A sociedade da pressa praticamente criou a necessidade da locomoção de maior risco. É o que se vê com as motocicletas e na pressa do pedestre nas travessias, muitas vezes pressionados pela força e poder dos veículos de maior porte.
A ONU propõe medidas como educação, fiscalização e punição. A fiscalização efetiva é fundamental, entretanto, a maior parte do tempo o condutor está livre de radares e de policiais. Portanto, é importante destacar a necessidade do estímulo à cultura da segurança no trânsito.
De 2011 a 2020, a ONU proclamou a Década da Segurança Viária. O Brasil é signatário e se comprometeu em reduzir 50% da mortalidade no trânsito brasileiro.
Países como Dinamarca e Suécia, entre outros, há anos vêm construindo a cultura de segurança no trânsito. Mesmo assim, recentemente foi feita uma pesquisa na Dinamarca que indagava sobre a necessidade de resgatar a ética no trânsito e 82% respondeu afirmativamente.
Como professor dos cursos médicos de Medicina de Tráfego, costumo ir a diversas capitais do Brasil. Para meu aprendizado, onde eu estiver, procuro dialogar com as pessoas sobre os riscos de acidente no trânsito.
Certa vez, no restaurante do hotel de uma dessas capitais, perguntei ao garçom:
- De cada dez motoristas desta cidade, quantos bebem cerveja e dirigem?
Ele respondeu: nove.
- Quantas cervejas você consegue beber e dirigir?
Ele disse: umas dez.
- Você sabe da lei do Álcool Zero para condutores?
E ele: sim, mas aqui ninguém obedece não.
Tanto a literatura sobre a percepção do risco no trânsito, como as vivências, mostram que esta varia de acordo com as comunidades, com suas crenças coletivas ou individuais. A crença na invulnerabilidade pode ofuscar as ameaças no trânsito, responsáveis por matar ou morrer.
Os desastres de origem humana, tais como acidentes de trânsito, não estão na linearidade, pois pertencem à complexidade.
A baixa percepção de risco, sem querer esgotar aqui o assunto, é encontrada em várias ameaças no trânsito: álcool e drogas ilícitas, velocidade, distração, sono, descumprimento das leis de trânsito.
Na beira do precipício, o risco de enxergar o perigo é inato, mas o risco das ameaças que descrevi acima a maioria de nós não percebe de imediato, e a cultura vem mantendo a cegueira destes riscos no trânsito.
Crenças x mudança cultural
O tempo e a experiência são mestres, e as informações e o conhecimento estão disponíveis para acelerar a mudança de cultura de segurança no trânsito. Entretanto, nem sempre a comunicação dos riscos que ameaçam a vida no trânsito basta para mudar a crença pessoal.
Por exemplo, as estatísticas mostram que o trajeto do passageiro que se dirige ao aeroporto de carro apresenta muito mais risco do que o vôo em que ele vai embarcar. Mas, será que o passageiro acredita nisso? Aqui se vê claramente que a ciência não conseguiu mudar uma crença pessoal.
Por outro lado, as ciências da Saúde conseguiram mostrar à sociedade alguns riscos, como por exemplo: hipertensão arterial, obesidade, sedentarismo, e tantos outros. Desse modo, aumentaram a adesão ao tratamento das pessoas expostas aos fatores de risco descritos na literatura científica. Ou seja, a ciência rompeu os muros da academia e vem ajudando na mudança de crenças.
Mortalidade em alta
A taxa de mortalidade por acidentes de trânsito no Brasil está em 22 pessoas mortas por ano em cada 100 mil habitantes. Comparada a países como o Reino Unido, onde a taxa é de 3 pessoas por ano para cada 100 mil habitantes, nossa taxa é sete vezes maior.
O Brasil é o quarto colocado no mundo em mortes causadas por acidente de trânsito.
O gráfico da mortalidade no solo brasileiro é ascendente. A tragédia ceifa 120 pessoas por dia. Mesmo assim, a atuação do poder público e dos profissionais da saúde (médicos e engenheiros de tráfego) no combate à epidemia da doença acidente de trânsito tem resultados insatisfatórios.
O poder público, a mídia e os profissionais da saúde, enfim, toda a sociedade consciente, precisa de um programa para interferir na educação, resgatar os valores éticos no trânsito e desmistificar a crença na invulnerabilidade.
É fundamental despertar para a fragilidade do bípede humano a pé, e também do bípede sobre rodas, e expandir a consciência de risco, estimulando uma mudança de comportamento frente às ameaças no trânsito. Enfim, a missão maior é elaborar um programa direcionado à cultura de segurança no trânsito.
Leia no próximo artigo de Roberto Douglas uma análise mais detalhada do tema da distração na direção veicular.
*O médico cardiologista Roberto Douglas Moreira é diretor da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet)
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