Em aula pública na Escola Politécnica da Universidade Federal da Bahia (UFBA), o professor e técnico da Prefeitura, Francisco Ulisses, apresentou a conta feita pelo ativista dos direitos dos deficientes físicos da capital baiana, Joaquim Laranjeira, que chegou ao seguinte resultado em destaque no título deste artigo: 'o sistema de transporte de Salvador está a venda por irrisórios R$ 7,36 ao dia/ônibus'. Como isso é possível?
Ulisses explica em detalhes a licitação do sistema de transporte coletivo de Salvador, ao informar que a Prefeitura pretende receber os seguintes valores de outorga pelo sistema que será explorado pelos próximos 25 anos:
Valor das outorgas por área de operação. Fonte: Francisco Ulisses
Acompanhe os cálculos. A soma de toda a outorga corresponde a R$ 179.721.000 e, dividida por 25 anos, totaliza R$ 7.188.840/ano. Esse valor, por sua vez, se dividido por 12 meses, é igual a R$ 599.070/mês, que, dividido ainda por 30 dias, chega a R$ 19.969/dia. Se dividirmos esse total pela frota atual de 2.714 ônibus, chega-se a apenas R$ 7,36 ao dia/ônibus. Ou seja, venderemos a exploração de todo o nosso sistema de transporte coletivo dentro de Salvador por menos de três tarifas (R$ 2,80 x 3 = R$8,40) e com direito a ser explorado pelas empresas por 25 anos!
Frota de ônibus de Salvador. Fonte Setps
Segundo as regras da concorrência, o pagamento desse valor se dará nos próximos cinco anos. Nos 20 anos seguintes, as empresas operarão o sistema sem pagar mais nenhum tostão à Prefeitura. Apenas 20% será pago na assinatura do contrato e o restante em 60 vezes. Ou seja, a Prefeitura atual está vendendo um sistema que será operacionalizado em mais de cinco gestões, mas o dinheiro ficará praticamente todo à disposição da gestão atual.
A apresentação de Francisco Ulisses pode ser acessada com mais detalhes aqui. No link, está disponível também o edital de licitação da exploração do transporte coletivo em Salvador.
Alguns pontos questionáveis
Se toda a sociedade, conforme manifestações de 2013, quer uma tarifa de ônibus menor, por que não encontrar formas na licitação que flexibilizem mais os preços da tarifa? Para começar, a própria licitação deveria ser pelo menor valor de tarifa e não pela maior outorga.
E mais: existem instrumentos na Política Nacional de Mobilidade Urbana para subsidiar a tarifa, que não estão previstos nesta licitação, a exemplo do Artigo 23, que possibilita a aplicação de tributos sobre modos e serviços de transporte pela utilização da infraestrutura urbana, visando a desestimular o uso de determinados modos, como o veículo individual motorizado, e reverter esse recurso como subsídio em prol da modicidade da tarifa do transporte público. Se esta possibilidade não estiver incluída já neste edital, estaremos dificultando ainda mais a implementação desse benefício nos próximos 25 anos.
Outras fontes de recurso podem existir para subsidiar a tarifa e a licitação não pode nos privar dessas possibilidades. Sugerimos algumas em artigo já publicado aqui no blog, como "Ônibus: quem paga a conta?"
A Constituição Federal, o Estatuto das Cidades e a Política Nacional da Mobilidade Urbana preveem a gestão democrática e o controle social nos processos de planejamento, fiscalização e avaliação de projetos, planos e programas.
A licitação do transporte coletivo em Salvador precisa garantir essa participação popular e, segundo Francisco Ulisses, já existe um projeto pronto, que já está sendo implantado aos poucos, a exemplo das linhas retiradas da Barra. A forma como esse processo tem ocorrido é autoritária e sem nenhuma participação popular. A licitação consolidará esse modelo de atuação?
Outro ponto a ser resolvido: os ônibus metropolitanos que circulam em Salvador ainda não se integram aos ônibus da cidade. Por que isso? Os ônibus de Lauro de Freitas têm a mesma maquininha de cartão da Setps, mas o cartão de Salvador não funciona nela e vice versa.
Mapa de Salvador com as áreas de operação. Fonte: Francisco Ulisses
Hoje, com o uso de vale transporte eletrônico, cartão avulso ou Salvador Card, é possível pegar dois ônibus pagando uma única tarifa no intervalo de duas horas. Com a licitação, o intervalo será ampliado para três horas e será possível fazer uma integração a mais com o metrô. Mas seria bem melhor que pudessem ser feitas mais integrações nas mesmas duas horas, independente do metrô. Uma pessoa que trabalhe no Trobogy e more na Graça, por exemplo, poderia pegar um ônibus para a Paralela, depois um segundo em direção ao Centro e um terceiro que a deixasse em seu destino específico, pagando apenas o valor de uma tarifa. Ou seja, essa integração precisa ser mais flexível para dar mais opções ao usuário.
A licitação de que estamos falando prevê a exploração do serviço por 25 anos. É muito tempo para aprovar um modelo de funcionamento de sistema de ônibus. Pois se hoje o modelo pensado está de acordo com os parâmetros tecnológicos de nossa época, daqui a 10 anos ele poderá parecer extremamente arcaico. Precisamos que a licitação seja feita para um panorama mais curto, que nos traga a perspectiva necessária de inovação e atualização de todo o sistema de transporte coletivo da cidade.
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