Vai demorar mais do que o previsto para que a população de Porto Alegre possa realmente usufruir do legado da Copa do Mundo em mobilidade urbana. Das 10 obras definidas em 2010 como prioritárias para sanar as deficiências de infraestrutura viária da cidade e atender a demanda do Mundial, apenas uma deve ser totalmente concluída antes do início do evento esportivo, em junho de 2014.
Segundo levantamento, 75% das obras de mobilidade estão atrasadas ou foram descartadas.
As obras de mobilidade em Porto Alegre |
Obra | Pronta até a Copa? | Previsão de conclusão |
Avenidas Beira-Rio e Padre Cacique |
sim |
maio de 2014 |
Duplicação da Avenida Tronco |
não |
indeterminada |
Duplicação da Rua Voluntários da Pátria |
não |
indeterminada |
Complexo da Rodoviária |
parcialmente |
maio de 2014 (viaduto) |
Cinco obras da Terceira Perimetral |
parcialmente |
indeterminada |
Prolongamento da Avenida Severo Dullius |
não |
indeterminada |
BRT da Avenida Bento Gonçalves |
não |
indeterminada |
BRT da Avenida João Pessoa |
não |
indeterminada |
BRT da Avenida Protásio Alves |
não |
indeterminada |
Monitoramento dos corredores |
não |
indeterminada |
A prefeitura da capital gaúcha admite que algumas obras serão entregues parcialmente e outras ficarão para o segundo semestre ou para 2015. Não por acaso, o prazo será cumprido apenas para o projeto do entorno do Beira-Rio, palco dos cinco jogos que a cidade vai receber. Acesso fácil ao estádio é a principal exigência da Fifa. As avenidas próximas ao estádio também constituem um dos principais acessos à Zona Sul da capital.
O atraso generalizado fez com que, no final de novembro, todas as obras de mobilidade urbana de Porto Alegre fossem retiradas da matriz de responsabilidades da Copa, documento que lista os investimentos para o evento em todo o país e define as responsabilidades de governos e entidades privadas na execução dos projetos.
Da primeirão versão consolidada da matriz, de janeiro de 2010, até a penúltima revisão, em abril de 2013, o total de investimentos em mobilidade urbana na cidade passou de R$ 524,9 milhões para R$ 887,9 milhões.
O aumento de quase 70% no custo das obras, segundo já declarou a prefeitura, é resultado de alterações e melhorias que os projetos sofreram ao longo do tempo e será bancado pelo município, através de contrapartidas.
Com a transferência das obras para o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a prefeitura garantiu os recursos oriundos de financiamentos federais e ganhou mais tempo para terminar os projetos. Segundo a Secretaria Municipal de Gestão, um novo cronograma está sendo definido junto com o governo federal.
"Essa decisão foi construída em conjunto com o Ministério das Cidades e não vai comprometer a qualidade do evento. Garantimos que as obras do entorno do Beira-Rio ficarão prontas. As outras obras serão executadas, mas a prefeitura assumiu o compromisso de concluí-las a outro tempo", diz o engenheiro Rogério Baú, coordenador técnico da pasta.
A promessa é concluir os trabalhos do entorno do estádio até maio de 2014. O projeto compreende a duplicação da Avenida Edvaldo Pereira Paiva e a construção de um corredor de ônibus na Avenida Padre Cacique, de um viaduto na Pinheiro Borda e de uma ponte sobre o Arroio Dilúvio, já em uso. Segundo Rogério Baú, 80% das obras já foram executadas. Das três vias de acesso ao Beira-Rio, que totalizam cerca de 1 quilômetro de extensão, duas já foram concluídas e a outra está quase pronta.
Do mesmo modo, devem ser finalizados a tempo da Copa os viadutos das avenidas Júlio de Castilhos e Bento Gonçalves. O primeiro integra o projeto do Complexo da Rodoviária, que prevê ainda uma estação de ônibus com acesso subterrâneo no canteiro central. A licitação para essa obra deve ser lançada em dezembro. O processo de concorrência anterior, que foi cancelado, previa o prazo de 11 meses para a conclusão. O segundo viaduto é uma das cinco intervenções na Terceira Perimetral, onde também há obras em estágio inicial.
A implantação do sistema de ônibus de trânsito rápido (BRT, na sigla em inglês), as duplicações da Avenida Tronco e da Rua Voluntários da Pátria e o prolongamento da Avenida Severo Dullius estão atualmente sem prazo para conclusão. Algumas dessas obras devem ser entregues no segundo semestre do próximo ano, mas outras, como a Tronco, ficarão para 2015.
Entraves
Uma soma de fatores foi responsável pelo atraso nas obras. Conforme o Executivo, os entraves vão desde a demora para a liberação de recursos, passando por discussões de desapropriações na Justiça e decisões legais que paralisaram os trabalhos até impasses ambientais e a descoberta de um possível sítio arqueológico em um canteiro de obras.
A prefeitura da capital nega, mas segundo apontou o Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS) no último relatório de acompanhamento das obras, divulgado em setembro passado, também ocorreram "falhas de planejamento e de organização". Projetos básicos deficientes, como o das obras da Terceira Perimetral, tiveram de ser alterados.
Na Tronco, as desapropriações das 1,4 mil famílias que vivem no leito da futura via andam a passos lentos. As casas que abrigarão parte dos moradores começarão a ser erguidas no início de 2014. O Executivo alega que não apareceram empresas interessadas em participar das três licitações para a construção das moradias para as famílias de baixa renda.
Problemas com desapropriações também paralisam um trecho da duplicação da Voluntários da Pátria. Prefeitura e proprietários discutem na Justiça a desocupação dos imóveis. Conforme Baú, o município já obteve decisões favoráveis sobre cinco das 18 áreas em disputa e uma nova frente para a obra deve ser aberta ainda em dezembro. Além disso, a descoberta de possível patrimônio arqueológico no subsolo deve causar lentidão nas escavações, que serão acompanhadas de perto por técnicos do Iphan.
Disputas judiciais e problemas no projeto básico também comprometeram o cronograma de três das cinco obras da Terceira Perimetral. Na trincheira da Anita Garibaldi, uma rocha no subsolo obrigou a prefeitura a providenciar um termo aditivo ao projeto. Os trabalhos no local foram retomados em outubro, após uma interrupção de três meses.
Nas passagens subterrâneas da Cristóvão Colombo e da Plínio Brasil Milano, as escavações não iniciaram. No primeiro caso, a obra está em fase de remanejamento dos postes de iluminação. No segundo, a prefeitura ainda reivindica a posse de uma área do município ocupada por uma revenda de carros. Os trabalhos na Ceará e no viaduto da Bento Gonçalves estão em andamento e podem ser concluídos a tempo do Mundial.
O cenário também é de incertezas na Avenida Severo Dullius. Na prática, as obras de prolongamento de 2,4 quilômetros da avenida estão em estágio inicial. O principal obstáculo foi ambiental: por causa da dificuldade na remoção de lixo de um aterro sanitário, o projeto precisou ser alterado, com desvio do traçado da via. A obra também deve ficar para 2015.
Na Voluntários da Pátria, disputas judiciais impedem pavimentação e conclusão daduplicação (Foto: Caetanno Freitas/G1)
Já a implantação do sistema BRT – o principal projeto de transporte coletivo, que soma quatro das 10 obras de Porto Alegre – deve entrar em plena operação apenas em 2015, segundo a prefeitura. Após o TCE-RS determinar a paralisação das obras por suspeita de sobrepreço, os trabalhos de pavimentação dos corredores das avenidas Protásio Alves, João Pessoa e Bento Gonçalves foram retomados no início do outubro.
Anteriormente, uma improvável falta de areia para a construção civil havia atingido os BRTs. O desabastecimento foi causado pela proibição judicial de mineração no Rio Jacuí, liberada meses depois. Os corredores devem ser completamente concluídos em abril de 2014. Atualmente, ainda faltam o edital para a construção das estações e dos terminais e também a licitação do transporte coletivo da capital gaúcha, cujos vencedores terão que arcar com os custos da compra dos novos ônibus.
Demora
O ritmo lento das obras gera transtornos e, segundo o TCE, pode resultar em prejuízos aos cofres públicos. Em nome dos alegados benefícios que essas essas ações trarão no futuro, os porto-alegrenses terão de conviver por mais tempo com uma cidade transformada em um canteiro de obras. Máquinas espalhadas pelas ruas e vias sobrecarregadas por desvios e bloqueios de trânsito ainda farão parte da paisagem da cidade por alguns meses.
Na Voluntários da Pátria, comerciantes reclamam de prejuízos com a demora para a conclusão das obras. Nas proximidades da Rodoviária, onde as disputas judiciais paralisaram os trabalhos, operários não são vistos há mais de dois meses. Acessos fechados e o cenário de abandono afastaram os clientes, dizem os comerciantes. Alguns estabelecimentos teriam fechado as portas. Outros acumulam perdas de até 90%.
"Nosso prejuízo foi muito grande, muito grande mesmo. São oito meses praticamente sem trabalhar. Dá pra dizer que chega a 90%. Também tem essa buracada toda que antes não tinha. Ficou pior do que já estava. Antes, quando chovia, não alagava tudo. Agora bate uma chuva forte a gente fica ilhado aqui”, conta Luís Carlos, 50 anos, há 30 trabalhando em uma borracharia na via.
Os moradores de bairros afetados pelas obras na Terceira Perimetral também reclamam dos contratempos. Nessas regiões, há descrédito sobre as melhorias no trânsito e desconfiança quanto ao impacto das obras. Na Cristóvão Colombo, moradores de um condomínio ingressaram na Justiça pedindo a paralisação das obras, alegando que o prédio pode sofrer abalos estruturais com as escavações da passagem subterrânea. As obras foram liberadas pelo Judiciário em agosto, após cinco meses de paralisação.
Na avaliação do TCE-RS, a demora para a conclusão dos trabalhos também pode acarretar desperdício de dinheiro público. O relatório citado anteriormente diz que o descumprimento dos cronogramas das obras “favorece o aumento do custo global das mesmas através do reajuste dos contratos que se perpetuam além dos prazos previstos e em razão do incremento de serviços, tais como a sinalização de obra, por exemplo”.
Aeroporto
Sob responsabilidade do governo federal, melhorias prometidas para o Aeroporto Salgado Filho também contam com um histórico de atrasos, prorrogação de prazos e problemas. Algumas obras no terminal começaram mais de dois anos depois da previsão inicial, enquanto outras foram retiradas da lista de obras da Copa e ficarão para 2015 ou 2016.
Neblina é responsável por constantes fechamentos do aeroporto no inverno (Foto: João Laud/RBS TV)
É o caso da ampliação da pista de pousos e decolagens. Prometida há mais de uma década, as obras de extensão de 920 metros da pista, que permitirão a operação de aeronaves de grande porte, deveriam ter iniciado em março de 2011, mas sucessivos adiamentos fizeram o projeto ser removido da Matriz de Responsabilidades da Copa em dezembro de 2012.
Segundo a Infraero, os atrasos foram causados pela complexidade do projeto. Para suportar o peso de grandes aviões de carga, o solo precisará receber um tratamento especial, que aumentará consideravelmente os custos da obra. Após dois anos nas mãos do Exército, o projeto de engenharia está atualmente em análise em Brasília.
"O edital deve ser publicado agora em dezembro. Será pelo RDC (Regime Diferenciado de Contratação), para agilizar a obra em função do histórico de atrasos. No primeiro semestre de 2014, será dada a ordem de serviço", afirma o superintendente da Infraero na Região Sul, Carlos Alberto da Silva Souza, acrescentando que o prazo para a conclusão é de 18 a 24 meses.
Outra novela envolveu a instalação do sistema de aproximação por instrumentos de categoria 2, o ILS2, na sigla em inglês. O equipamento aumenta as condições de pousos e decolagens em condições de mau tempo e neblina, responsáveis por frequentes fechamentos do aeroporto nos meses de junho e julho, época que coincidirá com a realização da Copa.
Prevista para setembro, a instalação do ILS2 atrasou mais uma vez. A desculpa foram as chuvas, que impediram os trabalhos de colocação de luzes de aproximação e outros equipamentos necessários para o funcionamento do sistema. Carlos Souza diz que os trabalhos serão terminados até o final do ano. Depois disso, serão necessários de 60 a 90 dias para homologação do sistema pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), processo que compreende a certificação de equipamentos e publicação de cartas aeronáuticas.
Entregue em agosto, aeromóvel é a única obra de transportes concluída sem atropelos em Porto
Alegre (Foto: Kauê Menezes/Divulgação Trensurb)
Do pacote de obras mantidas sob chancela da Copa, a ampliação do terminal de passageiros 1 começou em outubro, com 28 meses de atraso. Por conta disso, o projeto será entregue aos pedaços: parte ficará pronta em maio de 2014 e parte em 2016. Nessa primeira fase, serão instaladas novas salas de embarque e desembarque, entre outros itens.
Em dezembro de 2011, foi entregue o Módulo Operacional Provisório (MOP), ampliando a capacidade do aeroporto em 1,5 milhão de passageiros por ano. Segundo o superintende Carlos Souza, essas melhorias são suficientes para garantir uma operação satisfatória na Copa. Atualmente, a estrutura do Salgado Filho tem capacidade para receber 13 milhões de passageiros por ano, dois milhões a mais do que o movimento estimado para 2014.
A rigor, a única obra de transporte entregue sem atropelos na capital gaúcha foi a do aeromóvel, concluída em agosto. Os veículos movidos a ar, que circulam por uma linha suspensa de 814 metros de extensão, ligam a estação de trem ao aeroporto. A linha já opera experimentalmente com um veículo capaz de transportar 150 passageiros, sem cobrança de tarifa. O segundo veículo, com capacidade para 300 pessoas, está em fase de testes. Segundo a Trensurb, a operação comercial começará nos próximos meses.
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