Um dos mais antigos meios de mobilidade individual, a bicicleta pode ser alternativa para o alívio do trânsito nas grandes cidades brasileiras. Para um piauiense de 54 anos, radicado no Distrito Federal há mais de 30, “a magrela” é mais do que um meio de mobilidade, é uma espécie de musa inspiradora para seus projetos arquitetônicos mais arrojados.
O professor da rede pública de ensino Reginaldo Alves da Silva é um sujeito simples, que no dia a dia usa uma sandália de couro com a tira passada por debaixo dos pés, camiseta sem detalhes e calça ou short folgados, de conforto evidente. Mas para fazer qualquer trajeto na rua, por mais curto que seja, coloca sua roupa de ciclista e capacete.
Reginaldo está quase sempre a bordo de uma bike, algumas delas projetadas pelo ele mesmo. Pode-se dizer que o ciclista é um “engenheiro que reinventa sua mobilidade”.
"Desde a infância era o único meio de transporte em Teresina (PI). Meu pai era pedreiro e eu meu irmão éramos ajudantes e a gente carregava os materiais na bicicleta para cima e pra baixo e eu sempre ficava pensando como aquilo tinha sido feito. Na infância eu já tinha a bicicleta no pensamento, mas o primeiro modelo que eu fiz foi em 1994."
Há 20 anos, depois de inúmeras tentativas, Reginaldo conseguiu concluir o primeiro modelo de sua autoria, a bicicleta em que se anda deitado. A engenhoca é fruto de outra bicicleta destruída para alongamento do quadro. Uma catraca na frente faz as vezes de guidão e outra acima da roda traseira, o pedal. Um banco maior que o convencional, que dá repouso à barriga e não as nádegas. É só deitar.
O primeiro modelo inventado é a bicicleta em que se anda deitado. Foto: Alisson Vasconcelos/ R7
"Se você anda deitado, o vento interfere bem menos, ele não te leva para trás e você consegue desenvolver uma alta velocidade além de exercitar ao mesmo tempo os braços e as pernas."
Até hoje foram quatro modelos inventados: a bicicleta em que se anda deitado, a que abriga duas pessoas, sendo que o passageiro “pedala com as mãos”, a adaptada para deficientes físicos e a que se pedala com pés e mãos ao mesmo tempo. Em curso, está a de alavancas, que não exige quase nenhum esforço do condutor.
A bordo de suas invenções, Reginaldo anda para todos os lados. Às quartas são 70 km entre o Gama e o Plano Piloto, onde participa de um curso profissional. Entre um extremo e o meio da cidade gasta cerca de 1h. Aos domingos, faz 150 km. Entre a casa e o trabalho, 5 km, só de bicicleta. O encanto para falar das bicicletas não é o mesmo para falar da vida de ciclista no trânsito do Distrito Federal, com pistas largas e engarrafadas, quase totalmente projetadas para os carros. Em uma frase, ele compara como é andar de bicicleta no DF e em Dublin, capital de Irlanda, onde morou por um ano.
"Em um cruzamento, os motoristas param para o ciclista passar."
Quando se fala de ciclovias, o amante das bikes reconhece melhorias, mas não deixa de citar percalços. O primeiro deles é a qualidade e os trajetos, que não seguem o mesmo das principais vias de ligação entre Plano e as outras cidades.
"A ciclovia não segue a reta, faz curvas distantes da pista. Eu fiz o teste, indo pela ciclovia, eu gasto 1h40 e indo à beira da pista eu gasto 1h, 1h10."
Ceilândia
Dados da Pdad (Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios) mostram que até 2011 quase 228 mil pessoas no DF eram como Reginaldo, tinham uma bicicleta em casa, média de 0,09 para cada habitante, número muito menor comparado ao de carros por habitante, um para cada dois habitantes ou 0,5 por habitante. Isso significa que o número de carros por habitante é mais de cinco vezes maior do que o número de bicicletas por morador (5,5 vezes). Em Ceilândia, está a maioria das bicicletas, pouco mais de 38 mil. A cidade também é a campeã em acidentes com mortes de ciclistas, 35 entre 2003 e 2013, segundo estudo do Detran - DF.
Apesar dos registros, Ceilândia não é a região administrativa que mais ganhou trechos de ciclovias, o que provoca uma crítica da Ong Rodas da Paz ao modelo do governo. A organização não governamental afirma que as ciclovias devem ter dois objetivos elementares, estimular o uso da bicicleta no dia a dia e combater os índices de mortalidade dos usuários.
"O governo ficou refém do quilometragem construída. Se você olha só isso, deixa outros valores de lado. Morreram 8 ciclistas no Plano [Piloto] e construíram mais de 50 km de ciclovias. Oito ciclistas foram mortos na EPTG mortos e desde 2007 tem promessa, uma legislação que obriga construção de ciclovias em rodovias, e nada foi feito. A cidade onde mais morreu ciclistas foi Ceilândia. Ceilândia tem 31 km de ciclovias", critica a secretária institucional da ong, Renata Florentino.
O primeiro contrato e execução de obras de ciclovias no DF aconteceu em 1999, com a construção de uma estrutura para o tráfego de bicicletas no Pistão Norte, em Taguatinga. De lá para cá, apenas em 2011, a quantidade aumentou. Em quatro anos foram construídos 550 km: 80 km de ciclofaixas (que não são vias isoladas e sim faixas nas pistas onde rodam carros, ônibus e caminhões) e 470 de ciclovias. O governo promete completar os 600 km até o final do ano.
Dados da Novacap de junho revelam que 15 cidades do Distrito Federal têm ciclovias, sendo que o Plano Piloto é a que mais tem, com 55,9 km de vias construídas. Guará e Paranoá são as que têm menos, com apenas 3 km. Uma lei distrital de 2005 obriga a instalação de ciclovias em todas as rodovias do Distrito Federal, mas muitas delas, como a EPTG, principal ligação entre Plano Piloto e Taguatinga, não tem essa estrutura, contrariando o projeto original da via.
O coordenador do Fórum de Mobilidade por Bicicletas do DF, Paulo Alexandre Passos, explica que o objetivo do Plano de Mobilidade por Bicicletas é a construção de ciclovias dentro das cidades com ligação ao comércio local e aos centros de trabalho.
"A nossa diretriz era primeiro levar o trabalhador da cidade para os terminais do transporte coletivo ou trabalhador do comércio local, áreas de serviços públicos. Isso foi feito no mundo inteiro. Primeiro se constrói nas cidades e depois nas rodovias para ligar uma cidade a outra."
Veja o infográfico aqui.
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