Bogotá avança em ciclovias, mas prioridade ainda é do carro

Mobilize Brasil foi a Bogotá (Colômbia) para ver a rede cicloviária e o sistema de ônibus Transmilênio. Neste primeiro texto, Yuriê Cesar fala da cidade e suas bicicletas

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Fonte: Mobilize Brasil  |  Autor: Yuriê César / Mobilize Brasil*  |  Postado em: 18 de fevereiro de 2015

Vista aérea de Bogotá

Vista aérea de Bogotá: cidade plana a 2.600 m de altitude

créditos: Wikipedia


Após rodar pouco mais de 30 km de bicicleta em Bogotá, deu para ter uma ideia de como a cidade funciona para os ciclistas. Antes é preciso dizer que a capital da Colômbia tem muitos carros, muitos táxis e muitos micro-ônibus (as busetas) que param em qualquer lugar, inclusive nos cruzamentos. 

 

Aquela placa “Nunca tranque o cruzamento” (e similares, tão comuns nas cidades brasileiras) seria muito útil em Bogotá. Os motoristas adoram uma buzina, e é impossível ficar parado em um cruzamento e não ouvir ao menos uma buzinada a cada minuto. Apesar disso, não recebi nenhuma buzinada enquanto pedalava pelas ruas; o trânsito é caótico pelo excesso de carros, mas, pela experiência que tive, os motoristas parecem respeitar os ciclistas. No total, são 392 km de vias cicláveis na cidade.



Mapa Cicloviário de Bogotá
 

A cidade é bem plana, apesar de alta (fica a 2.630 metros de altitude), o que proporciona um clima seco e com temperaturas amenas, facilitando o uso da bike. Mas também é bem grande, espalhada. São 7,8 milhões de pessoas (incluindo todas as cidades e povoados vizinhos, a população passa dos 8,5 milhões) que vivem em uma cidade com prédios baixos devido ao risco de terremotos que podem, literalmente, afundá-los, já que a cidade está localizada sobre um antigo lago.  

 

No centro antigo, La Candelária, estão a sede do governo nacional, a residência oficial do presidente e a prefeitura, além de muitos prédios históricos, museus e universidades. Este mantém as construções antigas e ruas estreitas. o que contrasta bastante com a parte norte da cidade, a mais nova e mais valorizada, com prédios modernos e muitos shopping centers. 

 

Transmilênio: o BRT colombiano
O sistema de transporte Transmilênio está presente nas principais vias de Bogotá. São corredores de ônibus inteligentes que ocupam as faixas centrais (geralmente duas em cada sentido), restando mais quatro a cinco faixas para automóveis, em cada mão de direção. Calçadas razoavelmente bem cuidadas e ciclovias em ao menos um dos lados completam os corredores de mobilidade de Bogotá. 

 

A rede do Transmilênio tem 112,9 km, com 137 estações e 12 linhas (como se fossem linhas de metrô). Treze das 137 estações contam com bicicletários, o maior deles com 785 vagas de uso gratuito. 

 

Mapa do Transmilênio

 

Bicicletas
Apesar dos quase 400 km de ciclovias, é muito comum ver ciclistas pedalando pelas ruas. Isso porque as ciclovias são, na maioria das vezes, parte das calçadas, e, quando as calçadas ficam mais estreitas, as ciclovias simplesmente desaparecem. Mesmo nas vias principais, mais caóticas e movimentadas, e com tráfego intenso, é comum ver os ciclistas circulando em meio aos carros, às vezes até na faixa esquerda, em vez de utilizar as ciclovias existentes.

 

Ciclista em meio aos carros apesar da ciclovia (Foto: Yuriê César / Mobilize Brasil)

 

Não é fácil encontrar as ciclovias de Bogotá e às vezes é difícil até mesmo saber em que lado da via ela está localizada. Explico: em muitos lugares a ciclovia se confunde com a calçada e não há nenhum tipo de sinalização indicando sua presença, ou a delimitação da faixa de calçada que cabe aos pedestres ou ciclistas. Em vários momentos o mapa indicava a existência de uma ciclovia, mas eu não conseguia localizá-la e acabava concluindo que a tal ciclovia não mais existia. 

 

 
 

Ciclovias antigas e novas, nas duas, a preferência é do automóvel (Foto: Yuriê César / Mobilize Brasil)

 

Assim como em muitas cidades do Brasil, é comum encontrar ciclovias que acabam no nada. Não existe continuidade nos cruzamentos (a preferência é sempre dos automóveis, com placas indicando que os ciclistas devem parar ou dar a preferência) e, em muitos casos, o pavimento não é o ideal, mas é melhor do que o das ciclovias brasilienses e das ciclofaixas paulistanas. As mais novas (que inclusive não constam dos mapas turísticos) têm bom pavimento e boa sinalização nos cruzamentos, e já contam com a sinalização indicativa dos destinos. Mas, em geral, as ciclovias não têm qualquer sinalização. 

  

Ciclovia acabando no nada (Foto: Yuriê César / Mobilize Brasil)

  

O lado positivo é que as ciclovias de Bogotá constituem realmente uma rede: é possível cruzar toda a cidade pedalando, mas não por dentro dos bairros, pois essas vias costumam estar nas ruas principais. Ou seja, sempre será preciso pedalar na calçada ou nas ruas.

 

Em muitas ruas da cidade a velocidade máxima permitida é de 30 km/h, porém não há nenhum tipo de fiscalização, Daí que os motoristas não costumam respeitar o limite de velocidade, e o trânsito aparenta andar a 60 km/h, mesmo quando as placas indicam 30 km/h. Algumas ciclovias estão localizadas nessas áreas com velocidade reduzida, mas totalmente segregadas no canteiro central. Ou seja, parece que as autoridades assumiram que a limitação de velocidade não funciona na prática.

 

Como a prioridade é sempre dos automóveis, as ciclovias estão quase sempre posicionadas no canteiro central e não possuem nenhum tipo de facilidade para o acesso do ciclista, que "fica preso lá no meio", só sendo possível sair ou entrar nos cruzamentos. Apesar do grande número de ciclistas circulando pela cidade, praticamente não vi bicicletas estacionadas nas ruas, postes e grades, ou nos bicicletários mantidos pelo comércio e afins. Parece que o temor de roubos impede que as bikes sejam deixadas nas ruas. E não é por falta de locais para prender a bicicleta, porque em toda a cidade as árvores são “protegidas” por uma espécie de cerca em formato de U invertido, o melhor modelo de bicicletário existente.

 

Vi muitas pessoas pedalando, aparentemente de todas as classes sociais, porém muito mais homens que mulheres. E há bicicletas de todos os tipos: boas, caras, ruins e velhas. Pude ver também muitas pessoas carregando grandes objetos ou levando um carona no quadro. E muitas, muitas bicicletas motorizadas.

 

Passei pelo cruzamento entre a Calle 63 e a Carrera 68, que possui uma estrutura bem interessante para separar a bicicleta dos automóveis em um cruzamento movimentando: os carros passam por baixo e por cima e a bicicleta pelo meio. Porém, a solução não agrada a todos os ciclistas e no pouco tempo que fiquei observando pude notar alguns ciclistas preferindo pedalar junto dos carros a circular na rota definida para a bicicleta.  

 

Cruzamento Calle 63 x Carrera 68: ciclistas passando pela ciclovia do cruzamento e pela via (Fotos: Detalhe de ClaudiaJ/Panorâmio | Foto maior: Yuriê César) 

 

Incentivo ao uso das bikes

Nos jornais e nos materiais impressos a bicicleta está sempre presente, sendo valorizada em propagandas da prefeitura e comerciais. É claro o esforço do governo em promover o uso da bike. Nas manhãs de domingos e feriados diversas ruas da cidade são abertas para as pessoas, no dia da chamada "Ciclovia", operação que existe desde 1976. É impressionante a quantidade de pessoas que ocupam as ruas nesse dia, pedalando, correndo, patinando, caminhando e passeando. São mais de 1,4 milhões de pessoas em cada evento.

   

Ciclovia no domingo: desde 1976 (Foto: Yuriê César/Mobilize Brasil)

 

Se, no Brasil, a bicicleta começa a se mostrar como alternativa ao crescente número de carros e engarrafamentos nas cidades, em Bogotá a bicicleta, aliada ao Transmilênio, já é uma ótima opção de transporte, mas que ainda esbarra na falta de infraestrutura, na poluição (as busetas são muito poluentes), na extensão da cidade e na prioridade que ainda é dada ao automóvel.
*Edição: Marcos de Sousa

Leia a reportagem especial sobre o Transmilênio

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