No DF, população faz ação inusitada para cobrar melhorias nas calçadas

Pessoas sem deficiência usam cadeiras de rodas, vendas nos olhos e bengalas, para sentir na pele os desafios de acessibilidade

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Fonte: Jornal de Brasília  |  Autor: Ingrid Soares e Manuela Rolim  |  Postado em: 27 de abril de 2015

Calçadas irregulares, ou com problemas são alvo de

Calçadas irregulares ou com problemas são alvo de campanha

créditos: Matheus Oliveira

 

Calçadas obstruídas, descontínuas e desniveladas. A situação atrapalha a vida de todo mundo, principalmente de pessoas com dificuldade de locomoção. Para chamar a atenção para o problema, duas iniciativas estão sendo promovidas pela sociedade. Na 115/116 Sul, pessoas sem deficiência usaram cadeiras de rodas, vendas nos olhos e bengalas, para sentir na pele os desafios de acessibilidade. Em Vicente Pires, uma campanha inusitada também cobra providências do poder público.

 

Cansado  de esperar uma mudança, o morador de Vicente Pires Gilberto Eliazário Camargo  teve uma ideia:  a partir de montagens fotográficas, colocar autoridades  em cadeiras de rodas, “tentando” andar pelas calçadas. Na mão do personagem da vez, a seguinte frase: “E se fosse eu?”.

 

Presidente da Associação dos Moradores de Vicente Pires (Amovip), Camargo diz que 98% das calçadas são utilizadas de forma irregular. “Tudo é   invadido pelos comerciantes. As autoridades dizem que vão tomar providências e nada. Aqui temos 43 cadeirantes e eles quase não saem de casa  porque as calçadas não possuem largura suficiente, muito menos rampas”, diz.

 

Carrinho de bebê

Morador da região há dez anos, o professor Jonata José Pereira, 32,  empurrava o carrinho com o filho de um ano, com dificuldade. “Para passar com o carrinho, preciso   desviar dos obstáculos. Tem gente estacionando carro  onde é a nossa calçada. É literalmente uma terra sem lei. Manda quem tem comércio”, desabafa.

 

Ele relata  que, em um dia chuvoso, pediu ao dono de uma caminhonete que retirasse o veículo da calçada para que pudesse passar. Sem sucesso, teve que esperar, colocar o filho no colo e atravessar pela água.

 

Para a moradora Almerinda Vieira Pacheco, 67, os produtos que ficam no meio do caminho atrapalham a circulação: “Quase já fui atropelada. Sou obrigada a andar no meio da pista para dar lugar às coisas. A própria sociedade não tem a educação de se colocar no lugar do outro. Precisamos que a fiscalização faça algo concreto”.

 

Na Rua 4B, há calçadas estreitas, pneus e blocos de concreto no meio do caminho do pedestre. Na  Rua 5, uma rampa de garagem mede 1,20m, invadindo a calçada.

 

Produto exposto na área de passagem

Comerciante de uma loja de bicicletas, Danilo Medeiro Linhares,   23, admite que  a loja exibe modelos na área externa. “Sei que às vezes atrapalha o pedestre, mas o espaço que temos é pequeno”, justifica.

 

A aposentada Vivian Lilia Piveta  sentiu na pele a dificuldade para se locomover. Com a perna engessada e utilizando muletas, foi andando com cuidado para não sofrer um novo acidente: “Se está ruim para mim, imagina para os cadeirantes.  Tem lugares que nem calçada tem”. Ela relata que o pai, idoso,  levou um tombo em uma calçada desnivelada e fraturou o osso do ouvido. Dessa vez, em Taguatinga.

 

De acordo com a assessoria  da Vice-Governadoria do DF, desde 4 de março, quando assumiu como administrador interino, o vice-governador  Renato Santana tem coordenado   ações com os órgãos de fiscalização   a fim de pontuar os problemas mais graves e as possíveis soluções.

 

A  Agefis tem feito   operações de notificação  em relação à venda de produtos nas calçadas e lembra que   é proibido expor produtos nas calçadas, salvo sob autorização. O telefone para denúncias é o 162.

 

Experiência ressaltará dificuldades

A deficiência não está nos portadores de uma lesão, mas na falta de acessibilidade das estruturas urbanas. Portanto, o problema está nas calçadas quebradas, ausência de rampas, presença de buracos, falta de elevadores no transporte público e, inclusive, na falta de respeito da população. Foi pensando nisso que o Instituto Konverto criou a campanha Acessibilidade e Cidadania, lançada na CLS 115/116, na Asa Sul.

 

Na ocasião, os visitantes foram convidados a usar cadeiras de rodas, vendas nos olhos e bengalas. A ideia foi fazer com que as pessoas sentissem na pele os desafios de um deficiente nas ruas do Distrito Federal. Além disso, foram oferecidas cartilhas de esclarecimento sobre o assunto e atividades recreativas. Entre elas, jogos da equipe de basquete em cadeira de rodas e do time de futebol de cegos do DF.

 

Segundo a presidente do Instituto Konverto de Educação para a Cidadania, Glória Portella, o projeto, criado em dezembro de 2013, surgiu pela união de pessoas com o mesmo objetivo: a acessibilidade. "O Konverto funciona como uma associação aberta a todos os interessados na causa. Hoje, o Distrito Federal não é acessível e as pessoas sempre dependem de alguém, não em razão da deficiência que possuem, mas em virtude da falta de estrutura", alerta a presidente.

 

Investimento

Diante da realidade, Glória ressalta as responsabilidades do governo, assim como a necessidade de educar os cidadãos. "Falta investimento em campanhas maciças, que têm o poder de educar as pessoas, transformá-las em cidadãos mais pacientes e acolhedores com os portadores de deficiência. Com a faixa de pedestres foi assim no DF e, até hoje, temos orgulho dessa conquista", completa.

 

A presidente do Instituto Konverto acrescenta ainda a questão dos idosos na capital. "A nossa luta também é pelos idosos que dependem de uma cadeira de rodas para se locomover, seja em razão de alguma lesão ou doença. Eles são, cada vez mais, maioria em nossa sociedade e, portanto, merecem mais condições", conclui.

 

Além das adaptações

Há 31 anos, o assistente social Paulo Beck, 50, vive em uma cadeira de rodas. Casado e com um filho, ele perdeu o movimento das pernas após um acidente de trabalho. Paulo quebrou a coluna vertebral ao tombar um caminhão que estava dirigindo.

 

Hoje, o assistente não nega as dificuldades enfrentadas no início, mas assume que a maior delas é a falta de acessibilidade. "Eu só saio de casa para lugares adaptados, sempre faço uma pesquisa antes. O problema é que não deveria ser assim, eu não deveria ter essa preocupação. Todo lugar tinha que ser adaptado. Os shoppings, normalmente, são bastante acessíveis, mas locais como os setores Comercial, Hoteleiro e de Diversões, Sul e Norte, são complicados. Além disso, as pessoas estão cada dia mais individualistas e impacientes", completa.

 

Paulo também é coordenador de Promoção de Direitos de Pessoas com Deficiência (Promodef) da Secretaria de Políticas para Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos do DF (Semidh). "O objetivo da Promodef é incluir as pessoas com deficiência em todas as áreas com qualidade. A acessibilidade vai muito além das rampas e dos banheiros adaptados", conclui o assistente social.

 

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