Tempos atrás, o blog Rua de Gente divulgou o artigo Jovens que vão a pé para a escola têm rendimento escolar superior, publicado no site português Menos um carro. O estudo em que se baseia o artigo chega a conclusões bem interessantes, como a influência do tempo de caminhada no bom rendimento escolar e o tempo mínimo para esse tipo de deslocamento surtir o efeito desejado: 15 minutos.
A explicação é simples: as crianças que se deslocam a pé ou de bicicleta para a escola desenvolvem um nível de concentração bem maior porque precisam prestar mais atenção nos percursos que fazem em comparação com os que vão de carro para a escola. Além disso, ao exigirem mais esforço físico, os deslocamentos a pé e de bike propiciam à criança uma predisposição maior de chegar à escola e conseguirem se concentrar nas atividades mais facilmente.
Mas nem sempre o que se vê nas cidades facilita a intenção de pais que querem dar a seus filhos a oportunidade de uma vivência urbana mais efetiva e ainda estimular o melhor rendimento escolar deles. Há muitos passeios descuidados nas ruas de Salvador, em muitos lugares eles até inexistem, muitas vezes são desrespeitados pelos automóveis e ainda possuem diversos desníveis e obstáculos.
Por isso, a proposta é que o prefeito de Salvador se empenhe em melhorar as condições das calçadas ao redor das escolas, como forma de incentivar que as crianças e jovens se desloquem para as aulas andando, de bicicleta ou utilizando outros meios suaves, como patinetes, skate ou patins.
Como forma de auxiliar neste trabalho, foi feito um estudo de caso em um dos bairros mais emblemáticos de Salvador, por ter uma concentração de escolas tradicionais, que é o Garcia.
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Calçada toda esburacada na rua Leovigildo Filgueiras
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Segundo a recente pesquisa de Mobilidade Urbana (a também chamada Pesquisa O/D), são geradas e atraídas para o Garcia diariamente 51 mil viagens em todos os modos: carro, ônibus e a pé. Destas, 10 mil têm por motivo o estudo e, destas, 3.654 são realizadas em veículos individuais motorizados. Não é muito. Mas o problema é que essas viagens são concentradas nos horários de entrada e saída das aulas.
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Escada pública que liga o vale (Av. Centenário) ao Garcia, na rua Leovigildo Filgueiras
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Mais uma das muitas escadas que ligam o Garcia ao vale, esta dá acesso à rua Pacifico Pereira (Curva Grande)
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Esta escada liga a Av. Reitor Miguel Calmon à rua Conde Pereira Marinho, em frente ao Colégio Antônio Vieira
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O Garcia é um bairro que fica em uma área de cumeada, com poucos acessos possíveis para carros, porém muitas possibilidades para pedestres. Há algumas trilhas e escadas ligando a cumeeira ao vale, todas improvisadas e mal tratadas, sem iluminação nem roçagem dos matos ou limpeza urbana, completamente relegadas pelos poderes públicos. Enquanto a Prefeitura só enxergar como vias urbanas as ruas destinadas para o carro, as demais modalidades de acesso estarão relegadas à própria sorte.
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Passeios sem condições de uso na Curva Grande
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Falta de passeio em outro trecho da rua Pacífico Pereira.
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Os passeios também estão completamente abandonados. Em alguns lugares, eles simplesmente inexistem. Se queremos incentivar que nossas crianças e jovens andem pela cidade, precisamos oferecer a infraestrutura adequada e segura para que os pais se sintam tranquilos em mandá-los a pé para a escola ou mesmo finalizarem o percurso a pé.
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Carro usando a calçada como estacionamento em frente à Faculdade 2 de Julho.
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Além de estreita, esta calçada na Curva Grande é desrespeitada pelo carro, que não deixa espaço para o pedestre circular |
Além do descuido e abandono com nossas calçadas, há o desrespeito por parte dos motoristas, que não se importam em não deixar espaço para que o pedestre possa transitar de forma adequada. Mais uma vez, é a falta da fiscalização dos poderes públicos, que não aplicam as penas cabíveis para disciplinar tais situações.
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Banca de revistas na rua Leovigildo Filgueiras ocupando quase toda a calçada |
A utilização indevida das calçadas para a instalação de equipamentos também impede que se deixe o espaço mínimo adequado para a circulação das pessoas.
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Nas proximidades do Colégio Antônio Vieira, as pessoas precisam andar pela rua para desviar das mesas da lanchonete |
Há ainda os comerciantes que usam as calçadas como espaço para atendimento aos clientes, distribuindo mesas e cadeiras como se o passeio fizesse parte de sua propriedade e, mais uma vez, há a omissão da fiscalização.
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O alargamento da via em frente ao Colégio Sacramentinas poderia... |
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... dar lugar a um largo, com prioridade para o pedestre, evitando o aumento... |
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... do percurso e subidas e descidas desnecessárias para o pedestre |
O passeio na frente do Colégio Sacramentinas, por exemplo, poderia não seguir a reentrância da rua, dando prioridade ao deslocamento do pedestre, sem aumentar desnecessariamente seu percurso.
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Na rua Leovigildo Filgueiras, ao lado do Banco do Brasil, mal cabe um carro |
No Garcia, o passeio também é interrompido para ruas estreitas e sem saída, onde mal cabem veículos. Por que o passeio é interrompido? Isso quebra a continuidade da calçada, criando obstáculos desnecessários.
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Na Curva Grande, há espaço para carro abandonado mas não tem calçada para as pessoas |
Inexistem também calçadas em alguns lugares importantes, como neste trecho da rua Pacífico Pereira, conhecida como Curva Grande, que costuma ficar bem congestionado nos horários de pico das escolas, em especial do Colégio Antonio Vieira. Não fosse a ausência de calçada em um dos lados da pista, as crianças poderiam saltar dos veículos que estivessem subindo a ladeira e concluir o percurso para a escola andando, evitando atrasos no horário de chegada.
Precisamos urgentemente de ações que tornem nossas calçadas mais atrativas para as pessoas, como uma melhor qualidade da pavimentação, regularidade, continuidade, largura adequada e, mais, respeito por parte dos motoristas e comerciantes ao direito de circulação dos pedestres pelas calçadas.
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Lixo acumulado na rua Comendador José Alves Filho, próxima à entrada de alunos do Colégio Sacramentinas (Foto de 14/12/2013) |
Em todos os casos mencionados aqui, os poderes públicos têm um papel fundamental, seja na manutenção da ordem, fazendo cumprir as leis já existentes, seja no aumento da segurança pública, com a presença de agentes que fiscalizem e façam com que a circulação das pessoas seja priorizada em relação aos carros. A pesquisa de mobilidade urbana em Salvador e Região Metropolitana conclui que os carros não transportam nem 20% da população na cidade em suas necessidades de deslocamento.
Poderia haver, também, parcerias entre a Prefeitura e as escolas, que poderiam colocar seu pessoal de apoio nas ruas para auxiliar as crianças, conduzindo-as para as escolas e diminuindo os congestionamentos. O Colégio Antônio Vieira, que tem um grande contingente de funcionários, já faz esse apoio internamente em seus grandes estacionamentos e, algumas vezes, no acesso aos estacionamentos, na área externa à escola. Se esse pessoal fosse transferido para as ruas, em todas as escolas da região, a agilidade na recepção dos alunos poderia aumentar ainda mais.
Mas, até lá, há uma mudança comportamental e cultural a ser empreendida por parte de todos nós, motoristas, comerciantes, poderes públicos e pedestres, todos cidadãos que querem ver garantidos e respeitados seus direitos de ir e vir na própria cidade onde moram.
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