O jornalista Adamo Bazani preparou o artigo a seguir sobre um assunto que, nas suas palavras, é "primordial, importantíssimo, mas pouco discutido": a condição dos transportes metropolitanos no Brasil. No texto, Bazani ressalta o pouco que tem sido feito em favor destes serviços, apesar do muito que há para avançar. Uma das explicações, segundo ele, está "na cultura da política brasileira" de atribuir decisões sobre a mobilidade urbana a gestores municipais que, nem enquanto governos estaduais, ou mesmo como União, mostram comprometimento maior com o tema e, quando promovem avanços, estes são insuficientes. Leia na íntegra:
"Existe um aspecto na cultura política brasileira, fomentado ao longo de anos e promessas, que precisa ser mudado, caso contrário, milhões de cidadãos em todo o território nacional continuarão sofrendo e perdendo horas preciosas de suas vidas em longos deslocamentos: o transporte no país ainda é visto como algo essencialmente da “prefeitura”, da cidade. Isso ajuda explicar em parte porque, de uma maneira geral e com exceções, os transportes metropolitanos são ainda os que mais necessitam de evolução, melhorias e investimentos.
É fato que a partir do “fenômeno da Copa do Mundo”, que em relação à mobilidade trouxe muito mais avanços conceituais do que avanços práticos, a forma de encarar a responsabilização sobre os transportes passa por gradativas alterações, inclusive com o governo federal se envolvendo diretamente na mobilidade urbana, algo que há uma década era praticamente impensável.
Mas ainda há muito que se avançar sobre o comprometimento do poder público em relação ao transporte metropolitano. A população também precisa avançar em saber sobre de quem se deve cobrar. O Brasil encara o transporte como sendo algo só da cidade. Os estados, responsáveis pelas ligações intermunicipais, continuam numa postura que ainda beira a omissão. Como os governantes são movidos à popularidade política, é natural ver os administradores municipais mais presentes nas questões relativas à mobilidade urbana.
Quem usa sistema metroferroviário ou ônibus metropolitanos diariamente sente-se, na prática, abandonado. Além de ter de enfrentar distâncias maiores, justamente por causa da localização das cidades ao entorno das capitais, os serviços são insatisfatórios diante da demanda dos passageiros. Claro que generalizar é um erro, já que há sistemas metropolitanos que são exemplares, mas, de uma maneira geral, eles necessitam de maior atenção do poder público.
A qualidade de muitos destes serviços metropolitanos é resultado de uma fiscalização pouco profissional e até mesmo da falta de regulação por parte dos governos estaduais. Isso provém, muitas vezes, da ausência de comprometimento destes administradores para com os transportes entre as cidades.
Mais uma vez, a natureza da relação política que envolve o setor de transportes fica evidente. De maneira geral, o prefeito e o vereador estão mais próximos da população que os governadores e deputados estaduais e acabam sendo mais cobrados. A evidência da necessidade de maior comprometimento dos governos estaduais não está apenas na falta de regulação e fiscalização, mas de investimentos mesmo.
Um exemplo é o Estado de São Paulo. A região metropolitana de São Paulo é formada por 39 municípios e, de acordo com estimativa da Seade - Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados, de 2014, possui mais de 20 milhões e 200 mil habitantes.
Boa parte desta população apenas reside nos municípios vizinhos e se desloca diariamente para a capital, onde estão as melhores oportunidades de emprego e de educação, como revelou a pesquisa divulgada nesta semana pelo IBGE.
O ideal é que todos os municípios ofereçam renda e possibilidade de crescimento perto da casa do cidadão, evitando longos e cansativos deslocamentos. Mas isso envolve uma série de setores e mudanças estruturais econômicas que não se dão em curto ou médio prazo.
Assim, a região metropolitana de São Paulo necessita para oferecer dignidade aos contribuintes de uma malha de transportes intermunicipais que atenda às necessidades de ir e vir diante a realidade econômica da região. Mas na prática, o que ocorre?
O metrô do estado de São Paulo é formado apenas por “linhas municipais”. As seis linhas da CPTM - Companhia Paulista de Trens Metropolitanos atendem uma parcela significativa da região, mas o sistema carece e muito de modernização e nitidamente não suporta a atual demanda. Corredores de ônibus de alta velocidade – BRTs são soluções ideais para demandas médias e ligações pontuais, o que resolveria o problema de muita gente que se desloca para a capital. Mas quantos BRTs metropolitanos existem em São Paulo?
O sistema do Corredor Metropolitano ABD, o mais antigo em funcionamento, que liga São Mateus, na zona Leste da Capital Paulista, ao Jabaquara, na zona Sul, passando por municípios do ABC tem alta aprovação por parte dos passageiros, apesar de necessitar de modernização. É um exemplo de que com investimentos dentro da realidade econômica das cidades e do estado pode-se garantir mais agilidade e comodidade para os passageiros.
Na região metropolitana de Curitiba, cujo sistema é considerado modelo operacional até para outros países, apesar também de necessitar de modernização, a expectativa é para que a Linha Verde, formada por corredores de ônibus, se torne metropolitana de fato avançando para a cidade vizinha de Fazenda Rio Grande.
A cidade do Rio de Janeiro tem sistemas de BRT que, mesmo com as críticas que recebem, melhoraram os deslocamentos e comprovadamente diminuíram o tempo de viagem, como o Transoeste e o Transcarioca. Mas o Estado necessita de linhas metroviárias com maior eficiência e BRTs que ligam a capital fluminense às cidades vizinhas.
Quem mora no centro do poder e precisa de transporte metropolitano/intermunicipal/suburbano também sofre. Os serviços de ônibus do entorno do Distrito Federal são alvos de muitas críticas, e com razão, por parte dos passageiros.
A necessidade de haver uma mudança cultural sobre os transportes metropolitanos pode ser constatada na lei 12.587, de 3 de janeiro de 2012, assinada pela presidente Dilma Rousseff, que institui as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana, ou simplesmente conhecida como “Lei da Mobilidade Urbana”.
São poucas as referências sobre os transportes metropolitanos, apesar de haver, o que abre algumas brechas de responsabilidade para os estados. Mesmo assim, se estas diretrizes fossem seguidas de fato já haveria melhorias. O capítulo 17, do artigo IV (das atribuições) deixa bem claro o papel das secretarias metropolitanas e dos governadores, prevendo a necessidade de atendimento de transportes com integração entre as cidades conturbadas (quando uma se emenda na outra criando uma interdependência territorial, econômica e social):
I - prestar, diretamente ou por delegação ou gestão associada, os serviços de transporte público coletivo intermunicipais de caráter urbano, em conformidade com o § 1º do art. 25 da Constituição Federal;
II - propor política tributária específica e de incentivos para a implantação da Política Nacional de Mobilidade Urbana; e
III - garantir o apoio e promover a integração dos serviços nas áreas que ultrapassem os limites de um Município, em conformidade com o § 3º do art. 25 da Constituição Federal.
Parágrafo único. Os Estados poderão delegar aos Municípios a organização e a prestação dos serviços de transporte público coletivo intermunicipal de caráter urbano, desde que constituído consórcio público ou convênio de cooperação para tal fim.”
Já não é nada fácil morar longe do trabalho e da escola ou faculdade. Percorrer diariamente 20 quilômetros, 30 quilômetros até 40 km de distância num único sentido de viagem não é opção, mas a única alternativa para milhões de brasileiros.
E muitos destes milhões literalmente desperdiçam precioso tempo de descanso, com a família ou que poderia ser direcionado aos estudos não simplesmente por causa da distância, mas pelo fato de as ligações metropolitanas não receberem a atenção que merecem. Em resumo, pelos transportes metropolitanos não serem bons.
As cidades não são ilhas e as políticas de transportes devem pensar em integrações, deixando de lado partidarismos políticos. E isso vale também para os prefeitos. É necessário estruturar o transporte municipal oferecendo condições para que os passageiros da cidade continuem sua viagem no sistema municipal vizinho ou num metropolitano.
Essa exigência deve estar na agenda de toda a sociedade."
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