Cruzando todos os dias as ladeiras da rua Santos Saraiva, uma das artérias da região continental de Florianópolis, Joelson Tigre Sabre, 21, se aventura sob duas rodas no curto trajeto casa-trabalho. Pelo caminho, meios fios desnivelados, más condições da pista, buracos e um pequeno espaço onde carros, bicicletas e pedestres tentam se entender evidenciando os problemas de mobilidade urbana.
Recentemente o prefeito Cesar Souza Júnior anunciou um pacote de obras no volume de R$ 200 milhões para melhorias em mobilidade, quase R$ 50 milhões serão usados para revitalização de ruas e avenidas de grande circulação. As ciclovias foram incluídas em partes dos projetos, mas representam menos da metade dos trajetos revitalizados.
Outro dia, inesperadamente, um carro cruzou a frente de Joelson. Montado na magrela, ele acabou sendo arremessado por cima do carro e acabou com uma luxação na perna. Com pouco mais de dois quilômetros de extensão, a Santos Saraiva liga os bairros Estreito e Capoeiras, e assim como os carros, é caminho para ciclistas. “Eu atravesso ela todo dia até o Detran, onde trabalho. É uma aventura diária, sempre tem um motorista desatento, todo cuidado é pouco”, conta.
A Santos Saraiva, com projeto orçado em R$ 2 milhões, não receberá uma ciclovia ou ciclofaixa. Outras vias arteriais, como as avenidas Max Schramm, Liberato Bittencourt e Eurico Gaspar Dutra, no Estreito - que juntas somam 3,5 quilômetros de extensão e ligam a Capital a São José - também ficaram de fora.
O presidente da ViaCiclo (Associação dos Ciclousuários da Grande Florianópolis), Daniel de Araújo Costa, diz que as obras em seus projetos não priorizam a mobilidade. “Eles fecham os projetos do jeito deles, que não é o de colocar a mobilidade em primeiro lugar”, critica. “Pensar a avenida das Rendeiras [na Lagoa da Conceição] sem uma ciclovia é um absurdo”, emendou.
Dos 34 quilômetros de revitalização, 15 quilômetros receberão ciclovias, que se somarão ao sistema já existente com aproximadamente 25 quilômetros de ciclovias e 32 quilômetros de ciclofaixas. Importantes vias de ligação e de grande trânsito de ciclistas, como a rua Delminda da Silveira (1,8 quilômetros), próximo à UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), a própria Santos Saraiva e avenida das Rendeiras, não contarão com ciclovias.
Modal de transporte
Atravessando de um lado para o outro, Roberto Amorim, 38, disputa espaço com os carros na avenida Max de Souza, em Coqueiros. A paixão pela bike é algo que vem desde os tempos em que ia à venda para mãe ou se juntava a grupos de amigos só para pedalar. Hoje, o empresário usa a bicicleta como principal meio de transporte.
Amorim cumpre um trecho de 40 quilômetros para ir ao trabalho, de Capoeiras ao Itacorubi. Na maior parte do trecho usa ciclovias, mas apenas no lado da Ilha. Quando adentra ao Continente, o cuidado precisa ser redobrado. “O que mais percebo é um certo desrespeito no trânsito. Nos países onde existem tradição por este modal de transporte também existem vias sem ciclovias, mas é possível trafegar”, diz, citando a capital holandesa Amsterdã e a Alemanha.
O empresário acredita que a cultura da bicicleta precisa ser renovada na sociedade pelo próprio Estado, através de campanhas educativas. “Minha família respeita os ciclistas, todos que me conhecem sabem das dificuldades e respeitam os ciclistas, mas eu não posso dizer isso para todos, isso tem que vir através de políticas públicas também”, emenda o ciclista.
O presidente da ViaCiclo, Daniel Costa, considera que Florianópolis só vai conseguir integrar o uso da bicicleta como modal de transporte se forem levados em consideração três pontos: sinalização, educação e fiscalização. “É preciso dar condições para o ciclista. Nos locais onde não é possível faixa exclusiva, o trânsito tem que ser compartilhado, a velocidade dos carros diminuída e bem sinalizado”, opina.
Falta de estrutura
A falta de bicicletários parece um problema pequeno no universo da mobilidade urbana da cidade. Mas, para quem utiliza a bicicleta para trabalhar, a falta desses equipamentos é um grande empecilho. No mês passado, o prefeito municipal chegou a vetar o projeto de lei do vereador Edmilson Pereira Júnior (PSB), conhecido como Ed, que obrigava instalação de bicicletários nos locais de grande fluxo de pessoas, como clubes, teatros, cinemas, hospitais e colégios. No entanto, os vereadores derrubaram o veto por unanimidade e tornaram lei, o projeto.
Em maio deste ano, um relatório do TCE (Tribunal de Constas do Estado) também apontou a falta de acessibilidade nos terminais e falta de equipamentos que permitissem os diferentes usos de modais — entre eles bicicleta e ônibus— como um dos problemas de mobilidade a serem resolvidos. O ciclista Roberto Amorim defende que disponibilizar vestiários também incentiva o uso da bike como meio de transporte. “Eu tenho um vestuário na minha empresa e, por isso, incentivo todos os funcionários a irem pedalando também”, observa o empresário.
Em 2013, em três decretos de realocação de verbas para obras de revitalização, a prefeitura de Florianópolis deixou de investir R$ 1,5 milhões. Recursos para as ciclovias da Osni Ortiga, da ciclovia de Coqueiros, Bocaiúva e até mesmo para a elaboração do Plano Cicloviário foram destinados a outras obras.
Novos caminhos
O maior projeto voltado para os ciclistas está na obra de duplicação da Edu Vieira. Os novos 2,7 quilômetros de ciclovia se integrarão as vias ciclísticas já existente da avenida Beira-Mar Norte, ligando à Universidade ao Centro da cidade. Quando lançou o pacote de obras na Câmara de Vereadores, o prefeito Cesar Souza Júnior chegou a justificar a falta de ciclovias em algumas obras, como na avenida das Rendeiras, “quando cabe na calha sempre nos preocupamos em incluir a ciclovia”, disse na tribuna.
Outra grande obra que deverá dar um alento aos ciclistas será a nova ciclovia na avenida Ivo Silveira, que corta parte da região continental da cidade, das cabeceiras das pontes até Capoeiras. Assim como a Osni Ortiga, na Lagoa da Conceição, a ciclovia da Ivo Silveira é considerada uma vitória pelos ciclistas.
A assessora técnica do Ipuf (Instituto de Planejamento Urbano), Andréa Andreazza, diz que, em lugares onde não é possível a instalação de ciclovias, é possível se pensar no uso compartilhado da via, mas sem afirmar se será esse o destino da revitalização da avenida das Rendeiras. Segundo a técnica, um dos grandes problemas para incluir ciclovias nos projetos de revitalização são as desapropriações. “Em alguns casos, só se tem o orçamento para o projeto, sem entrar nessa conta as desapropriações”, revela.
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