“Diariamente percorro 43km e isso me agrada”, diz Carlos Cantor, em Bogotá. “Há cinco anos troquei o carro pela bicicleta”, afirma Tomás Fuenzalida, de Santiago. Ambos expressam a primavera das bicicletas como solução de transporte na América Latina. Mas na segunda região mais urbana do mundo, a bicicleta cresce em um processo algumas vezes ensolarado e noutras nublado, diz o estudo Bicidades 2013, do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), sobre os avanços desse meio sustentável em cidades grandes e médias.
O informe, baseado em pesquisas e solicitado pela Iniciativa Cidades Emergentes e Sustentáveis do BID, registra que entre 0,4% e 10% da população usa a bicicleta como transporte principal. Entre as cidades pesquisadas, a boliviana Cochabamba lidera a lista com 10% da população. Em seguida estão La Paz e Assunção, com 5%. Todas elas se incluem como cidades emergentes, com cem mil a dois milhões de habitantes. Entre as grandes urbes, Santiago do Chile e Cidade do México, 3% da população tem na bicicleta seu principal transporte, seguidas por Buenos Aires e Bogotá, com 2%.
Bogotá afirma ser “ícone mundial na promoção das ciclorrotas”, como se chamam na Colômbia as ciclovias, com 376km confinados e mais 120 de vias recreativas, com ruas interrompidas ao tráfego de carros nos finais de semna.
A Secretaria de Mobilidade do Distrito Capital calcula que em Bogotá, com cerca de oito milhões de habitantes, há aproximadamente 450 mil que usam bicicletas, majoritariamente operários, seguidos por estudantes de setores populares. As ciclovias recreativas remontam a 1974 e são usadas a cada domingo por um milhão de pessoas. “A ciclovia (recreativa) me encanta, utilizo todos os domingos, mas as ciclorrotas não, porque muitas são incompletas, com trechos compartilhados com automóveis e ônibus, e me dá medo”, explicou a estudante de direito Carolina Mejía. “Além disso, a insegurança é grande”.
Segundo o comunicador social, Cantor, “a insegurança é certa, todos os dias há roubos de bicicletas e seu comércio é muito alto. Em segundos, com um spray mudam a cor e sua bicicleta desaparece. Mas aprendemos a usar as que não são tão pretensiosas, e colocar marcações que dificultam seu comércio clandestino”. Fuenzalida, de 44 anos, substituiu o automóvel pela bicicleta na capital chilena “pela saúde”, porque faz exercício “sem pegar um só peso na academia” e porque “é muito mais agradável andar de bicicleta do que de metrô, por exemplo”.
Ele não pedala apenas para ir ao trabalho, mas também para levar os filhos na escola, para ir a reuniões ou visitar a família. Para gente como ele, a prefeitura de Santiago implantará o Plano Mestre de Ciclovias para estender esses caminhos para 933km. Atualmente somam 215km, com outros 130 em municípios rurais vizinhos. Não chamada Grande Santiago vivem mais de cinco milhões de pessoas.
“Este é um dos pilares para aumentar o uso de bicicletas e para que a cidade e os santiaguinos percebam os benefícios em descongestionamento, saúde e cuidado ambiental”, afirmou a ministra secretária-geral do Governo, Cecilia Pérez. O intendente metropolitano, Juan Antonio Peribonio, declarou que o plano estará pronto em 2022 e que também estão sendo construídos trechos de ligação das ciclovias existentes. A isso se soma um sistema de bicicletas públicas para incentivar este transporte alternativo.
No entanto, nem tudo é bom para os ciclistas. “Às vezes há pedestres, taxistas ou motoristas que me xingam, me chamam de burra. Devem se acostumar com meu direito de andar pela rua como eles”, contou Laurie Fachaux, uma jornalista francesa de 28 anos, há poucos meses no Chile. A psicóloga Antonia Larraín, de 37 anos, acredita que parte do problema é a falta de regulamentação que proteja os ciclistas. “Se há acidentes, há total impunidade”, lamentou essa mulher que diariamente pedala 13km para ir e voltar ao trabalho.
A outra face quem mostra é Enrique Rojas, de 50 anos e 30 como taxista em Santiago. “Os ciclistas são imprudentes, cruzam entre os carros e não respeitam os sinais. Muitas vezes quase atropelo algum porque não respeitou o sinal vermelho ou pedalava sem luz à noite”, disse Rojas. “Os ciclistas também deveriam ser obrigados a ter carteira de habilitação e as bicicletas deveriam ter placas. Não podem pegar a bicicleta e não se preocupar com nada, deixando sua segurança nas mãos de outros”, queixou-se o taxista.
A bicicleta também avança na Cidade do México, com oito milhões de pessoas, aos quais se somam outros 11 milhões em sua área vizinha. “Foi um processo relativamente curto”, explicou Xavier Treviño, diretor do escritório mexicano do não governamental Instituto de Políticas para o Transporte e o Desenvolvimento (ITDP). “Seu maior êxito foi colocá-la como meio opcional e sua maior fortaleza a promoção”, detalhou.
O emblema das duas rodas na capital mexicana é o sistema de Transporte Individual Ecobici, que desde seu lançamento em 2010 soma 87 mil usuários, com quatro mil bicicletas distribuídas em 275 estações ao longo de 22km. Para usar o sistema é preciso se registrar e pagar US$ 31 por ano. Além disso, a Cidade do México tem 90km de ciclovias confinadas e não confinadas. “Sistemas como o Ecobici incentivam a continuar crescendo. É uma inércia positiva. Mas falta infraestrutura. Todas as vias primárias devem ter infraestrutura para bicicletas”, opinou Treviño.
Segundo o Bicidades 2013, quase todas as 18 cidades emergentes e seis grandes pesquisadas contam com ciclovias permanentes, menos Assunção e a colombiana Manizales. Somente Bogotá, Buenos Aires, Cidade do México, Assunção, La Paz e Montevidéu têm regulamentações sobre pedalar no trânsito urbano, como pede o taxista Rojas.
* A autora é correspondente da IPS, com colaborações de Helda Martínez (Bogotá), Emilio Godoy (Cidade do México) e Marianela Jarroud (Santiago).
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