Ao que parece, o romance ocidental com o automóvel está chegando ao fim. Há menos carros nas ruas e as pessoas estão dirigindo menos do que dirigiam antes da crise de 2008. De acordo com os dados reunidos por Schroders (uma empresa de análise de mercado), nos Estados Unidos, o número de veículos por pessoas hoje é de 1,15 carros para cada motorista, um número que já foi de 1,2 em 2007.
Os jovens norte-americanos estão tirando a carteira de motorista mais velhos do que em 1983; e entre os britânicos com menos de 30 anos, o efetivo com carteira de motorista é menor do que nos anos 1990. Muitos jovens, além disso, nos dois lados do Atlântico, nem estão mais tirando a habilitação.
Segundo Katherine Davidson, analista de mercado da Schroders, isso pode muito bem significar o fim da cultura automobilística. O argumento é que as vendas de carros podem nunca mais voltar ao patamar anterior a 2008.
E são duas as razões apontadas pelos especialistas para isso: urbanização e os smartfones.
Automóvel não é mais um símbolo de status
A maioria da população global vive hoje nas cidades. E os jovens preferem ficar nas áreas centrais, diferentemente dos seus pais, que se mudaram para o subúrbio assim que a família aumentou.
Aproximadamente dois terços dos jovens adultos norte-americanos vivem nas cidades, e 40% dizem que vão sair. Para eles, “carros não são um símbolo de status, e tirar carteira de motorista não é mais um rito de passagem como era antes” escreve Davidson.
Os centros urbanos, claro, são menos agradáveis e podem sair caro para quem dirige, graças aos congestionamentos, às paradas frequentes e aos custos para estacionar. E a proliferação de smartphones, com aplicativos que permitem saber os horários em tempo real do transporte público e até permitem compartilhar caronas, criam uma sensação de que ter um carro é uma despesa desnecessária.
O gráfico abaixo mostra que o interesse em ter um carro aumentou à medida que a crise diminuiu, mas apenas aqueles com idade entre 55 e 64 anos demonstram mais interesse em ter um carro hoje. Fica evidente que, após 2011, o grupo de jovens entre 25 e 34 anos quase não aumentou no que diz respeito ao desejo de ter um automóvel.
Smartfones: um novo objeto de desejo
De outro modo, os telefones celulares também parecem limitar o uso do automóvel. Ao possibilitar que as pessoas fiquem facilmente em contato durante todo o dia, estes aparelhos reduziram o número de deslocamentos.
Danah Boyd, pesquisadora da Microsoft, notou este fenômeno no livro It’s Complicated (2004), onde observou o uso das ferramentas de comunicação entre os adolescentes. “As mídias sociais de hoje -- facebook, twitter, SMS e outras -- são o que o cinema drive-in e o shopping center representaram para as gerações de 1950 e 1980, respectivamente”, diz ela.
O comércio eletrônico também interfere na posse do automóvel. Se um supermercado pode entregar suas compras toda semana, aquelas viagens para hipermercados localizados nos arredores da cidade simplesmente foram tornando-se desnecessárias. O mesmo vale para as compras de outros produtos entregues em casa.
Novos modelos são necessários
O que significa isso para as montadoras? “Nossa perspectiva é que haverá uma estagnação nas vendas no mundo desenvolvido, sem aumento de demanda. No futuro, todas as vendas serão apenas para substituir um veículo antigo”, diz Davidson.
Nigel Griffiths, economista-chefe na empresa de pesquisa IHS, é ainda mais dramático: “Nós acreditamos que há uma mudança estrutural em curso. A questão é quão profundo será esse processo a longo prazo, mas estamos bem cautelosos em nossos modelos de previsão”, confessa.
Uma razão para isso é a dificuldade de entender transformações estruturais em conjunto com várias mudanças cíclicas. O preço da gasolina está diminuindo. As taxas de câmbio são voláteis. Não está claro quando a posse de automóveis vai estabilizar após a recessão. "Tudo isso deixa a questão bem nebulosa” diz Griffiths.
Os mercados emergentes também não são otimistas. O aumento do número de veículos nos países em desenvolvimento travou as cidades com engarrafamentos, resultado dos péssimos (ou em muitos casos, inexistentes) planejamentos urbanos.
Assim, de Mumbai a Nairobi, e por toda a China, enormes quantias de dinheiro estão sendo investidas no transporte público. Embora haja espaço para o crescimento do mercado automobilístico nestes países, os sinais indicam que os emergentes vão aprender com o Oriente, e adotar novas tecnologias, de modo a evitar continuar construindo suas cidades em volta de uma massa de automóveis.
Leia também:
Prefeito de Londres quer construir estrada para bicicleta
Viadutos são barreiras para pedestres na Grande Recife
Intervenções e projetos de mobilidade urbana em Fortaleza ganham destaque em 2015
Expulsando os pedestres da rua