Em um país como o Brasil, onde o número de automóveis aumenta em ritmo superior ao da população, os ciclistas precisam vencer barreiras para, literalmente, ganhar espaço.
Em dez anos, de 2003 a 2013, a frota de veículos mais do que dobrou no Brasil. Pela primeira vez, no ano passado, o IBGE identificou que mais da metade das famílias brasileiras possui automóvel. A média nacional é de 54%, mas alguns estados detêm um número muito superior. Os três estados da região Sul estão entre os oito primeiros do ranking, que é liderado por Santa Catarina, com 74,3%. O Paraná aparece em quarto lugar, com o veículo presente nas casas de 66,7% das famílias. Já o Rio Grande do Sul é o oitavo da lista, com automóvem em 61,5% das residências.
É um cenário que, ainda assim, não intimida a expansão das bicicletas. De acordo com a Associação Brasileira dos Fabricantes de Motocicletas, Ciclomotores, Motonetas, Bicicletas e Similare (Abraciclo), o Brasil produz e vende, em média, 4 milhões de unidades por ano. É um mercado estável, e o País possui uma frota de 70 milhões de bicicletas.
A produção de bicicletas está bem próxima dos números apresentados pela Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), que constatou a fabricação de 3,74 milhões de veículos em 2013, o que prova de que as bikes buscam consolidação.
Usar bicicleta no dia a dia, sem preocupação com armazenamento ou segurança, é uma facilidade possível em Porto Alegre. Em pouco tempo, o projeto Bike Poa se expandiu de forma irrefutável. Quem anda pela Capital, especialmente na região central, nota com facilidade que a iniciativa trouxe destaque ao tema. Afinal, são 390 bicicletas laranjas circulando pela cidade e conduzindo a mensagem de que a vez das magrelas chegou.
Porto Alegre já sente os efeitos do projeto Bike Poa nas ruas e na avenidas
O uso da bicicleta vem se popularizando, e a adoção de políticas públicas nesse sentido é fundamental para não só promover a adesão às bikes, como também para consolidar melhor a infraestrutura para os ciclistas, o que pressupõe, ainda, ações de educação de trânsito.
Não é tarefa simples, mas começa a ganhar forma. A iniciativa das bicicletas de aluguel é um exemplo pujante nas cidades que implantaram o sistema desenvolvido pelo Grupo Serttel, dedicado a buscar soluções para a mobilidade urbana.
Iniciado entre 2008 e 2009, decorrente de parceria entre o poder público e a empresa, o projeto das bicicletas de aluguel começou no Rio de Janeiro, com o Bike Rio, e logo se expandiu para outras cidades, como São Paulo, Santos, Sorocaba, Recife, Petrolina e Salvador. Em Porto Alegre, o Bike POA foi lançado em 22 de setembro de 2012, e, segundo o diretor do grupo Serttel, Peter Cabral, já nasceu com potencial para interferir de forma positiva na mobilidade urbana da cidade.
“Sentimos que o sucesso foi muito rápido e que a sociedade abraçou o projeto de forma unânime. Em menos de dois anos, já tem um uso arraigado, uma tradição muito forte”, comemora. Cabral credita esse resultado à forma como o projeto foi implantado na Capital. “Esse processo ocorreu de forma muito orgânica em Porto Alegre, e eu atribuo isso à própria elaboração do projeto Bike Poa. Houve um trabalho muito forte na escolha dos pontos em que seriam instaladas as estações”, comenta, elogiando a iniciativa da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), que, segundo afirma, conseguiu indicar locais com maior demanda para o uso das bicicletas e as áreas da cidade mais propicias para suportar a instalação das estações e a mobilidade dos ciclistas. “Há uma sinergia alta”, acrescenta.
O presidente da EPTC, Vanderlei Cappellari, informa que já são 39 estações em operação, com 390 bicicletas, e que há intenção de instalar mais uma estação no Estádio Beira-Rio, preferencialmente, antes do início da Copa do Mundo. Tudo vai depender do desenvolvimento das obras, mas a intenção é de multiplicar a iniciativa gradativamente.
Por trás da expansão das estações do Bike POA reside uma característica importante: as bicicletas de aluguel vão além do uso ocasional e já não são mais locadas apenas para uso recreativo. E não são necessários muitos recursos para comprovar a tese, basta observar o uso das bikes no dia a dia. O presidente da Associação dos Ciclistas de Porto Alegre (ACPA), Pablo Weiss, confirma que, inicialmente, as bicicletas tinham mais saída nos finais de semana, situação que, em pouco tempo, mudou. “Hoje, a gente percebe que muitas pessoas utilizam as bicicletas nos trajetos diários, e isso ocorreu porque o número de estações foi aumentando, o que facilita o deslocamento.”
Aumentar o número de estações tem efeito significativo para os usuários por uma série de razões. Além de aumentar o número de bicicletas disponíveis, garante o cumprimento do prazo de entrega do equipamento (viagens de até uma hora são gratuitas) e, principalmente, permitem o alcance a pontos diversos e distintos da cidade. Tudo isso sem que o ciclista tenha que se preocupar em guardar a bicicleta, já que basta entregá-la na estação. Para quem não quer ter o trabalho de guardar uma bicicleta em casa é uma solução eficiente.
O aluguel de bicicleta é feito mediante cadastro prévio e pagamento mensal de R$ 10,00, que cobre custos ínfimos de manutenção, explica Cabral. As equipes da empresa percorrem as estações diariamente, fazendo os reparos necessários. O diretor do grupo Serttel esclarece que os usuários são conscientes e fazem bom uso do equipamento, tendo também atuação proativa quando identificam necessidade de reparos. A empresa disponibiliza serviço telefônico para contato com os ciclistas.
Ciclovias geram queixas entre todos os envolvidos
Para que o sistema todo funcione, as ciclovias são uma necessidade inevitável, mas geram polêmica sempre. Pablo Weiss, presidente da ACPA, destaca que há queixas dos ciclistas em relação a questões bastante específicas, como os pontos cegos nas ciclovias, mas que a maior queixa ainda é o número reduzido de ciclovias. Porto Alegre tem 20 quilôlmetros de ciclovias, e a pretensão da EPTC é ampliar esse número para 50 quilômetros durante este ano, o que não é uma tarefa tão simples.
Se, por um lado, ciclistas reclamam da falta de ciclovias, os comerciantes reclamam da instalação delas. Para equilibrar os dois lados, presidente da EPTC, Vanderlei Cappellari, ressalta que a cada nova proposta de construção de ciclovia são feitas audiências com moradores e comerciantes da região para debater o assunto.
E, mesmo assim, nem sempre há um acordo satisfatório para todos. Um exemplo é a ciclovia instalada na rua José do Patrocínio, na Cidade Baixa. A faixa para ciclistas, ao longo da extensão da via, ocupa um espaço em que antes era comum ver carros estacionados. Diante de praticamente todo o percurso, estão instaladas lojas. Hoje, os carros continuam estacionando na José do Patrocínio, bem ao lado da ciclovia. O que, para muitos, pode ser visto como uma condição inadequada para os ciclistas não é visto, propriamente, como um problema por eles.
“Os carros estacionados ao lado da ciclovia até protegem o ciclista do trânsito”, explica Weiss. O problema, pondera, é que a largura da ciclovia precisa ser suficiente para permitir a abertura das portas dos carros sem gerar risco a quem trafega pela ciclovia.
Já o comércio reclama, sobretudo, da dificuldade em receber mercadorias e clientes que estacionariam à frente dos pontos de venda. “Na José do Patrocínio, foram feitas duas audiências públicas, com média de 600 pessoas, e mais de cinco reuniões para mostrar o projeto antes do inicio da implantação. Vai continuar tendo pessoas favoráveis e contrárias, mas a gente não quer tomar decisões sem ter esse processo de diálogo amplo. Ocorre que, às vezes, grupos radicais se isolam, criam debates paralelos, mas nós temos que ter uma cidade para todos”, justifica Cappellari.
O presidente da EPTC revela que há necessidade e possibilidade de ampliação das ciclovias na Capital, mas que o processo de implantação precisa sempre vencer obstáculos. “Temos uma dificuldade porque a cidade está construída e temos que inserir esse novo modal de transporte, que é a bicicleta, isso não é uma tarefa simples.
Leia também:
Cresce a procura por bicicletas no litoral gaúcho
Porto Alegre deve ter mais 30 km de ciclovias
Em Porto Alegre, novo Estatuto do Pedestre é aprovado