Pesquisa, ainda inédita, realizada no final de 2013 pela Associação Nacional dos Transportes Públicos (ANTP) confirma: a população brasileira está muito descontente com o transporte público oferecido no país.
O resultado parece óbvio, mas os dados colhidos nas entrevistas revelam que a pior parte das viagens diárias não está nos ônibus e trens superlotados, mas no caminho – a pé – até chegar ao ponto de embarque, geralmente um poste ou um abrigo sujo e deteriorado. Enfim, apesar dos congestionamentos que travam as ruas, o pior problema de mobilidade reside nas calçadas das cidades brasileiras.
Na maior parte das localidades, as pessoas enfrentam caminhadas em passeios completamente esburacados, estreitos, cheios de degraus e outros obstáculos, sem iluminação; isso quando existem calçadas. Em muitas ruas e avenidas, inclusive nas capitais, o pedestre obriga-se a caminhar no asfalto, lado a lado com veículos pesados, exposto a graves riscos de acidentes.
Pedestres são o elo mais frágil da cadeia de mobilidade urbana, especialmente idosos, crianças e pessoas com alguma restrição física. E, vale lembrar, somos todos pedestres, ao menos uma vez por dia. Mais ainda: dados do IBGE (2010) revelam que um terço das viagens urbanas diárias é feito a pé, em geral pequenos trajetos, até a escola, a creche, o mercado, mas também viagens longas, de vários quilômetros, até o local de trabalho.
Curiosamente, os pedestres são esquecidos pelas autoridades, em especial pelos órgãos de trânsito, que trabalham apenas para que o tráfego (de veículos) possa fluir. Desse ponto de vista, as pessoas que caminham atrapalham a fluidez.
Não por acaso, nos últimos 60 anos, as cidades brasileiras fizeram uma gradativa extinção dos passeios e ilhas que permitiam a travessia mais segura das vias. Tudo para alargar ruas e desafogar o tráfego. Em alguns casos, restaram passagens com menos de meio metro para os infelizes pedestres. Em outros, as calçadas são ocupadas por vendedores ambulantes, postes mal posicionados, carros estacionados, lixo ou entulho de construção etc. etc.
Esse pouco cuidado com aquela faixinha destinada aos pedestres acaba estimulando o uso indiscriminado do automóvel, mesmo que seja para uma pequena viagem até a padaria, ao supermercado, ou para levar os filhos à escola. E tomem congestionamentos.
Cidades mundiais, como Berlim, Nova York, Copenhague ou Amsterdã, já perceberam o beco sem saída provocado pelo excesso de carros e têm investido em novas políticas para estimular a volta do pedestre (e dos ciclistas) às ruas. Basta olhá-las e re(aprender).
Calçadas devem ser largas, lisas, sem buracos e sem degraus ou rampas muito inclinadas, que impeçam a passagem, por exemplo, de um carrinho de bebê. Devem ser dotadas de rampas de acessibilidade e de toda a sinalização que proporcione a travessia segura nas esquinas: faixas de pedestres, placas de orientação e semáforos, programados com tempo suficiente para que um idoso possa cruzar a rua sem atropelos. E mais: sempre que possível, devem ser protegidas por arborização, para conforto de quem anda sob o sol, especialmente nestes dias quentes do verão brasileiro.
Com essa fórmula simples e barata, pode-se fazer uma pequena revolução nos modos de ir e vir no ambiente urbano. Caberia às prefeituras orientar e fiscalizar os proprietários dos imóveis, que por lei são responsáveis pela manutenção desse “sistema viário”. Ou então, como fazem várias cidades do mundo, que as prefeituras assumam a responsabilidade de projetar, construir e manter os passeios, pelo menos nas áreas mais movimentadas das cidades. Seria muito melhor para passear, ir às compras ou levar os filhos para a escola. E seria mais fácil chegar ao ônibus, ao metrô, ao trem urbano de cada dia.
Marcos de Sousa é jornalista e editor do portal Mobilize Brasil
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