Espaços compartilhados reduzem acidentes?

Experiência na Holanda põe em xeque a lógica de segregar e sinalizar para aumentar segurança no trânsito

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Fonte: Sustentabilidade Allianz  |  Autor: James Tulloch  |  Postado em: 03 de outubro de 2013

Playground estendido até a rua para alertar os mot

Playground estendido até a rua para alertar os motoristas

créditos: Ben Hamilton-Baillie

 

Noordlaren, uma cidadezinha na província holandesa de Gronongen, tinha um problema: o tráfego rápido passava ao lado do parquinho da escola primária. Aconteceu um acidente e algo tinha de ser feito.

A solução óbvia seria colocar um muro ou cerca mais alta entre o parquinho e a rua, ou novos semáforos. Mas, em vez disso, a escola removeu o muro e estendeu o playground até o outro lado da rua.

Agora a única barreira entre as crianças e os veículos é uma cerca baixa com uma única trave enfeitada com bolas coloridas. Não há sinalização no piso, nem semáforos ou placas. Bancos em amarelo vivo se estendem até a área trafegável. É como se os motoristas estivessem dirigindo dentro de um playground.

Esse era o objetivo. O engenheiro de tráfego holandês Hans Monderman convenceu pais e professores de que tornar o parquinho mais visível, e não o contrário, era a forma mais segura de fazer os motoristas diminuir a velocidade. Subitamente conscientes de que ali é uma escola, eles iriam pensar: 'Aqui eu sou um convidado', em vez de 'Quem manda aqui sou eu'.

E funcionou! "As velocidades foram reduzidas substancialmente, entre 9 e 11 km/h, no período de 5 a 6 anos desde as mudanças," afirma Ben Hamilton-Baillie, um arquiteto e urbanista britânico. "Não houve acidentes." E as crianças também têm uma compreensão melhor do trânsito, diz ele.

Introduzindo o risco, eliminando limites
A escola primária de Noordlaren é um exemplo radical de 'Espaço Compartilhado' – uma abordagem de segurança viária que vira, de cabeça pra baixo, décadas de conhecimento convencional.

A ortodoxia sustenta que, para reduzir acidentes, você deve segregar os motoristas dos ciclistas e pedestres, usando barreiras, guias, semáforos, placas e outras medidas para reduzir a velocidade do tráfego.

Hans Monderman e outros na Dinamarca, na Alemanha e na Holanda rejeitam a segregação, argumentando que ela reduz a percepção dos motoristas em relação ao risco de acidentes. Motoristas que se deparam com ruas uniformes, previsíveis e altamente regulamentadas dirigem de acordo com isso: com mais velocidade e menos precaução e consideração.

Isso é conhecido como 'efeito de compensação de risco' – as pessoas modificam o seu comportamento com base na percepção do risco. Se as ruas parecem autopistas, as pessoas dirigem como se estivessem em uma. Cidades e vilas não são autopistas. Para adaptar o comportamento do motorista, o Espaço Compartilhado foi pioneiro em introduzir a noção de risco.

Removeram a sinalização horizontal no asfalto, guard-rails, semáforos, faixas de pedestres convencionais e guias, eliminando deliberadamente os limites entre calçada e pista de rolamento. Bancos, postes de luz e árvores ampliaram o efeito. O princípio fundamental era substituir a segregação pela integração.

Bohmte, na Alemanha, eliminou todos os semáforos, sinalização de rua e faixas de pedestres, nivelando, calçada e a pista de rolamento. A cidade holandesa de Drachten transformou o cruzamento de Laweiplein em uma praça com uma rotatória – ou praça rotatória – com pouquíssima sinalização no asfalto, sem placas ou pista para bicicletas.

A meta era criar "curiosidade, incerteza e ambiguidade", explica Hamilton-Baillie – ele próprio um evangelizador e consultor do Espaço Compartilhado –, para diferenciar os lugares de meras rotas. Isso cria desconforto e curiosidade, tornando os motoristas em particular mais cautelosos. Ao fazer o meio ambiente parecer mais perigoso, você ajuda as pessoas a agir de modo mais seguro. Essa é filosofia ‘contraintuitiva’ do Espaço Compartilhado.

Essencialmente, as pessoas precisam se comunicar para seguir adiante, não havendo direitos de passagem claramente definidos. Recorrendo a contato visual e gestos, elas negociam sua passagem, em vez de acharem que têm direito a isso.

"Um espaço compartilhado depende de protocolos sociais e negociação, mais do que de controle estatal", diz Hamilton-Baillie, como em um rinque de patinação onde a movimentação suave e harmoniosa é possibilitada apenas pela interação humana. Por que as ruas das cidades não poderiam funcionar dessa maneira?

Algumas já o fazem. A encruzilhada de Seven Dials, em Londres – onde sete ruas convergem para um monumento – tem visto veículos e pedestres se mesclarem e fluírem sem um gerenciamento formal há mais de 20 anos.

Ruas mais seguras
Mas será que o Espaço Compartilhado realmente aumenta a segurança no trânsito? "Ocorrem menos acidentes", concluiu o estudo intitulado Shared Space, envolvendo sete projetos europeus de 2004 a 2008 apoiados pelo programa European Interreg IIIB North Sea. "Quando uma situação transmite insegurança, as pessoas ficam mais alertas".

Inesperadamente, o estudo também descobriu que, apesar da velocidade menor, a lentidão no tráfego diminuiu em até 50% em Laweiplein, por onde passam 22 mil veículos por dia.

Em 2007, um estudo separado feito pela Universidade de Ciências Aplicadas Dutch Noordelijke Hogeschool Leeuwarden (NHL) descobriu "uma redução significativa no número total de ferimentos" ocorridos em Laweiplein após a reforma em 2003. Os acidentes caíram de oito por ano, em 2004, para apenas um em 2005, apesar do volume maior de tráfego e pedestres.

Seven Dials tem um nível de segurança excelente, diz Hamilton-Baillie, e Ashford, na Inglaterra – onde os semáforos, a sinalização de rua e as faixas de pedestre foram removidos – testemunhou uma redução de 60% nos acidentes nos primeiros três anos.

Áreas proibidas?
Nem todo mundo está convencido. Entre os críticos no Reino Unido está a Associação dos Cães-guia para Cegos, que verificou em uma pesquisa em 2010 que as pessoas cegas ou com visão parcial achavam que as ruas de Espaço Compartilhado eram áreas proibidas, devido à falta de limites.

"Pessoas portadoras de deficiências, e especialmente as que são deficientes visuais, geralmente preferem ruas convencionais", observaram o Dr. Stevemelia e Simon Moody ao entrevistar pedestres na recém-repaginada Elwick Square, em Ashford, pois a maioria deles evitava o trânsito e dava a vez aos veículos.

O artigo deles de 2011, intitulado Shared space: Implications of recent research for transport policy (em tradução livre, Espaço compartilhado: implicações de recente pesquisa para a política dos transportes), publicado pela University of the West of England, verificou que 80% dos respondentes se sentiam mais seguros com a configuração anterior.

Os ciclistas também podem se sentir intimidados. "Muitos ciclistas dizem que se sentem inseguros", segundo Hans De Jong, ex-engenheiro de segurança viária do governo holandês, declarou recentemente à Rádio BBC, apesar de as estatísticas mostrarem o contrário.

Isso nos remete novamente ao efeito da percepção do risco. "Existe o argumento de que a pessoa não deveria se sentir inteiramente segura", diz Ben Hamilton-Baillie. "Há um dilema constante nesse campo; se estamos buscando melhorias nas percepções da segurança ou melhorias na segurança em si."

Outros aspectos a serem investigados incluem saber se o Espaço Compartilhado é adequado para populações cada vez mais idosas e frágeis, se isso poderia perpetuar o uso de carros em ruas que seriam mais seguras (e mais verdes) através de pedestrianismo e se uma maior aceitação do Espaço Compartilhado poderia significar diminuição do desconforto e aumento nos acidentes.

Independentemente dessas dúvidas, o Espaço Compartilhado parece ter vindo para ficar e tem profundas implicações para as futuras políticas de trânsito e a engenharia urbana. Não que isso seja uma novidade, conforme mostra esse filme antigo de um passeio de trólebus pela cidade americana de São Francisco em 1905: o Espaço Compartilhado é, simplesmente, um retorno às ruas de antigamente.

 

 

Mais informações no site Sustentabilidade Allianz


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