Em marcha lenta: Porto Alegre só ganhou 3,8 km de ciclovias em um ano

Em velocidade média, um ciclista gaúcho levaria 15 minutos para percorrer os 10% que foram construídos, dos 50 km prometidos pela prefeitura

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Fonte: Zero Hora  |  Autor: Bruna Vargas  |  Postado em: 19 de maio de 2015

Prefeiutra de POA enfrenta problemas na implantaçã

Prefeitura de POA enfrenta problemas para implantar vias

créditos: Ricardo Duarte

 

Uma cena sobre duas rodas ilustra o ritmo da construção de ciclovias em Porto Alegre: em velocidade média, um ciclista levaria 15 minutos para percorrer tudo o que a prefeitura conseguiu aprontar em um ano de obras.

 

De maio de 2014 até maio deste ano, a colcha de retalhos formada pelas ciclovias e ciclofaixas da capital ganhou menos de 4 km. Não chega a 10% da meta da prefeitura para o período, 50 km. Menina dos olhos da Empresa Pública de Transporte da Circulação (EPTC), a ciclovia da Ipiranga não cresceu nem um centímetro nos últimos 12 meses.

 

"Nós fomos muito otimistas. Tínhamos uma expectativa de evolução significativa, mas acabamos tendo uma redução em função de questões externas", justifica o diretor-presidente da EPTC, Vanderlei Cappellari. Para Cappellari, o imponderável é o principal fator para o atraso na implantação do Plano Diretor Cicloviário, existente desde 2009 – dos 495 km previstos no projeto original, apenas 24,735 km estão prontos.

 

A demora das contrapartidas de empreendimentos imobiliários, que representam boa parte dos recursos a serem investidos em ciclovias, além de obras "casadas" com projetos da Copa que não saíram do papel, seriam responsáveis pelo atraso em, pelo menos, quatro obras: Voluntários da Pátria, Avenida Tronco, Severo Dulius e Ipiranga, que conta com apenas 2,8 dos 9,4 km de seu projeto.

 

Enquanto as três primeiras não vingaram por estarem vinculadas a outras obras de mobilidade urbana que tiveram problemas, a Ipiranga aguarda por quatro contrapartidas para ser concluída. Para completar o desgosto de quem anda de bike, a principal ciclovia entregue no último ano – 1,8 km na Av. Loureiro da Silva – ostenta diversos problemas, como interrupções abruptas e trechos sobre as calçadas. "Qualquer nova ciclovia é sempre muito importante, porque estimula novos usuários e dá visibilidade à questão. O problema é que, em Porto Alegre, 90% da malha cicloviária é construída pensando na melhor forma de não atrapalhar os carros", avalia Pablo Weiss, da Associação dos Ciclistas de Porto Alegre (ACPA).

 

Projetos precisam ser revistos

Gerente de projetos da EPTC entre 2008 e 2010, quando foi aprovado o plano cicloviário da capital, o peruano Emilio Merino acredita que o projeto original merece significativas atualizações para dar conta da nova realidade da cidade. Para Merino, quanto mais tempo se leva para construir as ciclovias planejadas, mais o plano inicial se torna obsoleto. "O plano foi gerido em função de dinâmicas urbanas que já mudaram. É o momento de reavaliar, corrigir. Se uma ciclovia é muito mal feita, em vez de promover, pode anular o sistema. Não é um trabalho que possa levar 10, 15 anos", defende o urbanista, que presta consultoria em mobilidade urbana para cidades do Brasil e do Exterior.

 

Segundo Merino, na configuração atual, o projeto deveria ser repensado de forma a integrar modais, convergindo a malha cicloviária para terminais de ônibus, por exemplo, e favorecendo microrredes – redes menores, que interligam bairros próximos – em vez de um trajeto que atravesse toda a cidade. Além disso, o urbanista acredita que a prefeitura deveria investir em projetos de promoção do uso da bicicleta como meio de transporte, dando incentivos a empresas e usuários que privilegiem esse tipo de deslocamento.

 

Diante de tantos entraves, no entanto, a EPTC trabalha com metas cada vez mais modestas, e a curto prazo, para a implantação do Plano Diretor Cicloviário. Até o fim de 2015, por exemplo, a malha cicloviária da Capital a expectativa da empresa é que a malha cicloviária chegue aos 35 km – algumas das novas ciclofaixas já estão concluídas, como no caso da Rua Ignês Fagundes, na Zona Sul. A Ipiranga está entre as metas de entrega – as obras no local foram retomadas em maio, em um trecho de 1,5 mil metros isolado da parte já concluída.

 

A razão de a maioria das ciclovias em Porto Alegre levar do nada ao lugar nenhum – as faixas não se conectam –, segundo a EPTC, é que muitas rotas são construídas com dinheiro de contrapartidas exigidas das construtoras que inauguram empreendimentos na cidade. Esse processo, porém, é lento e prevê a execução de pequenos trechos em vez do trajeto inteiro. O construtor só precisa entregar sua parte da ciclovia 60 dias antes de receber o Habite-se – ou seja, a obra precisa estar pronta. Isto costuma levar meses, mas, em alguns casos, se estende por anos.

 

Bancar as ciclovias desta forma, em vez de investir diretamente, mostra o nível de importância que a bicicleta, enquanto forma de melhorar a mobilidade urbana, tem nas prioridades do gestor público. É a opinião do consultor em projeto urbano e diretor da faculdade de Arquitetura e Urbanismo Mackenzie (SP), Valter Caldana, que considera o atual modelo viário brasileiro um "cadáver insepulto". Quando se opta por um recurso como o de contrapartidas, diz, há uma transferência de responsabilidade do prefeito, que acaba se expondo menos. Para ele, as grandes cidades brasileiras deveriam se apressar na implantação de um novo sistema. "Nas décadas de 1980 e 1990, poderíamos ter ido com calma. Hoje, não se trata de discutir se está certo ou errado, mas de reconhecermos que (o modelo viário) faliu, é preciso fazer outro. A questão é que há determinados tratamentos que podem ser dolorosos e traumáticos, mas são absolutamente necessários", explica.

 

O caso de SP

Segundo Caldana, casos como o de São Paulo, onde o prefeito Fernando Hadadd, em meio a polêmicas, construiu 200 km de ciclovias em um ano, são exemplo a ser seguido, porque aceleram o processo de demarcação do espaço urbano, dando às pessoas a chance de escolherem como preferem se deslocar. "Indiscutivelmente, as cidades brasileiras estão num estágio em que têm que comprar briga, têm que fazer. Em São Paulo, houve uma decisão política de fazer, que é difícil, porque tem um custo político altíssimo. Mas isso faz parte da mudança: quando há ciclovias, as pessoas passam a poder decidir. Esse é o avanço."

 

Já em Porto Alegre, a tentativa de assegurar verba do poder público exclusiva para as ciclovias bateu na trave. Nos últimos anos, a capital chegou bem perto de consolidar uma segunda fonte de recursos para a construção de ciclovias, com a aprovação de uma emenda que previa que 20% do valor das multas de trânsito fossem destinados às obras. O projeto, no entanto, foi rejeitado desde o princípio pela EPTC, que considera o valor excessivo – 20% representam, em média, R$ 6 milhões anuais. Com o valor, em um ano seria possível dobrar a quantidade atual de ciclovias em Porto Alegre – menos de 25km, hoje.

 

A lei nunca chegou a ser cumprida pela prefeitura, que foi condenada judicialmente a integralizar os investimentos e recorre da decisão na Justiça. Em 2014, a emenda foi derrubada, dando lugar a uma proposta do Executivo para um fundo cicloviário que acaba com o vínculo direto entre investimento e multas. Agora, a EPTC aposta na criação do conselho gestor do Fundo Cicloviário, formado por integrantes da prefeitura e da sociedade civil, para pressionar empresários e definir os rumos das verbas públicas e de doações que devem entrar no caixa do fundo para acelerar a execução das obras. Os trabalhos, previstos para começar em fevereiro, ainda não iniciaram.

 

"O fundo vai criar um ambiente positivo e de pressão para executar rapidamente o plano cicloviário. Vamos notificar as empresas para que integralizem os metros devidos, seja em dinheiro ou em obras", defende Cappellari, que diz que a prefeitura deverá começar a depositar os valores devidos – não divulgados pela EPTC – quando o fundo entrar em vigor.

 

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