Em janeiro de 2010, o governo federal reuniu representantes das 12 cidades-sedes da Copa do Mundo e assinou a chamada Matriz de Responsabilidades do Mundial - um documento com os investimentos prioritários para o evento. Inicialmente, foram listadas obras de mobilidade urbana e estádios. Em julho do mesmo ano, foram incluídos os projetos para reforma e construção de aeroportos e portos.
Na época, o investimento estimado para as áreas de infraestrutura - mobilidade urbana, aeroportos e portos - era de R$ 17,7 bilhões e todos os projetos deveriam ficar prontos até dezembro de 2013. A pouco menos de 100 dias da realização da Copa, a realidade se mostra bem diferente do previsto no papel: apenas 18% das obras de infraestrutura foram entregues e o investimento caiu para R$ 14,7 bilhões - corte de R$ 3 bilhões.
Ao longo dos últimos quatro anos, a Matriz passou por diversas alterações nos projetos de infraestrutura. Em 2010, estavam previstas 50 obras de mobilidade urbana, 25 em aeroportos e sete em portos. Desde então, 29 projetos foram excluídos e 28 foram incluídos. Outros 53 projetos passaram por alguma mudança no valor ou na data de entrega.
Hoje, são 45 obras na área de mobilidade (cinco a menos que inicialmente) - sendo 10 referentes a melhorias no entorno dos estádios -, 30 nos aeroportos e seis nos portos.
Do total de 81 projetos de infraestrutura listados atualmente na Matriz, apenas 15 estão concluídos: três na área de mobilidade, 11 nos aeroportos, e um porto. Destes, somente quatro foram entregues dentro do prazo previsto. Outro dado alarmante indica que, apesar do corte de R$ 3 bilhões nos investimentos, a maioria dos projetos mantidos no documento desde 2010 teve um aumento nos custos: 36 obras ficaram mais caras, quatro mantiveram o mesmo valor e somente 13 ficaram mais baratas. Ou seja, a diminuição no valor total ocorreu principalmente por conta da exclusão de grandes projetos e não pelo barateamento das obras.
Além das obras da Matriz, os governos locais de algumas cidades-sedes também estão realizando obras independentes de infraestrutura visando o Mundial. No entanto, grande parte destas intervenções também sofre com atrasos e algumas obras entregues apresentam problemas, como é o caso de 11 projetos da cidade de Cuiabá que tiveram erros apontados em um relatório do Conselho Regional de Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea).
*A tabela apresenta apenas os investimentos em infraestrutura listados na Matriz
Além das obras de infraestrutura, a construção e reforma dos 12 estádios da Copa também sofre com sucessivos atrasos e aumentos nos custos. Apenas duas arenas foram entregues dentro do prazo estabelecido pela Fifa - Mineirão e Castelão, entregues em dezembro de 2012, seis meses antes da Copa das Confederações - e o valor geral subiu 48% em comparação com o que foi previsto em 2010 (de R$ 5,38 bilhões para R$ 8 bilhões).
Até o momento, oito dos 12 estádios foram entregues (66%). A Arena da Amazônia será o nono, com inauguração marcada para o próximo domingo. No entanto, Arena Pantanal, Arena Corinthians e Arena da Baixada só devem ser concluídas entre abril e maio, a poucos dias do início do Mundial.
Para especialista, problema está na gestão
Os atrasos e o aumento de custos da maioria dos projetos de infraestrutura para a Copa refletem um grave problema de gestão, segundo o professor de administração pública da Universidade de Brasília, José Matias Pereira.
"A questão do planejamento deficitário fica muito clara na elaboração dos projetos dessas obras. Fica clara a incapacidade dos governos de promoverem uma boa gestão."
De acordo com o especialista, o problema está no próprio sistema de administração pública, que contém falhas que dificultam o a realização de projetos complexos como os investimentos para o Mundial. Ainda segundo o professor, este panorama abre brechas para situações como o desperdício de dinheiro público e a corrupção.
"Nós temos no Brasil um problema sério de gestão pública, com mecanismos que levam os diferentes níveis de governo a ficarem transferindo as pendências de um para o outro. Por culpa dos próprios governantes, a administração pública hoje não tem condições adequadas para fazer a gestão de obras dessa dimensão. Este contexto abre duas janelas perigosas: uma que pode levar ao desperdício de dinheiro público e outra que pode levar à corrupção. Começamos então a entrar em um terreno pantanoso que leva a essa situação de descrédito da administração pública diante da população", avaliou José Matias Pereira.
Governo admite dificuldades, mas garante que obras ficarão prontas
Secretário-executivo do Ministério do Esporte e coordenador do grupo de trabalho que administra a Matriz de Responsabilidades, Luís Fernandes, admite as dificuldades de gestão enfrentadas pelo governo federal nos projetos da Copa, principalmente na área de infraestrutura, que conta com investimentos federais, estaduais, municipais e privados. Segundo o secretário, são obras complexas, que apresentam diferentes problemas de planejamento e execução que afetam não apenas os projetos para o Mundial.
"É uma lista grande de obras com uma governança complexa. Envolve projetos do governo federal, dos governos estaduais e dos governos municipais. No caso da mobilidade urbana, predominantemente ações de Estados e Municípios. Então, durante a execução começam a haver problemas em algumas obras e identifica-se a necessidade de que outras sejam incorporadas... Não é um problema da Copa, é um problema do Estado brasileiro como um todo. Não vou responsabilizar um ou outro nível da Federação, mas o Estado tem que aprender a ser mais ágil", afirmou Luís Fernandes.
Com relação ao aumento de custos na maioria das obras, o secretário defende que as mudanças ocorreram principalmente porque em 2010, quando a Matriz foi assinada, os projetos ainda eram muito simples e não contavam com estimativas detalhadas de preços e materiais.
Apesar dos problemas, Luís Fernandes se disse confiante de que as obras serão entregues a tempo da Copa. Segundo o secretário, os atrasos não provocarão nenhum risco para a organização do Mundial.
O secretário também fez questão de destacar que a maior parte das obras de infraestrutura prevista na Matriz estão mais relacionadas com benefícios para a população das cidades-sedes que propriamente com a realização do Mundial.
Ainda segundo Luís Fernandes, todas as obras que foram excluídas da Matriz acabaram incorporadas no Pac da Mobilidade e devem ser concluídas depois da Copa do Mundo, mantendo assim o legado para as cidades.
Veja um panorama das obras de infraestrutura, em especial as de mobilidade urbana, da Matriz para cada cidade-sede:
BELO HORIZONTE
A capital mineira conta atualmente na Matriz com investimentos totais de R$ 1,8 bilhão em obras de mobilidade urbana e reformas no aeroporto de Confins.
Na área de mobilidade, são sete projetos, sendo que apenas um está concluído até o momento. Os demais devem ser entregues até maio. O investimento estimado para o setor é de R$ 1,4 bilhão, cerca de R$ 100 milhões menor que a estimativa da Matriz assinada em 2010.
*a reforma do aeroporto só deve ser totalmente concluída em setembro de 2014
BRASÍLIA
Estão previstos na Matriz investimentos de R$ 695 milhões em mobilidade urbana e reformas no Aeroporto Internacional Juscelino Kubitschek. Inicialmente, a capital federal ganharia um VLT (Veículo Leve sobre Trilhos) para a Copa. No entanto, a obra foi paralisada pela Justiça por irregularidades na licitação e acabou sendo retirada da Matriz. Um outro projeto - ampliação da pista de acesso ao aeroporto - foi incluído e tem previsão de conclusão para maio.
Apesar de não estar na Matriz, o governo local promete entregar também até maio outra obra de mobilidade urbana: o BRT (Bus Rapid Transit) que ligará as cidades do Gama e de Santa Maria ao centro de Brasília. O projeto faz parte do Pac da Mobilidade e tem custo de R$ 600 milhões.
*O aeroporto de Brasília foi cedido para um consórcio privado, que ficou responsável pela conclusão da reforma
CUIABÁ
Na capital do Mato Grosso, estão previstos na Matriz investimentos de R$ 1,8 bilhão em mobilidade urbana e no aeroporto. Na área de mobilidade, são três projetos, com custos estimados em R$ 1,718 milhões. O corredor da avenida Mário Andreazza e as obras de acessibilidade no entorno da Arena Pantanal devem ser entregues até este mês de março. No entanto, o VLT (Veículo Leve sobre Trilhos), previsto para ficar pronto em junho, corre o risco de não ser concluído a tempo do primeiro jogo da Copa na cidade, no dia 13 de junho.
Além das obras da Matriz, os governos estadual municipal ainda prometem outras 53 obras de mobilidade na cidade, sendo que 16 estão prontas, como os viadutos do Despraiado, da Sefaz e da UFMT. Porém, algumas obras que já foram entregues apresentaram problemas de estrutura denunciados pelo Crea, como a a trincheira do Santa Rosa, que teve fissuras identificadas nas paredes laterais.
CURITIBA
A Matriz de Responsabilidades da Copa prevê investimentos de R$ 623 milhões na área de mobilidade urbana e no aeroporto de Curitiba. Em mobilidade, são 11 projetos, todos com previsão de entrega até maio. Uma das obras previstas na Matriz de 2010 acabou excluída: a construção do corredor metropolitano.
*segundo a Infraero, aeroporto estará pronto para atender demanda na Copa, mas reforma só será concluída em 2016
FORTALEZA
A capital cearense conta com investimentos de R$ 948 milhões previstos na Matriz para obras de mobilidade urbana, no aeroporto Pinto Martins e no terminal marítimo de Mucuripe. Na área de mobilidade, são seis projetos com previsão de entrega até maio. Entre as obras estão listados três BRTs (Dedé Brasil, Paulino Rocha e Aberto Craveiro) e de um VLT (Parangaba / Mucuripe).
*Segundo a Infraero, aeroporto estará pronto para atender demanda na Copa, mas reforma só será concluída em 2017
MANAUS
Manaus conta com previsão de investimentos de R$ 534 milhões na Matriz para obras no aeroporto e no porto. Na área de mobilidade urbana, os dois projetos previstos no documento de 2010 acabaram excluídos. Apesar de ter ficado sem obras de mobilidade na Matriz, o governo local implantará um sistema de faixa exclusiva para ônibus na principal via de acesso à Arena da Amazônia. Manaus ainda terá a reforma do terminal hidroviário, com previsão de conclusão em maio.
*Segundo a Infraero, aeroporto estará pronto para atender demanda na Copa, mas reforma só terminará em setembro
Natal
Na capital do Rio Grande do Norte, a previsão de investimentos pela Matriz é de R$ 1,1 bilhão na área de mobilidade urbana, no aeroporto e no porto. Em mobilidade, a cidade conta com três projetos, todos com previsão de entrega em maio. No mesmo mês também deve ser entregue a construção do terminal marítimo do porto.
*O aeroporto de São Gonçalo do Amarante foi cedido para uma concessionária privada, que concluirá a obra
Porto Alegre
Porto Alegre foi a cidade que sofreu a maior exclusão de projetos da Matriz em comparação com a versão do documento assinada em 2010. Os dez projetos de mobilidade urbana previstos foram deixados de fora, sendo incluído apenas um: a pavimentação e urbanização do entorno e das vias de acesso ao Beira-Rio, que deve ser entregue até abril. Ainda assim, o governo local corre para entregar também antes da Copa o corredor exclusivo das avenidas Beira-Rio e Padre Cacique, que foram incluídos na lista de obras do Pac da Mobilidade.
*segundo a Infraero, aeroporto estará pronto para atender demanda na Copa, mas reforma só será concluída em 2016
Recife
Em Recife, estão previstos investimentos de R$ 918 milhões para obras de mobilidade urbana e no porto de acordo com a Matriz de Responsabilidades. A única obra prevista em 2010 para o aeroporto acabou excluída do documento. Em mobilidade, são sete projetos previstos na Matriz, sendo que um deles está concluído: o viaduto da BR-408, que da acesso à Arena Pernambuco. As outras obras devem ser entregues neste mês de março. Além disso, o governo local já concluiu outros sete projetos independentes de mobilidade voltados para a Copa.
Rio de Janeiro
Para o Rio de Janeiro, estão previstos na Matriz investimentos de R$ 2,2 bilhões em obras de mobilidade urbana e no aeroporto do Galeão. A reforma do porto, prevista em 2010, acabou sendo excluída da Matriz e só deve ser realizada para as Olimpíadas de 2016.
Em mobilidade, o Rio conta com três projetos. O principal deles, a construção da Transcarioca, tem previsão de conclusão para este mês de março. Ainda serão feitas a reurbanização do entorno do Maracanã e a modernização da estação multimodal do estádio.
*segundo a Infraero, aeroporto estará pronto para atender demanda na Copa, mas reforma só será concluída em 2015
Salvador
Na capital baiana estão previstos investimentos de R$ 172 milhões pela Matriz em obras de mobilidade urbana e reformas no aeroporto e no porto. Na área de mobilidade, são dois projetos. A construção de estruturas de acessibilidade no entorno do estádio da Fonte Nova foi concluída. Já a construção de rotas de pedestres na região, orçada em R$ 7 milhões, está paralisada, apesar da previsão de término até maio. O projeto, inclusive, apresenta diversos problemas identificados pela reportagem do GloboEsporte.com. Principal obra de mobilidade listada na Matriz de 2010, o BRT de acesso ao aeroporto foi excluído do documento. Em contrapartida, o governo local promete entregar até a Copa uma nova linha do metrô que facilitará o acesso ao estádio da Fonte Nova. O porto de Salvador também deve ganhar até maio um terminal marítimo de passageiros e a urbanização de toda a região.
*Segundo a Infraero, aeroporto estará pronto para atender demanda na Copa, mas reforma só será concluída em julho
São Paulo
Em São Paulo, a Matriz prevê investimentos de R$ 3,8 bilhões, sendo que a 80% destes recursos serão aplicados nos aeroportos de Guarulhos e Viracopos. Em mobilidade urbana, o projeto para São Paulo foi bastante alterado em razão da mudança de estádio.
Na versão da Matriz de 2010, o Morumbi era o estádio da cidade e a única obra prevista era a construção da Linha Ouro do metrô, um monotrilho que ligaria o aeroporto de Congonhas à arena. Com a exclusão do Morumbi e a construção da Arena Corinthians, em Itaquera, o governo local se voltou para a região com o que chamou de Polo Institucional de Itaquera. São intervenções viárias que devem ser entregues até abril. Atualmente, as obras estão com 83% de conclusão.
*Os aeroportos de Guarulhos e Viracopos foram cedidos para consórcios privados, que concluirão as reformas