Não há nenhuma cidade brasileira que tenha uma estrutura de sinalização para pedestres e ciclistas que possa ser qualificada como adequada ou boa.
Esta é a avaliação da arquiteta, fotógrafa, jornalista e cicloativista Renata Falzoni, que não poupa críticas aos gestores públicos de todo o país, que, segundo ela, "sem exceção, priorizam o carro, sua fluidez nas vias, e não criam rotas com garantia à livre circulação daqueles que vão a pé ou de bicicleta".
Quem caminha ou pedala tem o direito de seguir pelo trajeto mais curto, e em linha reta e plana sempre que possível, afirma categoricamente a especialista. Mas, na organização do ambiente urbano, o carro está sempre em primeiro plano, acrescenta.
“Não se vê a preocupação da autoridade pública de fazer com que um pedestre, um cadeirante, sinta-se seguro para ir de um ponto 'a' a um ponto 'b', sem que seu caminho seja interrompido, fragmentado, para a passagem do trânsito. Não resta dúvida que esta conduta é proposital, e reflete a forma como o gestor atua sobre o espaço público", denuncia a ativista.
Proposital inclusive porque não cumpre a lei, completa Falzoni, citando a Política Nacional de Mobilidade Urbana, de 2013, e as diretrizes do Ministério das Cidades, onde está definido que a preferência é total do pedestre sobre o veículo motorizado.
Para ela, a sinalização deve ser vista como um instrumento de mudança do atual modelo excludente das cidades: "A sinalização inclusiva, a que garante o direito nato do pedestre de atravessar a rua, é a primeira ferramenta a ser adotada, ao lado da educação e da penalização do motorista que desrespeita a lei".
No Brasil, ela lembra que mesmo uma cidade como o Rio de Janeiro, onde há mais de 300 km de estrutura cicloviária, não está garantida a prioridade à bicicleta: a rota é interrompida a cada trecho, para a passagem dos carros.
Assim que surge uma situação onde se deve decidir sobre quem passa primeiro, é o pedestre e o ciclista que são levados a esperar ou se desviar. É o que se vê em todas as pontes, acessos, conversões à direita, constata Falzoni.
Farol que mal abre, fecha
Uma das interrupções bastante perceptível é o tempo calculado para o farol de pedestre. Também aqui a programação leva em conta só a fluidez do trânsito: "Se não, o que dizer de um sinal que demora três minutos ou mais para ficar verde e, mal o sujeito põe o pé na via, abre para os carros?", questiona.
Outro caso emblemático está em Brasília, diz Falzoni. A cidade feita para o carro, como costuma-se ouvir dizer, adotou o sistema de rotatórias para aumentar a fluidez do trânsito. Só que essa medida criou novas dificuldades aos pedestres e ciclistas que, para contornar a estrutura, precisam passar por quatro semáforos.
Esse tipo de coisa não se vê na Europa, conta Falzoni, que já pedalou por diversos locais como norte da Itália, Áustria, Dinamarca, Noruega etc. Segundo ela, lá se pratica a inclusão pura, é a regra. Além da sinalização, os europeus adotaram medidas como a redução da velocidade dos veículos, que nunca ultrapassam 50 km/h, várias zonas de ‘traffic calming’ (conjunto de sistemas que levam o motorista a trafegar com maior atenção) e multas e prisão para quem não obedecer.
Aqui, foram aprovadas leis que protegem e priorizam o cidadão não motorizado, como já dito. O problema, diz a cicloativista, é que na prática estas não são cumpridas: “Tem que querer interromper o modelo excludente, que dá livre fluxo ao ir e vir dos automóveis. Sinalizar para o pedestre é fácil e custa pouco; além do que, desde 2013 dispomos de um plano de mobilidade que facilita esta tomada de decisão. Falta querer fazer”, conclui.
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