Mais de dois anos após a inauguração do teleférico do Complexo do Alemão, inspirado no modelo da Colômbia, o meio de transporte ainda gera polêmica. O morro da Providência, também no Rio de Janeiro, será a segunda favela brasileira a receber o sistema de transporte de massa por cabo. Sua inauguração está prestes a acontecer, embora a central de atendimento da prefeitura não saiba informar o que falta para isso. Na Rocinha, próxima favela cotada pela prefeitura para receber o teleférico, grande parte dos moradores luta para que isso não aconteça. Eles são a favor da continuação das obras inacabadas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) 1 e de uma rede de saneamento básico que atenda toda a comunidade.
As opiniões sobre novo tipo de transporte divergem, e não raro ouve-se relatos de vantagens e desvantagens por parte de um mesmo usuário. Para a moradora do Itararé Maria Dolores, a construção do teleférico do Complexo do Alemão foi muito boa. Antigamente, ela descia a pé ou de van para ir ao trabalho. Hoje em dia, usa o transporte diariamente, gastando apenas 16 minutos para ir de uma extremidade a outra do Complexo, passando por seis estações. “Para mim, melhorou muito. Acho que facilitou a vida de muitos”, comemora, mas logo em seguida acrescenta que “outros têm medo”.
Dolores considera um privilégio para o Complexo do Alemão ter recebido o teleférico, e acredita que outras favelas também deveriam receber o modal. A moradora lembra, porém, que ao optar pelo meio, o governo realizou muitas remoções e deixou de investir em outras prioridades. Para ela, uma das grandes carências do topo da favela é a falta de lazer, principalmente para as crianças. Segundo a moradora, a falta de médicos nos postos de saúde também é grande.Outra desvantagem citada por ela é que os turistas vêm conhecer o teleférico e a sua vista, e não a favela em si.
Uma das grandes vantagens do modelo do Alemão é que a estação do teleférico de Bonsucesso faz integração com o trem. Severina Silva, moradora da favela, trabalha em Niterói e usa o sistema com a integração todos os dias. Já Barbosa da Silva, que mora bem ao lado da estação Itararé,diz que prefere usar a Kombi, pois morre de medo de se locomover por um cabo de aço.Ele contou que sua casa chegou a ser marcada para ser removida, mas que por algum motivo conseguiu ficar e acompanhar bem de perto as obras. Para ele, apesar do medo, o teleférico é algo maravilhoso: “ninguém nunca pensou em fazer uma coisa dessas aqui”, todo mundo usa”, comenta.
Segundo Raul Lisboa, analista técnico da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) e especialista em planejamento de transporte, o modelo mais eficiente para as favelas é o que se dá “através da participação ativa da comunidade no desenvolvimento do projeto”. Participação que infelizmente não tem acontecido, a julgar pelo caso da Rocinha, onde moradores estão lutando há meses para serem ouvidos pelo governo.Eles preferem que o investimento destinado ao teleférico seja usado em saneamento básico, e reclamam constantemente da falta de diálogo sobre o projeto que está sendo elaborado pelo governo e que ainda não tem previsão para o início da obra.
Confira o vídeo sobre os meios de transporte alternativos da Rocinha
Para Lisboa, as vantagens do meio de transporte são o conforto, a rapidez e o fato dele não ser poluente. Já entre as desvantagens, ele destaca que o transporte não atende bem à população residente nas partes baixas da comunidade e distantes das estações do teleférico. Outra desvantagem é o fato do meio não realizar transporte de carga pesada, volumes de maior porte, material de construção, entulho e lixo, não facilitando a vida dos moradores. Por fim, ele lembra a questão da visitação turística, que representa perda de privacidade para os habitantes. “Com as gôndolas sobre suas casas, os moradores viram alvo da curiosidade de estranhos”, ressalta.
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A casa de Barbosa escapou da remoção das obras do teleférico no Alemão
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Teleférico do Alemão atende menos da metade do esperado
O primeiro teleférico a virar cartão postal de uma favela no Brasil, o do Complexo do Alemão, foi construído com recursos do PAC e em parceria com os governos federal e estadual ao custo de R$210 milhões. Ele atingiu, no mês passado, a marca de sete milhões de passageiros transportados. Segundo a Supervia, que é a empresa responsável pela administração do teleférico (controlada pela Odebrecht TransPort), há, hoje, 20 mil moradores cadastrados (28,5% da população local) e apenas 12 mil pessoas utilizam o meio diariamente.
De acordo com o Censo Demográfico de 2010, há aproximadamente 70 mil residentes no Complexo do Alemão. O número de moradores que utiliza o transporte representa, então, 17% da população local, mostrando que os outros 83% utilizam outros meios de transporte. Para a Supervia, a tendência é que com o tempo o número de usuários aumente como tem acontecido desde a sua inauguração, em julho de 2011, quando registrava-se cinco mil usuários por dia.
A previsão inicial do governo foi de que o teleférico seria usado por 30 mil pessoas por dia, o que corresponde a sua capacidade máxima. São possíveis três mil embarques por hora, contando com oito passageiros em cada uma das 152 gôndolas. Portanto, o uso do teleférico do Alemão não atingiu nem a metade de sua capacidade máxima. Mas, mesmo se tivesse atingido, e ainda que fosse usado apenas por moradores e não por turistas, estaria atendendo a menos da metade da população local. O dado gera suspeitas quanto à real motivação do estado com o projeto: se foi para atender aos habitantes do Complexo ou para se tornar uma nova atração turística.
Como forma de beneficiar os moradores da favela, os que se cadastrarem tem direito a duas passagens diárias gratuitas pelos 3,5 quilômetros de extensão do teleférico. A partir da 3ª passagem, pagam R$1,00, assim como visitantes que utilizam Bilhete Único, Vale-Transporte ou Cartão Expresso. Aos que adquirem a passagem diretamente na bilheteria, o valor sobre para R$5,00.
O Teleférico funciona de segunda a sexta-feira, das 6h às 21h, e nos sábados, domingos e feriados, das 8h às 20h. Nos dias úteis, 70% dos passageiros são moradores e aos finais de semana, 30%. Os não moradores representam turistas, trabalhadores ou visitantes de famílias que residem no Complexo. Para se cadastrar, basta que o morador vá a um posto da Riocard com CPF e comprovante de residência. A partir do ano que vem, o cadastro será feito uma vez por mês, exclusivamente na estação Bonsucesso.
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