A instalação recente de ciclovias em Higienópolis, região nobre de São Paulo, reacendeu a polêmica sobre mobilidade urbana que já fez a fama do bairro há pouco mais de três anos. Em 2011, uma associação de moradores local coletou assinaturas para que o projeto que previa uma estação de metrô na avenida Angélica fosse alterado. A ação não passou de tentativa: após declarações de moradores de que a estação atrairia “ocorrências indesejáveis” à área, a reação nas redes sociais foi forte, e um “churrascão da gente diferenciada”, organizado na rua, ridicularizou o argumento.
Desta vez, a queixa é contra as faixas vermelhas destinadas às magrelas, posicionamento que está longe de ser unanimidade entre comerciantes e moradores do bairro. Alguns deles, ouvidos pelo Terra, chegaram a se mostrar surpresos com a declaração do senador Aloysio Nunes Ferreira, candidato a vice-presidente pelo PSDB, na chapa de Aécio Neves. Em seu perfil no Twitter, na quarta-feira, o tucano classificou a implantação das ciclovias como “delírio autoritário de Haddad” e apontou a “revolta nos moradores de Higienópolis” com a medida.
“Tem que respeitar o espaço de todo mundo, tem que abrir espaço para todos, né? Não acho isso ditatorial, mas justo”, avaliou a universitária Luiza Miranda, de 19 anos, moradora do bairro. A mãe da jovem, a desenhista Juliane Guimarães, 50 anos, concorda com a filha, mesmo não andando de bicicleta no dia a dia.
“São Paulo é uma cidade muito grande, o trânsito é caótico. Imagino que os executivos, por exemplo, devam estranhar mais a ideia de ir ao trabalho pedalando, mas é uma mudança de cultura necessária”, opinou a desenhista. “E, sinceramente, não acho que Higienópolis tenha se revoltado com isso: basta ver como a praça Buenos Aires (localizada no bairro) é cheia de gente praticando esportes de manhã ou à tarde”, completou.
Outro morador do bairro, e usuário de transporte público, o professor André Pompeu de Toledo, 44 anos, resumiu: “tem que abrir espaço para a bicicleta também”.
Quem não reclama da ciclovia, mas por razões econômicas, é um dos sócios de um estacionamento localizado na rua Albuquerque Lins, onde está uma das faixas. “Para a gente foi bom, porque antes as pessoas estacionavam o carro na rua. Agora não podem mais”, admitiu.
Abaixo-assinado contra ciclovia
Por outro lado, há quem não apenas seja contra a ciclovia, como também se mobilize pela retirada dela. “A ciclovia está atrapalhando tudo. Aqui mesmo, na loja, o caminhão que vem trazer mercadoria precisa parar longe para descarregar. A gente não está detestando: está odiando isso”, criticou a vendedora Maria Leite, 66 anos. A loja de móveis onde ela trabalha fica na rua Albuquerque Lins, contemplada com uma das ciclofaixas do bairro.
O zelador João Vicente Filho, 45 anos, disse que os proprietários de lojas no prédio em que ele trabalha, na mesma rua, também se mobilizam contra a ciclovia. “Até sou a favor da bicicleta, mas as pessoas têm se queixado pelo trânsito imenso que está se formando. Essa rua é via de acesso à Lapa e à zona leste, não podiam ter escolhido outra via?”, indagou.
Vizinho dali, o vendedor Mário Éder dos Santos, 30 anos, minimizou: “São mais uns moradores que têm reclamado – gente que era acostumada a deixar carro estacionado na rua. Aqui (na ótica em que ele trabalha)nem cliente reclama, porque já era difícil de parar antes mesmo da ciclovia existir”, ponderou. “De repente vieram e pintaram a ciclofaixa; não tem mais mais lugar para estacionar – agora tem que pagar estacionamento”, arrematou a posentada Mitiko Hiraoka, 59 anos, que mora em Higienópolis.
Mãe e filha divergem
Quase no final da visita ao local, a reportagem encontrou duas mulheres que, mãe e filha, nem de perto possuem a mesma opinião sobre o assunto. “O trânsito aqui é pesadíssimo, achei um absurdo fazer da forma como fizeram”, definiu a aposentada Marly Santos, 68 anos. A filha discordou: “sou super a favor; a cidade precisa ter mais mobilidade e precisa começar de alguma forma a mudar. E isso não é imposição: já estava no programa de governo do prefeito”, observou a filha, a designer Sílvia Nastari, 33 anos. “Mas olha a largura dessa via!”, alertou a mãe, apontando para a ciclofaixa. “Esse bairro é terrível”, suspirou a filha.
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