupo que tem tanta influência na segurança dos demais, deve-se adotar medidas para restringir as transgressões até que o comportamento seja natural.
Todos devem lembrar da campanha do cinto de segurança, que foi igual. Aliás, isto é ainda mais válido quando fazemos mea culpa e percebemos que temos uma tendência social a transgredir regras. Uma pesquisa Centro de Pesquisa Jurídica Aplicada da Fundação Getulio Vargas revelou que 82% dos brasileiros acham fácil desobedecer às leis no país. Ou seja, mudar as leis em uma situação como esta corre o risco de ficar perdida como uma mera sugestão e não uma regra.
Portanto, enquanto o caso das marginais envolvia o componente do fluxo, a redução dos limites de velocidade na cidade como um todo tem foco exclusivo na segurança do trânsito. Além disto, serve para relembrar que a cidade pertence a todos e motoristas não têm prioridade sobre os outros modais.
Com dados tão alarmantes para nossa atual situação socio-econômica, está na hora de reconhecermos a violência do trânsito paulistano, e agir de acordo. Em apenas um ano após as reduções, Londres já atingiu os objetivos de segurança que eram previstos para 2020.
Em meio a outras políticas urbanas, a redução da velocidade nas vias tem tudo para contribuir bastante para tornar São Paulo mais humana e mais próxima da cidade que sempre sonhamos.
*Marcelo Blumenfeld é mestre em planejamento de transportes pela Universidade de Leeds (Reino Unido), e doutorando em engenharia de sistemas no Birmingham Centre for Railway Research da Universidade de Birmingham (Inglaterra). É fundador da AHEAD Innovation Strategies, e integra o grupo de pesquisa e desenvolvimento da consultoria de transportes inglesa JMP Consultants. Foi palestrante convidado no TEDx University of Leeds em 2012.
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