O quanto a cidade de São Paulo vai ganhar com a bicicleta?

Debate no Itaú Cultural faz a defesa das ciclovias e mostra os benefícios - à mobilidade, economia, saúde e qualidade de vida - que as magrelas trarão ao ambiente urbano

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Fonte: Mobilize Brasil  |  Autor: Du Dias / Mobilize Brasil  |  Postado em: 23 de setembro de 2014

Falzoni: bike pode promover uma 'revolução' na cid

Falzoni: bike pode fazer uma 'revolução' na cidade

créditos: Du Dias / Mobilize

 

Afinal, qual o papel da bicicleta na transformação da cidade e na melhoria da mobilidade urbana? A polêmica questão ocupa a atenção da mídia e de moradores de São Paulo desde que as ciclovias começaram a ser implantadas pela prefeitura há cerca de três meses. Para debater este tema, o banco Itaú, desenvolvedor do programa Bike Sampa, promoveu um debate com especialistas na última terça-feira (16), no Itaú Cultural, na av. Paulista. 

 

Um dos participantes foi a arquiteta, jornalista e cicloativista Renata Falzoni. Para ela, a bicicleta não deixa por menos; é sim capaz de promover "uma revolução", em especial como ferramenta do resgate da escala humana nas cidades. Apoiada em desenhos do artista plástico Reynaldo Berto, Falzoni fez sua apresentação de forma lúdica, e menos pautada em números, uma vez que acredita na 'conexão direta da bicicleta com a alegria da infância'. Em um tom descontraído, a ativista lembrou das palavras da lenda mundial do ciclismo, o norte-americano Gary Fisher, que uma vez lhe confidenciou que a bicicleta era a salvação do mundo, mas pediu a ela que mantivesse sigilo, do contrário lhes tomariam como loucos.

 

Os exemplos citados por Renata passaram por alguns dos quase 30 países por onde a ativista já pedalou durante sua carreira, como Japão, África do Sul e Alemanha. O país asiático apesar de apresentar uma enorme densidade demográfica, é exemplo de respeito entre as pessoas e um grau de civilidade invejável, notório nas relações manifestadas no espaço público. Já o país europeu chamou atenção pela organização política e educação, onde as crianças não podem ser matriculadas em escolas a mais de 2 km de suas residências e o transporte não pode, salvo raras exceções, ser realizado de carro. A maioria, portanto, vai de bicicleta, disse a criadora do portal Bike É Legal. Nestes casos, afirma, a bicicleta é de fato uma ferramenta formadora de cidadãos. 

 

A seguir, Falzoni explicou por que a bicicleta pode 'salvar o mundo': "Uma magrela carrega 10 vezes o seu peso; multiplica a energia do homem; tem maior eficiência energética; é uma ferramenta de inclusão; melhora a saúde e beneficia o meio ambiente; é o único veículo 100% sustentável", listou. 

 

“São 3 milhões e meio de pessoas que se deslocam em direção ao centro da cidade todos os dias”, e o espaço público não comporta que todos os deslocamentos sejam feitos com veículos individuais motorizados, observou Falzoni. Para ilustrar, ela apresentou uma tabela onde demonstra que, utilizando automóveis, apenas 170 pessoas por hora conseguem transitar numa via com um metro de largura; 1.500 de bicicleta; 2.700 de ônibus; 3.600 a pé e 4.000 de trem. Quando o assunto é a energia por passageiro, o carro assegura o seu posto de grande vilão, gastando muito mais do que qualquer outro modal.

 

A jornalista disse ainda que a grande vantagem da bicicleta sobre outros meios é sua simplicidade: “Ela traduz esforço em prazer." E concluiu destacando o direito dos ciclistas de circularem pelas vias com prioridade sobre os outros veículos: "Defendo 'com unhas e dentes' a disseminação das ciclovias por toda a cidade". 

 

Mais segurança e saúde

Outro convidado para o debate foi Daniel Guth, consultor em mobilidade, coordenador de implementação das ciclofaixas em São Paulo e coordenador da campanha nacional pelo IPI zero para bicicletas.  

 

Guth explicou que a bicicleta é um mecanismo que gera uma economia de rede por excelência, com mais benefícios à medida que cresce o número de usuários. E completa: “No caso da segurança pública, por exemplo, a bicicleta promove um outro uso do espaço, que coloca mais gente na rua, que se torna potencialmente mais segura”. Isso sem contar o número de colisões fatais no trânsito, que diminui significativamente quanto mais uma sociedade pedala, ou seja, se torna mais segura. 

 

“Quanto mais ciclistas nas ruas, menores são os gasto com saúde: 80% da perda de qualidade do ar em São Paulo é proveniente da queima de combustíveis pelos automóveis, que gera problemas respiratórios. Pedalar também reduz a obesidade, um problema cada vez maior no país.”, ressalta Guth. 

 

O consultor não deixou de contrariar os temerosos comerciantes das regiões onde foram implantadas as ciclovias recentemente: “Em Nova York, por exemplo, só na Nona Avenida e na Columbus, importantes centros comerciais, os negócios aumentaram 50% após a implementação das ciclovias”. Quanto mais ciclovias, maior a produtividade de uma região, cidade ou país, conclui. Ele diz que na capital paulista, onde o tempo médio gasto nos deslocamentos diários é de 2h43, quanto mais pessoas pedalando, menor é o número de motoristas, ou seja, maior a fluidez no trânsito. Outro ponto destacado pelo especialista é a quantidade de empregos gerados na construção e manutenção de ciclovias. Para estimular este mercado, ele defende o IPI zero para as bicicletas, já que hoje 72,3% do custo das bicicletas provém de impostos. 

 

Carrodependência tem cura? 

São Paulo apresenta uma taxa de 212 carros por mil habitantes e a meta da Anfavea é chegar a 250 por mil habitantes até 2020. Os números mostram ainda uma tendência a aumentar o uso do veículo motorizado individual quanto maior o nível de renda. Então, será que não tem cura? Guth é enfático: “Uma boa infraestrutura gera demanda. Isso deve ser repetido como um mantra! Basta ver o aumento de 53% no número de viagens de bicicleta na avenida Eliseu de Almeida, após a implementação da ciclovia”. Ou seja, tem cura, e a bicicleta pode desempenhar aí um importante papel.

 

Sobre esse tema, Clarisse Linke, diretora do ITDP Brasil, mestre em políticas sociais e pós-graduada em terceiro setor, destacou que, se comparado com países europeus, a taxa de motorização do Brasil ainda é baixa. O que, segundo Linke, torna o nosso país um "mercado quentíssimo para as montadoras". O uso do automóvel vai crescer no país, mas como administrá-lo de forma sustentável?, deixa no ar a pergunta.

     

“Um carro com 5 pessoas ocupa 25 vezes o espaço do pedestre; já um carro com menos de 2 pessoas, que é a nossa realidade, ocupa 75 vezes o espaço de um pedestre”, afirmou a especialista. A resposta certamente não passa pelo aumento na infraestrutura e estímulo ao transporte motorizado individual. Clarisse destacou ainda os gastos com transporte, o prejuízo da motorização desenfreada na saúde da população, os impactos ambientais e o número de “acidentes” fatais no trânsito. “O transporte hoje reflete uma extrema desigualdade social, onde o número médio de viagens por dia aumenta conforme a renda mensal”, explica. 

 

A diretora executiva do ITDP garante que para melhorar a mobilidade urbana só com um bom plano de uso e ocupação do solo: “57% dos empregos estão concentrados no centro da cidade e a maioria da população vive na periferia. É preciso pensar transporte, emprego e habitação associados, como a criação de policentros compactos”, conclui. 

 

Ao final de sua apresentação a mestre em políticas sociais apontou os oito princípios que podem solucionar o 'quebra-cabeças' da mobilidade. São eles: o pedestre; a bicicleta; o transporte público (acesso); desestímulo ao carro; redes adensadas no entorno das estações (centros compactos); malha conectada e uso misto do solo. 

 

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