A frota nacional de veículos e a mobilidade urbana

Problemas ambientais decorrentes dos congestionamentos, do aumento da frota e da falta de políticas para o transporte público são tema deste artigo

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Fonte: Plurale em Revista  |  Autor: Marcus Quintella  |  Postado em: 09 de abril de 2014

Congestionamento na cidade de São Paulo

Trânsito parado: o dia-a-dia da cidade de SP

créditos: J.F.Dório

 

O problema dos congestionamentos nas cidades brasileiras, com consequências ambientais cada vez mais sérias, é do que trata o artigo reproduzido aqui, de Marcus Quintella, publicado originalmente na Plurale em revista:

 

 

Em março de 2011, escrevi o artigo intitulado "O sofrimento humano causado pelo transporte público" (Plurale em revista, edição 21), para alertar que a precariedade da mobilidade urbana das grandes cidades brasileiras é um extraordinário problema ambiental antrópico, altamente prejudicial às condições da saúde física e mental e limitador do lazer, trabalho e das relações sociais das pessoas.

 

Hoje, três anos depois, o problema dos congestionamentos está significativamente mais grave, visto que seus números crescem de forma expressiva e impiedosa, enquanto as medidas mitigadoras caminham em ritmo bastante lento.

 

Como o modo de transporte predominante e persistente em nosso país ainda é o rodoviário, movido pela queima de combustíveis fósseis, como a gasolina e óleo diesel, grandes emissores de gases tóxicos na atmosfera, somente um olhar para a quantidade de veículos que circulam nas metrópoles brasileiras, divulgados pelo Denatran, podem comprovar os danos ambientais e os congestionamentos responsáveis pelo sofrimento da população.

 

Quando escrevi o artigo citado, em março de 2011, o Brasil possuía uma frota registrada de 66 milhões de veículos, sendo 38 milhões de automóveis. Isso correspondia a quase 8 veículos por km2 ou um veículo para cerca de 3 habitantes. Se considerarmos a área média ocupada por um veículo em aproximadamente 12 m2, todos os veículos da frota brasileira, colocados lado a lado, ocupariam uma área de cerca de 794 km2, equivalente ao município de Campinas-SP ou ao município de Angra dos Reis-RJ.

 

Atualmente, o Brasil contabiliza uma frota registrada de aproximadamente 83 milhões de veículos, sendo 46 milhões de automóveis, que corresponde a quase 10 veículos por km2 e, se colocados lado a lado totalizariam a área de 996 km2, a mesma dos municípios de Itápolis-SP e de Nova Friburgo-RJ. Nesse período de 36 meses, houve um aumento de 25,8% da frota nacional, que equivale a um crescimento médio de 7,95% ao ano, bem acima do crescimento do PIB nacional.

 

Em 2020, caso seja mantida essa taxa de crescimento, a frota nacional aumentará quase 60%, pois alcançará 131 milhões de veículos, sendo 73 milhões de automóveis, equivalente a 15 veículos por km2. Essa frota toda junta ocupará 1.572 km2, podendo cobrir inteiramente os municípios de Londrina-PR, Caxias do Sul-RS, São Paulo-SP ou Rio de Janeiro-RJ.

 

Somente no município de São Paulo, onde existem os piores congestionamentos do país, o Denatran registra, atualmente, 7 milhões de veículos, com 5 milhões automóveis, que corresponde ao impressionante quantitativo de 4.596 veículos por km2 ou um veículo para quase dois habitantes. A área coberta por esses veículos é de 84 km2, a mesma área dos municípios de Itaquaquecetuba, Guarani d´Oeste e Parisi e superior a outros 44 municípios paulistas.

 

O município do Rio de Janeiro contabiliza números mais modestos, mas também possui terríveis congestionamentos. Em terras cariocas, existem 2,5 milhões de veículos, com 1,8 milhões de automóveis, que corresponde a 2.113 veículos por km2. A área coberta por essa frota é de 30 km2, bem maior que o município de Nilópolis.

 

Penso que os números acima explicam facilmente os problemas de mobilidade urbana das populações de São Paulo e Rio de Janeiro, bem como das demais grandes cidades brasileiras, uma vez que os sistemas de transporte público dessas urbes ainda não conseguem retirar as pessoas dos congestionamentos diários, que tanto as penalizam e as maltratam.

 

Problemas ambientais

Para se ter ideia dos problemas ambientais causados pelos absurdos números da frota brasileira, encontrei na internet uma matéria com o professor Genebaldo Freira, pesquisador e diretor do Programa de Mestrado e Doutorado em Planejamento e Gestão Ambiental da Universidade Católica de Brasília (UCB), que cruzou os dados do Denatran e chegou à conclusão que, para neutralizar as emissões de gás carbônico da frota nacional de veículos, o Brasil precisaria aumentar em mais de 11 vezes a cobertura de Mata Atlântica atualmente existente.

 

Para fins pedagógicos, o professor considerou que cada veículo roda, em média, 50 km por dia, utilizando o combustível utilizado majoritariamente, o gasol, mistura de gasolina e álcool, e que a média de emissão é de 150 gramas de CO2 por quilômetro rodado. Baseado nessas premissas pode-se estimar que a frota atual, caso esteja rodando ao mesmo tempo, emite em torno de 205 milhões de toneladas de CO2 por ano, sendo necessários 1,13 milhões de km2 de Mata Atlântica para neutralizar essas emissões, área correspondente a 13,3% da superfície do país.

 

O pesquisador ressalta que não possuímos essa biomassa disponível para efetuar esse trabalho, logo, grande parte dessas emissões se juntará às outras e aumentará a concentração do CO2 na atmosfera. Atualmente, de acordo com dados da Fundação S.O.S. Mata Atlântica, esse tipo de floresta ocupa apenas 1% do território brasileiro.

 

CO2

Na mesma matéria, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) estima que, em 2020, o setor de transporte rodoviário poderá emitir cerca de 270 milhões de toneladas de CO2 na atmosfera, sendo que 36% dessas emissões virão da frota de caminhões, 13% de ônibus, 40% de automóveis e 3% de motocicletas.

 

Esse indesejável e incontrolável crescimento da frota nacional de veículos, que coloca em circulação, diariamente, uma quantidade absurda de automóveis, ônibus, caminhões e motocicletas, provoca o caótico trânsito de nossas mais populosas cidades. Os congestionamentos produzidos por esse trânsito infernal custam muito dinheiro para a sociedade como um todo, prejudicam a saúde física e psicológica da população e atrapalham o crescimento econômico e social do país.

 

Em outra pesquisa na internet, a Secretaria de Estado dos Transportes Metropolitanos de São Paulo estima que as perdas financeiras com acidentes de trânsito, poluição e engarrafamentos em São Paulo ultrapassam R$ 4 bilhões por ano e o Instituto de Estudos Avançados da USP calcula em R$ 11 milhões as perdas diárias da sociedade paulistana com tempo e combustível, nos congestionamentos. Em termos anuais, os custos com os congestionamentos chegam a R$ 3,3 bilhões, o tempo perdido pelas pessoas no trânsito atinge 240.000 horas, em média e são desperdiçados cerca de 200 milhões de litros de gasolina e álcool e 4 milhões de litros de diesel nos engarrafamentos da cidade de São Paulo.

 

Os números mostrados neste artigo são importantes para alertar as pessoas sobre o gravíssimo problema que estamos vivenciando e ainda perdurará por muitas décadas, caso não haja um equilíbrio na matriz brasileira de transporte, entre os transportes rodoviário e ferroviário, visto que as projeções de crescimento para a frota nacional de veículos são alarmantes, os incentivos ao setor automobilístico são cada vez maiores e o crédito para a aquisição de automóveis é muito fácil e atraente.

 

Certamente, o setor automobilístico é importante para a economia nacional, mas o país precisa prestar atenção no outro lado da moeda e não pode parar de continuar a investir pesadamente no setor metroferroviário das metrópoles e incentivar as ferrovias de carga e de passageiros de média e longa distância, para que a nossa matriz de transporte se torne mais justa, em termos sociais, econômicos e ambientais. A qualidade mobilidade urbana está diretamente relacionada à qualidade de vida da população urbana e ao desenvolvimento econômico e social das cidades.

 

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