Urbanista alemão defende transporte público em solução aos conflitos sociais

Professor visitante da FAU-USP sugere inovação tecnológica e diz que o motorista do carro tem de pagar pelo uso do espaço público

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Fonte: Galileu  |  Autor: André Jorge de Oliveira  |  Postado em: 09 de outubro de 2013

Trânsito em São Paulo

Trânsito em São Paulo

créditos: Guiborducchi/Wikimedia Commons

 

A falta de mobilidade urbana é um reflexo das injustiças sociais no Brasil  - e, por isso, não surpreende que fosse o estopim para as manifestações de junho. A opinião é de Martin Gegner, urbanista alemão e professor visitante da FAU-USP. Nesta entrevista à revista Galileu, ele dá suas impressões sobre como nosso país se relaciona com o espaço público, e explica o que o  Brasil pode aprender com a Alemanha nesse aspecto.

 

O que piora a mobilidade urbana em São Paulo?

A preferência pelo transporte individual privado nas últimas décadas e especialmente nos últimos anos. É óbvio que a cidade não comporta mais crescimento da frota de automóveis. Construir novas faixas nas marginais não resolve nada neste sentido. É preciso uma política drástica e corajosa para sair do colapso no trânsito de São Paulo.

 

Como melhorar isso nas grandes cidades?

Privilegiando o transporte público. Isto significa construir mais corredores exclusivos para ônibus. Além disso, é necessário implementar novas tecnologias como os VLTs (veículos leves sobre trilhos). Esta tecnologia combina rapidez, zero emissão e conforto para o passageiro. É importante mudar a imagem do transporte público. Para sair da imagem do ‘transporte para os pobres’, é necessário oferecer um serviço de qualidade. Sem contar que o VLT pode transportar mais pessoas do que o ônibus e pode ser implementado muito mais rápido e mais barato do que sistemas de metrô subterrâneo.

 

Além destes transportes de massa é preciso questionar o conceito do automóvel privado. Na Alemanha temos boas experiências com projetos de ‘car sharing’, no qual o carro é público e pode ser alugado até só cinco minutos antes. Todas as grandes produtoras de automóveis da Alemanha (Volkswagen, BMW, Mercedes-Benz) oferecem hoje em dia serviços de car-sharing. Estatisticamente, o proprietário de carro na Alemanha só o usa uma hora por dia. O resto do tempo o carro fica parado e custa dinheiro. Em cidades grandes o carro privado é um modo de transporte muito irracional.

 

Por fim, é preciso também privilegiar a bicicleta como meio de transporte onde for possível. Sei que em muitas cidades brasileiras, por razões climáticas e geográficas, o uso da bicicleta como meio de transporte não é uma boa opção. Mas existem cidades, especialmente de médio porte, por exemplo, cidades universitárias no interior, onde o uso de bicicleta como meio de transporte poderia ser fortalecido. O uso de bicicleta para lazer nos domingos é bonito e importante para aumentar o respeito do motorista para os ciclistas. Mas para o uso no dia a dia é preciso ter outras soluções.

 

Gregner: é necessária uma política drástica e corajosa

 

O Brasil sabe aproveitar seu espaço público?

O espaço público nas grandes cidades brasileiras é uma esfera problemática. Infelizmente para muitas pessoas significa uma área de medo. A classe média prefere espaços privados como clubes e condomínios e espaços semi-privados como shopping centers. A ideia do espaço público é que se trata de um espaço livre para todo mundo, sem segregação por poder econômico. Nas cidades brasileiras só existem poucos espaços públicos neste sentido.

 

O espaço público típico brasileiro é a praia. Assim, as cidades fora do litoral sofrem mais da falta de espaço público. Mas existem movimentos em prol da recuperação desses espaços nas cidades grandes. Os bailes funk no ar livre são um exemplo, mas claro este exemplo especificamente é muito conflituoso. O uso dos centros de São Paulo e Rio para a bicicleta nos domingos é outro exemplo de tentativa da recuperação do espaço público.

 

O que a Alemanha tem a nos ensinar?

A respeito de espaço público e da mobilidade, as condições na Alemanha são completamente diferentes. Por isso, é claro que conceitos e soluções que foram bem-sucedidos lá não poderiam ser aplicados na mesma forma no Brasil. Mas os exemplos de boa prática na mobilidade que mencionei podem ser adotados de uma maneira que combina com o Brasil. Tenho grande confiança em meus colegas urbanistas brasileiros que vão achar e aplicar as soluções certas para o Brasil. É importante que os políticos deixem os experts decidirem na aplicação das soluções corretas.

 

Qual é a relação entre mobilidade urbana e as manifestações de junho?

Os protestos começaram por causa do aumento de preço no transporte público. Quem usa o transporte público no Brasil, de verdade merece o passe livre. O transporte público é muito desconfortável e demora muito tempo. Por isto, quem usa o transporte público precisa ser privilegiado. A ideia do passe livre faz parte da ideia de privilegiar o transporte público.

 

Sou favorável a que o motorista que usa o carro nos centros das cidades precise pagar pela melhoria do transporte público (como é aplicado em Londres). Quem privatiza o espaço púbico com seu carro precisa pagar para quem usa os espaço público mais economicamente, ou seja, a pessoa que usa o transporte público.

 

Não era de surpreender que as manifestações começassem por causa da mobilidade urbana, pois ela apresenta muitos aspetos da injustiça social no Brasil. E infelizmente o Brasil perdeu a oportunidade de melhorar sua infraestrutura do transporte urbano com a Copa 2014. Desse modo, ligam-se dois grandes temas dos protestos: o grande gasto do dinheiro público com a Copa e o não investimento desse dinheiro no transporte público precário e de má qualidade.

 

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