Depois que “descobriram” o tal IPK – Índice de Passageiro por Quilômetro, uma média entre a distância percorrida pelo veículo de transporte coletivo e a demanda atendida neste espaço, a lotação se tornou uma obsessão entre muitos operadores de serviços de mobilidade urbana. Felizmente, esse conceito perverso já está sendo reavaliado por muitas empresas, mas não pela totalidade dos operadores.
É claro que ônibus ou trem andando vazio vai dar prejuízo. Passageiros em pé não é também o grande problema em relação à mobilidade urbana. Mas veículos abarrotados com usuários se digladiando por um espaço é uma cena comum ainda nos transportes urbanos e metropolitanos. E que precisa ser mudada.
Alguns operadores não perceberam, ainda, que a ineficiência e o excesso de lotação são tão prejudiciais do ponto de vista financeiro e de satisfação do passageiro, quanto circular sem a ocupação máxima do veículo de transporte coletivo, seja sobre pneus ou sobre trilhos.
Esse custo da ineficiência não é sentido de imediato, tal como a baixa demanda, mas quando finalmente é percebido, o serviço estará deteriorado e pouco interessante para manter os atuais passageiros e atrair novos, o que deveria ser meta em toda a operação e gestão de mobilidade urbana.
Tempo parado no trânsito
Vamos partir de premissas básicas das próprias empresas de transporte, a começar pelo tempo gasto parado. Na operação de uma linha, ônibus e trem parado é despesa. E se a lotação for maior que o máximo aceitável, menor vai ser a velocidade média do serviço de transporte. Os passageiros vão ter mais dificuldades para embarcar e desembarcar e os veículos vão ficar mais tempo parados nos pontos, estações ou terminais. E como empresário gosta (e deve) calcular até os centavos, é tempo gastando óleo diesel, energia elétrica, peças, lubrificantes e horas trabalhadas dos funcionários sem produzir nada.
Soma-se a isso o maior risco real de avarias por causa da insatisfação dos passageiros e pela simples lei da física de que dois ou mais corpos não podem ocupar o mesmo espaço ao mesmo tempo. As portas, seja de carros-vagões ou de ônibus, são as primeiras a sentir os efeitos dessa lei física. Balaústres de apoio, bancos, alavancas de saída de emergência, janelas também são comumente danificadas em linhas que andam com lotação acima do normal.
O empresário e os gestores públicos estão entendendo, ainda que tardiamente, que transporte público é um negócio que mudou. Antes, bastava conseguir a concessão ou permissão e pronto, era certeza de freguesia certa. Hoje a concorrência é maior.
Qualquer pessoa, mesmo com renda mais baixa, pode optar pelo transporte particular, comprando uma moto ou um carro. Isso sem contar que, quando há opção, o passageiro prefere andar algumas quadras a pé para pegar o ônibus ou ramal de trem e metrô com melhor serviço.
Tudo isso, que resulta em perdas de passageiros, pode criar um círculo vicioso caso o operador de transporte coletivo não tenha visão de mercado e persista no mesmo erro. Se a demanda pela falta de qualidade cai e o empresário entender que a solução é só diminuir os veículos na linha, o problema continua, se agrava, e mais pessoas vão continuar deixando o transporte público até a linha ficar "morta" do ponto de vista financeiro. Neste momento, o prejuízo fica visível, quase palpável.
Mas como transporte é de responsabilidade de todos, afinal é uma engrenagem que move as cidades, o poder público tem muita participação nesta realidade.
Primeiro porque não investe da forma necessária e inteligente na prioridade que o transporte público precisa ter no espaço urbano, ainda na maior parte das cidades. Não é nada rara a cena que irrita os passageiros: entrar em um ônibus apinhado de gente, ir praticamente esmagado, e olhar pela janela e ver que logo atrás está se aproximando um ônibus da mesma linha vazio. Mas, nem sempre dá para confiar e deixar o lotado passar.
O empresário de ônibus anda com um veículo cheio “perseguido” por um vazio porque quer? Claro que não. Ocorre que, sem nenhuma prioridade, os ônibus ficam presos no mesmo trânsito que os demais veículos que juntos ocupam muito mais espaço público e transportam menos pessoas.
Assim, soluções como faixas de ônibus e corredores devem estar nos planos de mobilidade até mesmo das cidades menores.
Outra questão importante é a forma de concessão dos serviços de transporte público. A remuneração apenas por passageiro transportado “tenta” o empresário mais conservador (ou com pouca visão) a entender que quanto mais lotado o veículo, maior será o lucro.
Especialistas em transportes dizem que uma fórmula que mescle remuneração por passageiro transportado, quilômetro rodado (viagens realizadas) e indicadores de qualidade trazem os resultados mais interessantes para empresário, poder público e, principalmente para os passageiros.
A população também pode contribuir. Vandalismo tira ônibus e trem de circulação e isso é um grande problema que interfere na qualidade dos serviços e na lotação. Algumas empresas precisam afastar diariamente até 10% de sua frota de trens ou ônibus para consertar avarias. Esses 10% poderiam ser cobertos por uma frota reserva. Mas se a frota reserva quebra ou também é danificada, a população fica sem transporte.
Isso sem contar que as autoridades precisam de fato colocar em prática leis que punam severamente os criminosos (que não podem ser tratados como simples vândalos) que queimam ônibus. Aliás, punir quem queima e quem manda queimar também, muitas vezes chefes de pontos de tráfico de drogas ou mesmo do crime organizado.
Lucro no transporte
Outro ponto importante é entender o que é lucro no transporte. Não é apenas o retorno para o operador de trem, metrô ou ônibus, mas é o ganho social e econômico que a população tem e até mesmo os ganhos políticos dos quais o gestor público pode se beneficiar. E isso só vem por bons serviços. Transporte de qualidade traz lucro para todos.
Vamos refletir!
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*Adamo Bazani, é jornalista da rádio CBN, especializado em transportes