Pesquisa, ainda inédita, realizada no final de 2013 pela ANTP - Associação Nacional dos Transportes Públicos revela que a pior parte das viagens diárias dos brasileiros não está nos ônibus e trens superlotados, mas no caminho -- a pé -- até chegar ao ponto de embarque, geralmente um poste ou um abrigo sujo e deteriorado.
Enfim, apesar dos congestionamentos que travam as ruas, o pior problema de mobilidade reside nas ruas e calçadas das cidades. Mas atenção: a "doença" urbana é bem mais grave, e afeta ouvidos, coração, pulmões e o sistema nervoso de quem vive no Brasil.
As informações foram reveladas durante o evento Fit Cities São Paulo, realizado semana passada na capital paulista por iniciativa do Instituto Cidade Ativa e da USP Cidades. O pontapé inicial do encontro foi dado pela urbanista Skye Duncan, da Universidade de Colúmbia, em Nova York, que apresentou uma extensa metodologia para “olhar” as ruas e praças como salas, com piso (calçadas), paredes (fachadas e visões da rua) e cobertura (árvores, postes e fios). É dentro dessa envoltória que as pessoas se relacionam com as cidades, explicou ela, e foi a partir desta visão que os participantes puderam realizar o Safári Urbano pela região da Berrini, bairro paulistano que hoje contém as sedes das grandes corporações mundiais.
O Mobilize se integrou ao evento e procurou realizar uma avaliação das calçadas da área, em paralelo ao trabalho desenvolvido pelos pesquisadores. Os resultados confirmam o que já havíamos detectado em 2012, quando realizamos a campanha Calçadas do Brasil. Durante aquelas imersões pelas ruas brasileiras já sabíamos que alguns outros fatores também poderiam influenciar o conforto de quem caminha, como o ruído, calor, poeira, cheiros, fumaça e certa poluição visual provocada pela falta de planejamento na sinalização. E o encontro do Fit Cities (cidades saudáveis, numa tradução livre) nos permitiu compreender a extensão e a gravidade destes problemas no Brasil.
A arquiteta Roberta Kronka, do Labaut/USP, mostrou os resultados das medições de ruído, calor, luminosidade na área e, contou que, surpreendentemente, as pessoas entrevistadas já não percebem os excessos medidos com os equipamentos. Um exemplo é o nível de ruido, que passa de 70 dB, quando o limite recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) está em 50 dB.
Outro pesquisador, o engenheiro Marco Martins, do Laboratório de Poluição da Faculdade de Medicina/USP, comentou os resultados de contaminação do ar obtidos em medições ao longo da semana e revelou que a área de estudo apresenta índice de material particulado até 14 vezes acima do estabelecido pela OMS. Mesmo nas áreas com menor tráfego, os indicadores estavam seis vezes acima do recomendável.
Ao final do encontro ficou muito claro que as cidades brasileiras precisam começar já um processo de mudança nas formas de transporte, uso das ruas, tipologias de construção e mesmo na ocupação do território, sob pena de se tornarem espaços inabitáveis em curto prazo.
E, atenção prefeitos: como solução, todos os especialistas foram unânimes em apontar a necessidade de estimular a caminhada e o uso intensivo da bicicleta, além do óbvio investimento em transporte público limpo, com todas as conotações possíveis deste adjetivo.