São pouco mais de 7 horas e a técnica de enfermagem Sandra Maria espera pelo metrô na estação de Camaragibe, na Região Metropolitana do Recife (RMR). Ela é mais uma no meio da multidão que aguarda o coletivo para ir ao trabalho. Na mente, não estão os planos do dia, mas, sim, o sentimento de frustração com o transporte, que está mais uma vez atrasado. Quando, enfim, o vagão chega, Sandra ainda tem que se espremer para entrar no trem, que vai lotado e com vários outros passageiros em pé.
Essa é a rotina de muitos moradores da RMR, que praticamente brigam todos os dias com o transporte público para ter o simples direito de ir e vir. É um cenário que pouco mudou mesmo com as promessas de melhoria na mobilidade urbana que seriam realizadas com a Copa do Mundo no Brasil. Um ano depois do Mundial, a sensação dos moradores é igual à de Sandra ao esperar o metrô: de frustração. Não só porque pouca coisa mudou, mas também por causa do atraso de parte das obras. O tão desejado legado da mobilidade ficou apenas na teoria.
"Todo dia é assim. Não tem facilidade nenhuma e esse horário de pico é um terror. E o metrô atrasa sempre; isso quando não chega com o ar condicionado quebrado", reclama Sandra, que também questiona o ônibus que utiliza para fazer integração com a estação Camaragibe: "A gente vai em pé e tem pessoas ignorantes no transporte", disse Sandra antes de entrar no metrô lotado.
Das 20 intervenções urbanas que estavam inicialmente previstas pelo governo de Pernambuco para a Copa, cinco não foram entregues - uma delas, a nova torre para o aeroporto, foi retirada do documento por falta de tempo hábil para a construção. Já na lista das atrasadas, está a obra que mais prometia mudar a mobilidade da cidade, que é a do BRT, sigla inglesa para Bus Rapid Transit. Tanto o corredor Leste-Oeste (que liga Camaragibe ao Recife) como o Norte-Sul (Igarassu - Recife) estão incompletos, principalmente pela falta da finalização das estações (sete no Leste-Oeste e seis no Norte-Sul).
O principal motivo para o atraso das obras do BRT, segundo a Secretaria das Cidades de Pernambuco (Secid), é que o consórcio Servix/Mendes Júnior, até então responsável pela obra, é investigado pela Operação Lava Jato, da Polícia Federal, e está afastado da construção. A expectativa da Secid é procurar uma nova construtora para tocar o restante da iniciativa, que não tem prazo para ser entregue em sua totalidade. Outro argumento é que há ainda desapropriações a se fazer.
"A entrada da empresa no pacote de investigadas pela Lava Jato fez com que ela perdesse crédito no mercado. Com isso, a construtora teve dificuldade de fluxo de caixa. Tudo o que eles fizeram foi pago, o que acontece é que existe a dificuldade para fazer novos serviços", explica o gestor de mobilidade da Secretaria das Cidades, Gustavo Gurgel. Segundo ele, o projeto será revisado: "Esperamos revisá-lo no segundo semestre para poder contratar a nova empresa. O que podemos dar é essa expectativa de revisão".
Enquanto isso, seguem paradas as obras das estações de BRT, do Túnel da Abolição e dos terminais integrados de passageiros, que deveriam servir para ligar as linhas comuns de ônibus com os BRTs. O que se vê são apenas entulhos e estruturas incompletas, como na Rua Benfica, no bairro da Madalena, Zona Oeste da cidade. Já em outros pontos, como a Avenida Belmino Correia, em Camaragibe, as estações nem começaram a ser construídas. O retardo não só deixa de melhorar a mobilidade como a piora em alguns casos. "A falta de estação de BRT é muito ruim. Tem que andar muito para pegar o ônibus", reclama o garçom José Vicente, 44 anos.
Apesar dos atrasos, Gurgel garante que nenhum custo a mais será acrescido ao projeto. De acordo com ele, o que foi feito pelo consórcio já foi pago, enquanto o valor restante do orçamento para os dois corredores será repassado para a nova empresa a ser contratada. No total, o corredor Leste-Oeste custará R$ 168 milhões, enquanto o Norte-Sul, R$ 180 milhões - no início era de R$ 145,3 mi e R$ 151 mi respectivamente."A tendência é que se mantenha o custo atual. Eventualmente pode ser que apareça algo que não estava previsto, mas não estamos trabalhando com isso no momento".
A intenção é que, ao ser finalizado, o BRT possa atender inclusive a Arena Pernambuco, em São Lourenço da Mata. Atualmente, só é possível chegar à arena através de carro ou metrô, fazendo a integração com ônibus que só funcionam em dias de jogos. A integração, que no caso é a Cosme e Damião, fica cerca de três quilômetros do estádio. Cada BRT tem a previsão de transportar cerca de 180 pessoas em média.
Outro problema que ainda está relacionado ao projeto do BRT é o destino das seis paradas construídas na Avenida Conde da Boa Vista, no Centro do Recife. Como não estavam no projeto inicial, foi realizada uma espécie de adaptação junto com a Prefeitura do Recife para que a avenida tivesse também estações do transporte coletivo. O problema é que a obra também está parada e sem previsão de retorno.
Atualmente a estrutura das estações na Conde da Boa Vista mais parece uma parada fantasma do que um local para passageiros. Assim como o resto da finalização do BRT, a Secid aguarda a definição da nova construtora para finalizar a obra.
"A Conde da Boa Vista não pertencia ao corredor do BRT por ser uma área em que a prefeitura faria um projeto e elaboraria como seria a ali. Passado o tempo, e sem ser possível que a prefeitura seguisse com o projeto dela, tivemos que buscar uma solução para que o BRT pudesse operar na avenida. Levando em conta que não seria definitivo porque a prefeitura poderia mudar, pensamos em uma estação de BRT de menor custo.", destaca Gurgel.
Mas não é só o BRT que está incompleto. Prometido para a Copa das Confederações, em 2013, o terminal integrado de passageiros da estação Cosme e Damião, em Camaragibe, opera apenas em dias de jogos dos times pernambucanos na Arena Pernambuco e somente com linhas especiais de ônibus exclusivas para a ocasião. De acordo com o Grande Recife, o terminal está completamente pronto, mas só será utilizado plenamente quando todos os outros terminais estiverem prontos, o que ainda não tem previsão. O T.I., que custou R$ 18,1 milhões, foi apontado na época das obras da Copa como um dos principais elos entre o metrô e a arena, mesmo em dias sem jogos. Algo que até agora está na promessa. Ou seja, os rotineiros problemas de mobilidade permanecem até lá para você que precisa do transporte público. "Na televisão falam que são cinco minutos, mas demora uns 20. É um absurdo isso. Não mudou nada depois da Copa", questiona o atendente administrativo Emerson Henrique, 28 anos.
Outra obra que não ficou pronta para o Mundial foi o trecho externo do Ramal da Copa. Orçado em R$ 46 milhões, nem chegou perto de ser finalizado. A construção deveria ser a ligação de Camaragibe com a Arena Pernambuco. Atualmente só existe uma via, das seis previstas, e apenas muito mato ao redor. Muito pouco para uma intervenção que demandou inúmeras desapropriações no local. A previsão de entrega também não existe para esse trecho do Ramal, que ainda conta com o setor interno mal sinalizado devido, segundo a Secid, à ação de vândalos.
Melhoria só com tudo pronto
Entrevistado pelo NE10, o coordenador regional da Associação Nacional de Transportes Públicos, César Cavalcanti avaliou que a população só vai sentir a melhoria das obras de mobilidade da Copa quando elas finalmente estiverem prontas. No entanto, analisa que isso não vai mudar radicalmente os deslocamentos de quem utiliza transportes públicos. "É de se esperar que quando estiver tudo completo haverá uma evolução boa. Alguns já sentem isso. Acredito que em um ou dois anos tudo vai se encaixar, mas para mudar de vez é preciso não só essas obras, mas uma série de incentivos ao transporte coletivo. A melhoria de agora estanca a sangria dos usuários que migram para o carro", diz.
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