Estávamos trabalhando exatamente em cima do tema das ciclovias paulistanas e fomos "furados" pela revista Veja SP, com sua polêmica matéria de capa. Para encurtar a história, reproduzimos o texto de Rafael Calabria, do blog “Diário da Mobilidade“, que lucidamente esclarece a confusa matéria publicada pela revista semanal.
"Com a obra da ciclovia da avenida Paulista, as vias para bicicletas paulistanas que já vinham suscitando discussões ganharam ainda mais destaque, e com isso mais mídia. Em sua edição desta semana, a revista Veja entrou nesta discussão, porém de maneira atrapalhada juntando estruturas com custos diferentes e fazendo uma comparação descabida. A revista somou ao valor que a prefeitura falou que iria gastar com ciclofaixas, ou ciclovias não segregadas, o valor gasto com ciclovias, e comparou esse valor com o de ciclofaixas pelo Brasil e pelo mundo, resultando numa análise desproporcional.
Antes que diga que se quer partidarizar a discussão, estamos aqui defendendo a infraestrutura cicloviária seja em que governo for. A crítica da revista focou na infraestrutura municipal e não citou a estadual, e estamos respondendo a esta crítica. Mas há outros exemplos fora da inciativa municipal que mostram que os valores que a revista comparou não são comparáveis: a ciclovia da Marginal Pinheiros que custou R$720 mil o quilometro foi obra estadual, e a ciclo-passarela do Parque de Povo, de poucos metros, custou R$80 milhões e foi uma obra da inciativa privada, e como irá se mostrar adiante estes valores não são desproporcionais, são infraestruturas diferentes com necessidades diferentes. Este texto pretende explicar essa diferença.
PS: O trabalho do Tribunal de Contas do Município deve ser feito e nada tem a ver com as contas embaralhadas que a Veja fez, inclusive a Ciclovia da Faria Lima é analisada pelo órgão desde a década de 1990.
Vamos separar os números:
A própria revista fala que até hoje foram construídos 156km com R$39 milhões, o que resulta num valor de R$250 mil por quilometro de ciclofaixa, com uma margem de erro considerável perante os R$200 mil, mas que poderá ser diluída até acabar o projeto. Estas são as ciclovias não segregadas ou ciclofaixas.
Após isso, a revista soma os valores gestos com ciclovias segregadas escolhidas aleatoriamente – Paulista e Faria Lima, esquecendo outras como as da Marginal, do Monotrilho, ou dos corredores – que terão 41 quilômetros e não 21 como foi dito, somando os R$ 77 milhões.
Mas por que tanta diferença?
Começando pelo mais simples, o próprio órgão federal de estradas dos EUA estima (neste manual) que uma ciclofaixa simples custaria entre R$340 mil e R$950 mil, e uma ciclovia segregada entre R$1 e R$9 milhões por quilometro, deixando claro a enorme variação ocorre entre os dois tipos de obras de implantação desta infraestrutura.
As diferenças entre as obras de implantação de vias segregadas e não segregadas são enormes. As ciclovias não segregadas são mais simples, necessitando de infraestruturas que variam entre sinalização vertical, horizontal, pintura e semáforos, e outras pequenas intervenções.
Já as ciclovias segregadas necessitam de muito mais mão de obra. Para se restringir aos nossos exemplos: a ciclovia da Paulista com 4km de extensão irá custar cerca de R$3,5 milhões por quilometro pois ela necessitará de reacomodação de grelhas do metrô, postes, floreiras, relógios de rua, remodelação de calçada, inclusão de guarda-corpo, readequação das faixas do carro entre outras coisas.
Quanto aos exemplos internacionais, claramente a revista se focou apenas em exemplos de ciclofaixas, pois não é difícil se encontrar exemplos de ciclovias com valores coerentes com os citados pelo manual norte-americano: Sydney acabou de enviar R$12 milhões para finalizar uma ciclovia de 2km, Londres aprovou uma ciclovia fantástica de R$172 milhões e 9km, e Nova York planeja investir R$200 milhões para completar os últimos 2km de uma de suas mais trabalhosas ciclovias, estes valores certamente extrapolam os valores das médias citadas pela revista Veja.
Independente do valor gasto por quilometro em ciclovias ou ciclofaixas, a visão focada no gasto é míope, pois não mede a economia e os ganhos que a cidade tem com a saúde de seus moradores, diminuição do tráfego de veículos, poluição, queda no número de acidentes fatais, menos acidentes pela redução da velocidade dos carros, produtividade, entre outros.
As cidades europeias e até as americanas já sentiram essa economia, e investem cada vez mais não apenas em ciclovias mas também em pedestres e outros modais não motorizados. Esperamos que a ideia se inflame também pelo nosso país, seja com ciclovias ou ciclofaixas, dependendo do que for o melhor adaptado para cada situação, e o que se adaptar melhor as possibilidades de cada prefeitura."
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