O Rio que se transforma para os jogos de 2016 atravessa uma das maiores revoluções em mobilidade urbana em quatro séculos e meio de história. No entanto, especialistas estimam que ainda serão necessários pelo menos mais 50 anos de investimentos para a cidade se tornar modelo em sistemas de transportes. Eles alertam que, para isso, os esforços não podem acabar depois da Olimpíada.
Quatro engenheiros de transporte aceitaram o desafio do DIA, e fizeram exercícios de futurologia, apontando os projetos que deveriam virar realidade até a festa dos 500 anos da cidade, no próximo meio século. A expansão do sistema ferroviário reina entre as expectativas.
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O professor de Engenharia de Transportes da Uerj Alexandre Rojas acredita na concretização de uma linha de metrô estudada há mais de 40 anos: a ambiciosa ligação entre Rio e Niterói por baixo da Baía de Guanabara, após a criação da linha Estácio-Carioca-Praça 15, seguindo para São Gonçalo e Itaboraí. Essa era a proposta original da Linha 3, que desafogaria a Ponte e o Leste Fluminense.
Ele também imagina que o Rio do ano 2065 será a metrópole da frota de ônibus 100% elétrica — que não polui e reduz custos — e acessível, dos monotrilhos sobre vias expressas como a Avenida Brasil e a Linha Vermelha, das favelas interligadas por teleféricos e livre das vans. A única releitura permitida do passado é a expansão do Veículo Leve Sobre Trilhos (VLT), em construção no Centro, para outros bairros que já tiveram bondes.
“Acho bastante razoável ligar o Centro até Copacabana com o VLT, passando pelo Aterro e atendendo à região da Glória, Flamengo e Botafogo. Outra possibilidade é estender até São Cristóvão, já que se pensa em uma rodoviária lá”, aposta.
Para Eva Vider, mestre da UFRJ, o governo precisa rever os BRTs prometidos para a Baixada e a área de Niterói, São Gonçalo e Itaboraí, e construir linhas férreas para integrar essas regiões ao Centro. Ela também defende que os atuais corredores de ônibus sejam substituídos por infraestrutura ferroviária.
“Precisamos de linhas transversais de trem ou VLT para que seja montada a rede sobre trilhos da Região Metropolitana. Fazer BRT é uma solução temporária, porque é um transporte de média capacidade”, diz Vider.
Para desafogar o trânsito, Paulo Cézar Ribeiro, da UFRJ, propõe linhas de barcas para onde for possível, entre o Centro e locais como Magé, Caxias, São Gonçalo, Fundão e Botafogo. “É uma alternativa econômica, porque só precisa dos terminais e dos barcos”, destaca.
Já para o engenheiro Fernando MacDowell, da PUC, o Rio do futuro merece trens com intervalos menores e monitoramento computadorizado das vias férreas para reduzir os riscos de acidentes. Ele cobra também a execução de projetos já existentes de metrô, como a linha Gávea-Carioca, Estácio-Praça 15 e a Linha 3, além das expansões para o Recreio e Jacarepaguá.
Ansiedade e confusão
O carioca aguarda, ansioso e desconfiado, a entrega de um Rio repaginado no ano que vem, mas, enquanto isso, reclama das obras e se perde em sua própria cidade em meio a tantas mudanças. Desde o início da revitalização do Centro, centenas de linhas de ônibus tiveram seus trajetos alterados. Nos dias seguintes às mudanças, a cena se repete: muita gente desencontrada. O copeiro Yago Teixeira, 18, sentiu dificuldade quando soube, meses depois, que seu ônibus tinha mudado de ponto no Centro. “Deveria ter alguém para dar informação”, disse.
A inauguração do primeiro corredor BRT, o Transoeste, em 2012, dividiu não só as vias entre ônibus e carros. Dividiu eras. A era pré e pós-BRT. E muito nativo, que se desloca todo dia ou ocasionalmente, ainda nem sabe como andar nesse tal de “Bus Rapid Transit”.
Morador de Irajá, o marceneiro Rosivaldo Pantoja, de 37 anos, levou 3 meses para descobrir que o Transcarioca passava perto de seu trabalho. “Um amigo que me contou que eu podia descer num local próximo e andar por 10 minutos”, lembra.
Transportes chegaram 200 anos após a fundação
Não é de hoje que os transportes andam em marcha lenta para os cariocas. A cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro esperou mais de 200 anos para receber seu primeiro meio de transporte coletivo. O registro da linha férrea inaugural é de 1858, segundo o professor João Baptista Ferreira de Mello, coordenador do Projeto Roteiros Geográficos do Rio, da Uerj.
O primeiro trecho da Estrada de Ferro D. Pedro II ia da atual estação Central do Brasil (Aclamação, na época) até Queimados. “Em 1838, havia barcas ligando a Praça 15 ao Largo do Carmo, Botafogo e Niterói. Mas a expansão da urbe carioca só foi possível efetivamente com a chegada dos trens e dos bondes”, ressalta João Baptista, lembrando que o bonde, puxado por burros, surgiu dez anos depois do trem.
No início, esses veículos transportavam mercadorias rurais e, aos poucos, passaram a atender à população. O bonde começou servindo à elite, nas regiões centrais e na Zona Zul. Já o trem, que criou o estigma do sujeito “suburbano”, promoveu o desenvolvimento dos núcleos urbanos das áreas periféricas.
“O trem tem um estigma, porque consegue levar as pessoas de baixa renda para os subúrbios. O suburbano, por muito tempo, foi quase um xingamento no Rio de Janeiro”, lembra.
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