O tema da mobilidade urbana está em pauta nas agendas das políticas brasileiras. Isso, não apenas pelo final do prazo para que os municípios se adequem à Lei 12.587 de 2012 (Política Nacional de Mobilidade Urbana), mas sobretudo pelo interesse decorrente da necessidade social.
Hoje o trânsito afeta toda a população, independente da classe social ou renda familiar. Neste século assistimos ao avanço do poder aquisitivo das classes mais baixas e o crescimento geométrico do número de automóveis, em função do maior acesso ao crédito. A frota de automóveis em São Paulo, assim como em todo país, cresce muito mais rápido do que a população. Nos últimos dez anos, a população aumentou 7,9% na capital paulista, enquanto a frota de carros cresceu 68,2%, segundo o Observatório das Metrópoles.
Um dos pontos fundamentais da cidade democrática é oferecer alternativas de deslocamento, independente dos custos de sua utilização. E este é um dos motivos dos protestos em relação à mobilidade: os manifestantes não protestam somente contra o preço do transporte, e sim pelo direito de acesso à mobilidade, que é um fator muito importante em uma sociedade extremamente desigual como a brasileira.
Uma cidade com boa mobilidade é uma cidade que oferece igualdade de oportunidades à sua população. Uma cidade pode ter uma infinidade de equipamentos públicos, mas precisa oferecer igualdade de acesso a eles. Caso contrário, é como se não existissem.
Mudanças na mobilidade também são extremamente necessárias para garantir a competitividade das cidades e de sua mão de obra. As horas gastas nos deslocamentos diários reduzem o tempo de lazer das pessoas e somam-se indiretamente ao tempo de trabalho e, na prática, reduzem o valor da hora trabalhada de toda a população.
Deste modo, para uma cidade continuar atrativa ao capital humano e financeiro é necessário que ela ofereça uma boa infraestrutura e que garanta opções de deslocamento com conforto e segurança para toda a população, independente da renda e do modo como cada um queira deslocar-se: andar a pé, de bicicleta, de transporte coletivo ou de carro. Assim, andar de automóvel passa a ser uma opção e não uma necessidade.
O mandato de quatro anos com uma reeleição que o referenda para mais quatro anos se torna uma armadilha para prefeitos com vontade de mudar, mas que não elaboraram um planejamento prévio. Nesse afã de renovar suas cidades, adotam medidas que são inicialmente impopulares e, desta forma, pode não haver tempo hábil em apenas um mandato para que sejam reconhecidas, corrigidas e aprovadas pela população, e assim consolidadas.
Em São Paulo, por exemplo, as melhorias que estão sendo implantadas não fazem parte de um planejamento de mobilidade estruturado. Nascem sim da vontade política de um prefeito que está colocando suas promessas de campanha em prática.
Como não havia anteriormente um bom planejamento de mobilidade, passou-se a implantar estudos do transporte coletivo da gestão anterior do mesmo partido, no caso o governo de Martha Suplicy de 2001 à 2004, que à época integrava o PT. Esses estudos, elaborados há mais de dez anos, não levavam em conta o planejamento cicloviário e a recente revalorização do transporte a pé, ou seja a mobilidade como um todo. Assim, obviamente, surgem conflitos de implantação.
Sobreposição de redes, formando um sistema intermodal de circulação viária
O sistema de corredores de ônibus não foi pensado de maneira integrada com a rede de ciclovias, que por sua vez não chega a ser um sistema cicloviário, pois um sistema cicloviário deve ser pensado para o deslocamento porta a porta, mesmo que implantado por etapas.
Ele deve ter um objetivo que logicamente não é a implantação de ciclovias em todas as ruas da cidade ou uma enorme extensão, e sim a eficiência medida pela praticidade, conforto e segurança: integrar a rede de ciclovias ao sistema de transportes da cidade, formando um sistema.
Mobilidade urbana se faz com integração: são subsistemas pensados de forma independente, mas integrados e convergentes para o mesmo objetivo. Cada sistema deve funcionar como complemento e apoio ao outro, com o mínimo de conflitos. O que estamos vendo em São Paulo são novas soluções pensadas de maneira tradicional. Sobra vontade política, mas falta planejamento.
Como ciclista, eu agradeço as ciclovias recém-implantadas em São Paulo. Como urbanista, peço mais coerência e planejamento integrado.
Exemplos de integração de planejamento: pedestres, ciclistas, transporte coletivo e carros
Proposta para capacidade viária de 30.000 pessoas hr/sentido, contemplando carro, ônibus e bicicleta
Proposta para capacidade viária de 33.000 pessoas hr/sentido, contemplando carro, ônibus e bicicleta
Calçada em São Paulo
Fotomontagem: Calçada em São Paulo – Etapa 01
Fotomontagem: Calçada em São Paulo – Etapa 02
* Ricardo Correa é urbanista formado pela Faap/SP, é mestre em Planejamento Urbano e Regional pela na FAU/USP e sócio-fundador da TC Urbes, empresa que desenvolve planos e projetos de humanização de cidades em todo território nacional.
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