Pare, um pedestre quer atravessar a rua!

Mobilize reproduz artigo do blog Rua de Gente que fala da dificuldade de ser um pedestre em Salvador (e no Brasil)

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Fonte: Rua de Gente  |  Autor: Henrique Oliveira de Azevedo  |  Postado em: 06 de março de 2014

Figura 1: Pessoa com dificuldade de atravessar a a

Pessoa com dificuldade de atravessar a av. Vale de Nazaré

créditos: Google Street View

 

“É descabido parar o fluxo de veículos de uma avenida para uma só pessoa atravessar!”. Um amigo me disse isso há algumas semanas e a frase não me saiu da cabeça. Dirigindo para casa, em uma rua com grande fluxo de veículos, observei uma pessoa sozinha tentando atravessar. Não parei. E me lembrei da frase de meu amigo. Poucos metros depois, vi mais uma pessoa sozinha tentando atravessar a avenida. Também não parei. Em seguida, outra pessoa. Novamente, não parei. Mas pensei: “Se tivesse parado para a primeira pessoa atravessar a rua, as três teriam atravessado...”

 

Nossas avenidas são barreiras quase intransponíveis, não fosse o auxílio de equipamentos como sinaleiras ou passarelas. Mas tais equipamentos não atendem nem um terço das necessidades da população. Primeiro, a maioria das sinaleiras da cidade de Salvador existem apenas para regular o trânsito: fecham as vias para o cruzamento de carros e não dispõem de temporizador para pedestre. Um exemplo disso é a sinaleira da Garibaldi, próxima à entrada de Ondina. Para o fluxo de quem está na via, ela abre para os carros que estão no retorno, mas não dá tempo para os pedestres atravessarem a avenida no longo trecho após a sinaleira. Ou seja, trata-se de uma sinaleira para carros, não para pedestres. 

 

Figura 2: Mapa da Av. Garibaldi e Av. Adhemar de Barros. Composição própria.

 

As passarelas da cidade, além de poucas, exigem um aumento muito grande no esforço físico para atravessar uma pequena distância entre dois lados de uma avenida. Além de aumentar muito o deslocamento da pessoa, exige uma subida em rampa acentuada, fora de qualquer norma para acessibilidade.

 

Em muitos pontos da cidade, há uma demanda por travessia não atendida por nenhum equipamento. E estes pontos são extremamente perigosos para atravessar. Os pedestres muitas vezes correm sérios riscos, pois só conseguem atravessar correndo entre os carros. Imaginem se os pedestres são gestantes, idosos, obesos, crianças, deficientes físicos ou mesmo jovens carregando algum objeto maior ou mais pesado!

 

Toda essa falta de equipamentos necessários reduz ou impossibilita muitas pessoas de fazerem o deslocamento a pé. E ainda as obriga a utilizar como alternativa o carro, a moto ou o táxi, aumentando a quantidade de veículos nas ruas e assim piorando o trânsito.

 

Figura 3: Mapa Av. Paralela na altura da Av. Pinto de Aguiar. Composição própria.

 

Um exemplo prático: um jovem que mora no Condomínio dos Securitários, na Av. Pinto de Aguiar, e estuda no Colégio Salesiano D. Bosco, se tivesse facilidade de travessia, poderia ir andando para a escola. São apenas 1.250m de distância no plano (ver trilha verde no mapa acima). Entretanto, o estudante acaba usando outro meio de transporte, pois a travessia para o pedestre naquele lugar é muito complicada sem sinaleiras ou passarelas. A passarela mais próxima da casa de nosso estudante fictício aumentaria o percurso dele em 800 metros, com subidas e descidas (trilha vermelha). 

 

Figura 4: Mapa Av. Bonocô/Ogunjá e seus pontos de difícil travessia. Composição própria.

 

Como sofrem as pessoas que moram próximas às avenidas sem equipamentos para facilitar suas travessias diárias! Outro ponto que chama a atenção é a avenida Bonocô, nas proximidades da entrada do Ogunjá. Os moradores do Condomínio Pedras do Vale e da Rua Rodolfo Pimentel, para chegar ou sair de casa, precisam fazer a travessia da avenida. Sempre que circulo por lá, vejo alguém tentando atravessar naquele ponto.

 

Figura 5: Pessoa tentando atravessar próximo ao Cond. Vale das Pedras.
Imagem do Google Street View.

 

O trânsito faz parte de um sistema que tem que ser fluido e eficiente, mas só representa 20% do sistema. Quando se investe só nele, estamos comprometendo o funcionamento dos outros 80% do sistema, que perdem em eficiência. Vale lembrar que a pesquisa de Mobilidade Urbana da Região Metropolitana de Salvador 2013 mostra que de todos os deslocamentos realizados na cidade, menos de 20% são feitos de carro e os demais são a pé ou de transporte público. Por isso, a excessiva fluidez do trânsito compromete muito a mobilidade dos demais meios, principalmente do pedestre e do ciclista. E todo usuário de transporte público é também pedestre nos deslocamentos até o ponto de ônibus.

 

Figura 6: Pessoas atravessando a via sem a existência de equipamento de apoio.
Imagem Google Street View.

 

Figura 7: Bancos e ciclovia instalados em canteiro central sem acesso para as pessoas.
Imagem Google Street View.

 

Quanto mais se investe na fluidez do tráfego, mais se gera congestionamento. E quanto mais se investe em outros modos, aumentando as possibilidades para os meios não motorizados e priorizando o pedestre, o transporte público, a redução da velocidade máxima dos carros e as facilidades para as travessias dos pedestres, mais pessoas poderão deixar seus carros em casa e optar por um meio de transporte mais saudável, econômico e ecológico. Essa é uma tendência em todos os grandes centros do mundo, a exemplo de Nova Iorque, Barcelona e Amsterdã.

 

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